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Chega de tratar a Petrobras como inimiga do Brasil

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Por JEAN PAUL PRATES

Publicado em 14/05/2022 às 09:31

Alterado em 14/05/2022 às 09:31

Em que momento a Petrobras virou inimiga do Brasil? Em um recente seminário do qual participei em Lisboa, apresentei esse chamado à reflexão, pois acredito que a ponderação em torno do tema deve ser o ponto de partida do processo de restauração da nossa gigante petrolífera e das demais estatais brasileiras.

O fracasso do planejamento estatal no setor de energia está cada dia mais claro. Aí está a desatinada escalada dos preços dos combustíveis para confirmar essa constatação.

Reverter essa realidade exige que pensemos “em dois tempos”. Temos uma emergência, que é reverter a carestia desvairada do gás de cozinha, da gasolina e do diesel - esse massacre dos orçamentos das famílias brasileiras - e temos um desafio estratégico, que é repensar o setor de energia e combustíveis na sua dimensão de motor do desenvolvimento do país.

Em outras palavras: precisamos consertar o desastre armado pelos governos que vieram depois do golpe de 2016, mas também precisamos refletir sobre lacunas que governos anteriores - os nossos, do PT, também - não conseguiram resolver.

Tenho dito e repito: a calamidade no setor de combustíveis vai ser resolvida por mais Estado, não pela mão invisível do mercado.

É tão urgente quanto estratégico, portanto, que nos reconciliemos com a Petrobras e com as demais estatais. É preciso que mesmo o mais empedernido liberal compreenda que o discurso de exclusão, de retirada da Petrobras do mercado, de enfraquecimento da empresa, só interessa à rapina, não à parcela saudável do investimento privado.

Ainda nos anos 90, fui um dos formuladores da legislação que abriu setor de petróleo à participação privada. Esse foi um movimento que buscava o investimento novo para complementar a capacidade das estatais e levar o setor a novas direções e dimensões.

Por esperteza, preguiça ou despreparo, teve gente que interpretou esse deslocamento como um convite à pura e simples substituição da Petrobras por entes privados.

O fundamento para a quebra dos monopólios era exatamente a necessidade de agregar novos investimentos para alcançar novos horizontes, não para que deitassem em berço esplêndido sobre o que já estava pronto. É muito fácil ser capitalista assumindo operações e patrimônio consolidado de uma estatal, sem enfrentar o risco de investir, planejar, administrar e concorrer.

Quebra de monopólio é a oportunidade para investidores privados participarem de um mercado, não a senha para se adonarem do que uma estatal construiu, com dinheiro do povo, sem a obrigação de aportar nada de novo.

Mas os governos pós-golpe - Temer e Bolsonaro - adoraram essa versão e saíram vendendo ativos da empresa, em lugar de estimular novos investimentos.

Esses governos atravessaram o Rubicão e desembestaram pela porteira. Assim, as estatais foram carimbadas como “entrave”, não como gigantes consolidadas, eficientes, lucrativas e parceiras essenciais ao sucesso do investimento privado.

Essa ideia de que estatais são necessariamente ineficientes ou atrasadas é muito velha, sem qualquer charme "vintage".

Estatais são alavancas, ferramentas estratégicas para fortalecer um setor, ao lado da participação do mercado.

Em 2022, todos os programas de governo que queiram ser levados a sério terão que explicitar sua política para setores estratégicos que são atividades econômicas reguladas. E elas precisam basicamente que o Estado lhes garanta três coisas: universalidade no acesso, controle e investimentos socialmente orientados.

Teremos, sim, que enfrentar a emergência: a Política de Paridade de Preço de Importação (PPI) é um erro que atrela a produção brasileira ao custo praticado no mercado internacional e cancela nossa vantagem competitiva de país autossuficiente em petróleo.

Essa vantagem não foi presente do mercado. É fruto de 70 anos de investimentos públicos e deveria servir para baratear a produção de combustíveis, afrouxando o nó em torno do pescoço da população empobrecida. É uma vantagem que não pode ser capturada para apenas ampliar a margem de lucro de alguns acionistas da Petrobras.

Ser acionista privado da Petrobras já é bom demais sem PPI. Quem não quer ser sócio do governo brasileiro em uma empresa segura, com uma tremenda estrutura e hegemônica no mercado?

Mas a Petrobras não pode ser boa só para esses acionistas minoritários. Há outros acionistas - o povo - que também devem receber os dividendos pelos 70 anos de investimentos que fizeram na empresa.
Então, não é o fim do mundo fazer uma estabilização de preços para que o gás de cozinha volte a ser acessível a quem pagou a construção da Petrobras e que a cenoura não chegue à quitanda custando R$ 14 o quilo, por conta do frete.

Naturalmente, há os que acham que o povo não precisa comer cenoura, nem cozinhar com segurança, nem ter dinheiro para pagar a condução.

Entre esses desprovidos de empatia, há os inteligentes e os outros.

Os outros vão dar com os burros n’água logo ali na esquina. Os inteligentes, porém, vão acabar descobrindo que o agro, a indústria tantos outros setores “modernos” também estão se esborrachando com essa escalada maluca do preços dos combustíveis, urdida apenas para garantir o lucro de meia dúzia.

Entender o papel da Petrobras não é questão de ideologia. É questão de sobrevivência econômica.

*Senador (PT-RN) e líder da Minoria no Senado.

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