ARTIGOS

As armas dos Messias

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Por RICARDO A. FERNANDES, [email protected]
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Publicado em 18/06/2022 às 11:28

Alterado em 18/06/2022 às 11:28

Fica difícil imaginar o que faria o Messias original dois mil anos atrás se tivesse condições de comprar uma arma de fogo. Me atrevo a dizer, como católico não praticante – dos que vão à igreja em Batismos, Missas de Sétimo Dia e quando a coisa aperta pra valer – mas que estudou em colégio de padres e leu a Bíblia em quadrinhos para não bombar em Religião, que a principal arma de Jesus era a palavra. Por que, então, o filho de Deus precisaria de uma pistola?

O Espírito Santo, ao privar o Excelentíssimo Presidente da República da capacidade de abstração, deixa ao aspirante a Cristo a esperteza do entendimento literal. Como quer autorizar a venda de armas à população, toma emprestado um trecho do Evangelho de Lucas que diz “Agora, porém, quem tem bolsa, pegue-a, assim como a mochila de viagem; e quem não tem espada, venda a própria capa e compre uma “. Conclui, o Messias tupiniquim, como citado em reportagem recente deste Jornal do Brasil, que “Jesus Cristo ‘não comprou pistola porque não tinha’ na época em que viveu.”

É interessante observar que o eleito, ao contrário do Ungido, usa a palavra “pistola”. Pistola deve estar ele, chefe do Executivo, contrariado e relutante em admitir a realidade das pesquisas eleitorais na batalha para ficar mais quatro anos no comando da nação que Deus escolheu como pátria.

Bem, o Divino também pode ser Eslovaco ou Senegalês. Mas parece que o atual presidente se esquece disso. O líder da nação falou, dia desses, que só Deus o tiraria do poder. Dá para imaginar o que dirá o mandatário caso seja reeleito? Teria pretensões de dirigir o planeta, depois o universo? Numa esfera maior, em disputa com o Todo Poderoso, talvez revólveres não representem grande vantagem.

Mas a realidade é outra. Hoje, ele, o eleito, é apenas Messias. E se comparado com o Original, vemos que Esse deu a vida para nos salvar. O outro não hesitaria em dar cabo à vida de muitos para se salvar. Com uma pistola em vez de espada.

Pois caso o atual “aspirante a” saia do comando do governo, é possível que seja enquadrado. Se incompetência incriminasse, passaria o resto dos seus dias no xilindró. Basta ver os mais de três anos de inoperância administrativa que resultaram no país de volta ao mapa da fome, inflação galopante, centenas de milhares de mortes por Covid evitáveis, recorde de desmatamento na Amazônia, dentre tantas outras aberrações e frases perversas. Mas se incompetência não dá cadeia, há outros crimes previstos na Constituição que podem deixar, em caso de derrota eleitoral, o futuro humano Jair bastante preocupado.

Como escreve Jamil Chade no livro “10 histórias para entender um mundo caótico”, em coautoria com Ruth Manus (Editora Sextante, 2020), “Buscar a proteção de um grupo usando a palavra de Deus como instrumento de justificativa parece, ao longo da história, vir acompanhado por uma violência inerente quando isso é traduzido na sociedade em disputas por espaço e poder”. Jamil ressalta não haver problema em escolher a religião como caminho individual. Cita exemplos interessantes, no entanto, quando a fé emerge como instrumento de controle. Vale a leitura.

Quem, ou quais forças, controlam as armas? O autor faz referência ao fortalecimento, nas últimas décadas, da fé na esfera pública e no combate ao “grande Satã”. “Nas horas que se seguiram aos ataques de 11 de setembro de 2001, ouvimos referência às Cruzadas”, escreve. Teríamos, no nosso país, com a legalização da compra de armas por qualquer pessoa, um exército para combater o Belzebu?

Se há algo positivo na aberração político-administrativa federal atual, talvez seja o fato de que Deus, com Sua infinita sabedoria, incentive a busca do líder do Executivo pelo posto maior da imortalidade. Fazendo isso, o Todo Poderoso despertaria a inveja de Satanás. Aí, então, a batata de Jair começaria a assar.

Da minha parte, alheio às disputas que transcendem o espectro terreno, vou torcer para que a maioria dos brasileiros, em outubro, optem pelo voto racional. Se, até lá, a coisa estiver feia, vou à igreja e acendo umas velas para São Judas. Na oração, pedirei para que o Deus de muitos nos proteja do Messias de alguns.

Publicitário, escritor e vice-presidente da União Brasileira de Escritores (UBE-SP). Autor do romance “Através”.

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