ARTIGOS

Por onde andam os brinquedos?

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Por CARLOS FRANCO, [email protected]

Publicado em 05/10/2021 às 16:36

Alterado em 05/10/2021 às 16:36

Com o Dia das Crianças batendo na porta, a cadeia do setor de brinquedos, sobretudo o varejo, vive um drama do que ofertar e, principalmente, de como convencer a garotada a dar aquelas famosas birras e choramingadas para que os pais e os avós abram a carteira, irrigando seus caixas. Enfrenta ainda, pela alta do dólar e o desabastecimento de componentes e produtos importados provocado pela pandemia Covid-19 a escassez de brinquedos novos para vender. De acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Brinquedos (Abrinq), as importações tiveram queda de 49% este ano, o que levou fabricantes nacionais, sobretudo de brinquedos de plástico e borracha, a registrarem crescimento de 21% na produção para suprir o varejo. Os dados, porém, ainda não permitem ao setor nacional descer para o playground da alegria, ao contrário, seus desafios são gigantescos.

Se o segmento ainda surfa na onda dos grandes estúdios, como Disney, Nickleodeon, Fox e Pixair, para atrelar de tudo aos filmes, o da franquia Hotel Transilvânia que está, para estrear no Brasil, tem tudo para ser a bola da vez com o seu quarto filme, o Transformonstrão. Mas até isso ainda é incerto hoje, pois, se é uma fórmula que deu certo no passado, resultando em planejamentos estratégicos de vendas bem sucedidas, se tornou uma incógnita num setor que acumula fracasso de público e bilheteria e que viu, em fevereiro, a poderosa cadeia americana do segmento, a Toys'R'Us cerrar as portas de todas as suas lojas. Nem a poderosa vitrine na Quinta Avenida, em Nova York, que ficava bem em frente ao majestoso Hotel Plaza, no Central Park, resistiu.

É que este mercado mudou rapidamente e de forma veloz está mais atrelado ao entretenimento digital. Fórmulas como associar produtos aos grandes lançamentos cinematográficos, com o crescimento dos serviços de “streaming” (por exemplo Netflix, Amazon Prime Video, YouTube, Globo Play entre outros) deixaram de ser certeza de resultados, pois os investimentos em marketing e a necessária aglomeração em estreias a pandemia e as novas plataformas de consumo de audiovisual levaram para o ralo muitas das certezas deixando em telas de executivos do segmento, a incerteza.

Um lojista de uma rede de brinquedos que ainda resiste diz, pedindo anonimato, que hoje quem segue mantendo o negócio de pé são os avós, uma vez que os pais de primeira viagem têm tido participação cada vez menor nas vendas, as gerações Y, X e Z são o X desta questão. O período prolongado de pandemia Covid-19 também teve sua parcela de culpa no setor, duramente atingido nos dois últimos anos. Isso porque a ausência de aulas presenciais leva crianças a não terem como exibir seus brinquedos novos nos playgrounds, praças e escolas, então tudo migrou para o digital, até as aulas escolares.

Nos Estados Unidos, a Mattel, a maior fabricante global de brinquedos, tem procurado atrelar um de seus maiores ativos, a boneca Barbie, desde 1958 em cartaz, à pesquisas em parceria com universidades que mostram a importância do brincar e o papel que a boneca pode exercer nos tempos atuais. Foi com este objetivo que a fabricante lançou este ano a campanha “A Doll Can Help Change the World” (uma boneca pode ajudar a mudar o mundo), assinada pela agência de publicidade BBH/Los Angeles, USA, com base em pesquisa neurocientífica conduzida pela Cardiff University. O estudo acadêmico concluiu que crianças brincando com Barbies representativas da diversidade tendem a ser mais empáticas com o mundo que as cerca.

Bonecas cadeirantes, por exemplo, contribuem para a aceitação da criança de sua condição e despertam em outras a empatia e a aceitação para as diferenças, o mesmo ocorrendo com bonecas que representam diferenças étnicas e raciais. De resto, Mattel como todos os fabricantes de brinquedos e varejistas do setor enfatizam a importância do brincar para a construção de um mundo melhor e mais inclusivo, pois assim as crianças podem ter contato com um universo imaginário que depois transportam para sua realidade, conseguem agir com maior naturalidade e podem contribuir para a construção de um mundo melhor.

SQN. Essa sigla do universo digital que quer dizer “só que não” tem tudo a ver com este momento do setor, sobretudo porque organizações não-governamentais como a Fundação Alana, que une Ana Lúcia e Alfredo Egýdio Arruda Villela Filho, acionistas do Banco Itaú, têm alertado permanentemente que muitos brinquedos e a propaganda destes ampliam o fosso das desigualdades que já são gritantes no Brasil. A Fundação Alana tem sido uma guardiã da publicidade infantil na tentativa de evitar que o brinquedo seja um fator de exclusão, lembrando que todos precisam ter acesso ao brincar de forma realmente lúdica e não como forma de demonstrar poder. Os irmãos são um bom exemplo deste comportamento, pois embora integrantes do bloco de controle do Itaú, evitam a todo custo atrelarem suas imagens e ações à uma das instituições mais sólidas do mercado financeiro nacional. Não demonstram a ninguém, o poder que têm, ao contrário, se mostram gente como a gente.

O mundo dos brinquedos, portanto, deixou de ser uma brincadeira. Vive um momento de busca de novos horizontes e enfrenta desafios que impedem a cadeia do segmento de celebrar o Dia da Criança que sempre respondeu, de acordo com a Abrinq, por cerca de 40% das vendas. No digital, tudo se dilui e nas novas plataformas além da indústria de brinquedos, outros segmentos oferecem entretenimento na forma de games. Não está nada fácil para este segmento.

Aos 63 anos, Barbie, que ainda mantém o corpinho de sempre, está precisando rebolar e muito para se manter na crista da onda de boneca mais vendida do planeta. E para abrir alas num mundo em transformação tem realizado lançamentos pontuais de bonecas que participem do noticiário, conquistando empatia e respeito como ocorreu com a homenagem que prestou às cientistas do mundo na linha de frente do combate ao Covid-19. A pesquisadora brasileira Jaqueline Goes de Jesus, cientista que liderou o sequenciamento do genoma de uma das variantes (cepas) do Covid-19 no Brasil, foi escolhida pela Mattel para ser uma das seis bonecas Barbie que abriram espaço nas prateleiras para este momento que o mundo atravessa. Os brinquedos também são vítimas e buscam sobreviver à pandemia e ao novo comportamento dos consumidores. Sem o forte apache que não fabrica mais, nem os autoramas, a guerra e a corrida no segmento para buscar se manter vivo é intensa.

Vida que segue.

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Carlos Franco é jornalista

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