ARTIGOS

O amor pertence ao DNA do ser humano

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Por LEONARDO BOFF
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Publicado em 04/10/2021 às 19:55

Alterado em 04/10/2021 às 19:55

Assistimos, estarrecidos, em nosso país e também em grande parte do mundo a uma onda de ódio, de desprezo, de exclusão e de violência simbólica e física que suscita a questão: que inscrição possui este dado sinistro dentro da vida humana? Como veremos logo a seguir, os pesquisadores sobre o segredo da vida humana nos garantem que, por “natureza” e não simplesmente por um “projeto pessoal ou social”, está inscrito em nosso DNA o amor, a cooperação, a solidariedade e a compaixão. Os que vivem e alimentam o ódio são inimigos de si mesmos e da própria vida. Por isso nada de efetivo produzem, se não desgraças, exclusões, crimes e morte. É o que lastimavelmente estamos assistindo.

Nesta questão, o primeiro nome a ser referido é sem dúvida, James D. Watson com seu famoso livro “DNA: o segredo da vida” (2005). Junto com seu colega Francis Crick cientificamente sustentam que o amor está presente na essência do DNA. Ambos em 1953 descodificaram o código genético, a estrutura da molécula de DNA, a dupla hélice que contém o programa de toda vida, desde a célula primigênia surgida há 3,8 bilhões de anos até chegar a nós, seres humanos.

Todos somos constituídos pelo mesmo código genético de base, o que nos faz a todos parentes uns dos outros. Afirma Watson: “contra o orgulho, revelam as sublimes realizações do intelecto humano, que temos apenas duas vezes mais genes que uma reles minhoca, três vezes mais genes que uma mosca de frutas em decomposição e apenas seis vezes mais genes do que o simples fermento de padaria”. A célula do DNA esticada alcança um metro e 85 centímetros; reduzida a sua forma original é de um trilhonésimo de centímetro e está presente em cada célula, mesmo na mais superficial da pele de nossa mão. Watson define: ”a vida assim como a conhecemos nada mais é que uma vasta gama de reações químicas coordenadas. O segredo desta coordenação é um complexo e arrebatador conjunto de instruções inscritas quimicamente em nosso DNA. Mas há ainda um longo caminho a percorrer em nossa jornada até o pleno conhecimento de com o DNA atua” (p.424).

Muitos conhecimentos novos enriqueceram a visão de Watson/Crick especialmente pelos dois biólogos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela. O melhor destas pesquisas foi maravilhosamente resumido no livro do ecologista e físico quântico Fritjof Capra em seu livro “A teia da vida” (1997). Ele mostrou didaticamente que para o surgimento da vida se precisa de um padrão de organização (que nos faz distinguir uma cadeira de uma árvore), de uma estrutura que organiza os elementos físico-químicos que permitem o irromper da vida. Mas isso não basta: precisa-se incorporar a auto-criação. Os seres vivos, em sistemas abertos que os faz dialogar com todo o entorno, não são estáticos, estão sempre em processo de autocriação (autopóiesis de Maturana). Não apenas se adaptam às mudanças, mas criam novas, junto com os demais seres, de tal forma que continuamente co-evoluem.

Uma contribuição decisiva foi trazida por Humberto Maturana que estudou a base biológica do amor. Ele vê o amor presente desde os inícios do universo. Cada ser se rege por dois processos: primeiro é de necessidade de interconectar-se com todos os demais para garantir mais facilmente sua sobrevivência. O segundo é de pura espontaneidade. Os seres se inter-relacionam por rara gratuidade, criando entre si laços novos e por afinidade, como se enamorassem reciprocamente. É a irrupção do amor no processo cosmogênico. O amor que surge entre dois seres, milhões de anos depois, teve sua origem nessa relação de ancestral amorosidade espontânea.

Tudo isso ocorre como um dado de realidade objetiva. Ao chegar ao ser humano pode se transformar em algo subjetivo, num amor conscientemente assumido e vivido como um projeto de vida.

Toda esta reflexão se destina a deslegitimar e acusar como desumana, contrária ao movimento do universo e à base biológica da vida, a prevalência do ódio, da exclusão, das raivas presentes em nosso pais, animadas por um Chefe de Estado que excele em ódio, comportamentos desviantes e necrófilos. Fez-se inimigo da vida de seus compatriotas ao aliar-se ao Covid-19, apresentando-se como um mestre curador através da cloroquina e compostos, como se médico e especialista fosse. Passou por um reles charlatão e, com referência aos indígenas, um genocida.

Termino com o testemunho de Watson no referido livro:

”Embora não seja religioso, vejo elementos profundamente verdadeiros nas palavras sobre o amor de São Paulo na epístola aos Coríntios: ”Se falasse todas as línguas...se tivesse o conhecimento de todos os mistérios e de toda a ciência...se não tivesse amor nada seria. Paulo, no meu entendimento, revelou com clareza a essência de nossa humanidade. O amor, esse impulso que nos faz ter cuidado com o outro, foi que nos permitiu nossa sobrevivência e sucesso no planeta. Tão fundamental é o amor à nossa natureza humana que estou certo de que a capacidade de amar está inscrita em nosso DNA. Um Paulo secular (ele Watson) diria que o amor é a maior dádiva de nossos genes à humanidade” (p.433-434).

Tais palavras nos levam a responder ao ódio bolsonarista com o amor, à ofensa de seus fãs com amorosidade: tais atitudes nos dão a certeza e garantia de que estes tempos nefastos de ira e de ódio passarão.

*Teólogo, filósofo e escritor, publicou “A casa, a espiritualidade, o amor”, Paulinas, SP 2017; “Os direitos do coração”, Paulus, SP 2015.

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