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Como evitar a crise energética; solução não é a entrega da Eletrobrás.

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Por MANUEL JEREMIAS LEITE CALDAS
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Publicado em 06/06/2021 às 08:41

Alterado em 06/06/2021 às 08:42

A ambição de alguns de controlar e comprar a riqueza nacional na bacia das almas, convenceu e cegou o Ministério das Minas e Energia. O MME guarda os maiores ativos ocultos do povo brasileiro e estão escondidos pela sequência de políticas erradas de todos os governos desde 1979. Iniciado com controle de preços pelo ministro Delfim Neto, prefixou os aumentos das tarifas bem abaixo da inflação e começou a matar a galinha dos ovos de ouro que o governo do período militar deixou para a nação e todos os brasileiros.

Com planos econômicos, expurgos, aumentaram o Estado (dono dos ativos), inventaram a modernização, agências por todos os lados, regulamentos que não precisavam e voltamos aos tempos do não crescimento e agora a crise hídrica e energética volta rondar.

O projeto grandioso, idealizado por gênios do passado, que serviram à nação no governo JK e continuado no militar de Castelo Branco e os que vieram a seguir, está sendo destruído. Podemos dizer que eles jamais concordaram com arbitrariedades cometidas por atos desumanos no passado. Queriam vencer e convencer pelas ideias, pelo conhecimento, e não pela força. Prova foi prisão da economista Maria da Conceição Tavares, que retornava do Chile e recebeu voz de prisão ao pousar em São Paulo. A posição incisiva de um ministro frente ao presidente Geisel forçou de forma imediata a sua libertação, relatado em livro pela professora Conceição Tavares. “Era novembro de 1974 voltando de uma viagem ao exterior, me encanaram no aeroporto. Prenderam a sua colega. Mario (Henrique Simonsen) foi então procurar o presidente Geisel e eu acabei saindo. Eu devo ao Mario ter conseguido sair com vida da cadeia, já que aquela época não era moleza”. Eles viam e faziam um grande país para os brasileiros, sabiam que o período de exceção ia passar. Nos governos posteriores tivemos poucos, com pelo menos 20% dessas capacidades e posição firmes. Alterar a direção dos ventos com as pás eólicas e a luz solar que nos aquece e dá vida com painéis fotovoltaicos.

Hoje temos um Sistema Integrado Nacional (SIN) composto de 4 subsistemas interligados por sistemas de transmissão limitados à capacidade de transmissão em linhas de corrente alternada e corrente contínua, que conseguem transmitir em longas distâncias com perdas diminutas. (Sul, Nordeste, Norte e Sudeste-Centro-Oeste). Assim, acharam que poderiam concentrar investimentos de geração em qualquer lugar porque tinham linhas de transmissão. A falsa verdade: “temos capacidade de sobra de geração de energia”, mas na hora da “cobra fumar”, vai faltar luz, energia e até água no país inundado por rios.

Esta crise expõe a falta de critérios na operação do sistema energético, elétrico e hídrico e bem como a falta e/ou planejamento estratégico falho onde muitos falam e poucos comandam. Onde está o responsável por esse cenário de comitê de crise? Vários são os fatores que influenciam a oferta e a demanda ou consumo de energia elétrica. Lembre-se que a demanda por energia é uma demanda derivada. A demanda crescente industrial explicada pelo setor exportador, beneficiado pelo câmbio sobrevalorizado, acima da média real de 30 anos e a explosão de “commodities”. O setor residencial apresenta crescimento pela necessidade de isolamento e trabalho “homeworking”, que compensou a queda do setor de serviços global. O consumo comercial consolidado em março/21 mostra tênue recuperação apresentando crescimento de +1,4%, que levanta o risco de aceleração do setor levando a escassez de oferta do sistema, pois não há alternativas para sua cobertura.

Os fatores de demanda derivada de energia e não seu consumo final são os seguintes:

Demanda industrial crescente pelo setor exportador, câmbio e “commodities” fortes; Demanda residencial crescente oriunda do isolamento e novas atividades, “homeworking”;

Demanda comercial com a recuperação de lazer, shopping, escolas, comércio local, mesmo vigilante, dado proximidade e circulação de pessoas sem nível de vacinação desejável.

Fatores de Oferta de expansão de geração e transmissão, sem plano definido e elaborado:

A) Todas as últimas usinas de porte, a fio da d´água, quais sejam: Santo Antônio, Jirau, Belo Monte, Pimental, Teles Pires e São Manoel, que correspondem à seguinte geração total: Período Úmido - 20 mil MW médios, Período Seco - 4 mil MW médios, assim, é crítico agora.
B) A forte evolução de eólicas na região Nordeste, mas em menor escala no Sul, ancorada no passado em incentivos e tratamento diferenciado.
Destaque-se que sem as gigantescas usinas a fio d’água na região Norte, e as usinas eólicas haveria racionamento prolongado e apagões. A revolução será solar se o MME deixar.

Faltou e faltam planejamento e controle do regime dos reservatórios em rios em cascatas e bacias integradas e integração das regiões, p.ex.: Bacia do rio Grande, do rio Paranaíba, do rio Tietê e do rio Paraná, ultimo da região Sudeste que alimenta a UHE Itaipu; a vazão após a usina Porto Primavera é de 4300m³/s foi reduzida para 3900m³/s e para não haver racionamento será preciso ir para 2700m³/s, o que acaba com a navegabilidade da hidrovia do Rio Paraná dentre outras consequências graves ainda por analisar. Pontos a considerar:

Ministro (MME) dizer que não sabia da gravidade ficou surpreso, é um crime.

-Não existem controles do Nível dos reservatórios nas cabeceiras, das vazões naturais e derivadas, das Cotas mínimas e Vazões defluentes mínimas, só existem monitoramentos.

-Ocorreu pouca chuva sim, como esperado, uma vez que o processo continuado de queimadas na Floresta Amazônica reduz a potência dos “rios voadores”. Reflorestamento é a “palavra-chave”.

A má operação dos níveis dos reservatórios conjugados com vazões, uma vez que, ao elevar as vazões defluentes é necessária mais água, o que vai secando os reservatórios à montante.

Poderia e deveria ter sido evitado, mas sem comando só se tem discursos e informação enganosa: “pior quadro que ocorreu nos últimos 91 anos”. A situação é ruim, mas não a pior de todas.

Assim, vão reduzir as vazões defluentes prejudicando os usos múltiplos d’água, consuntivos ou não. Os usos não consuntivos não envolvem o consumo direto da água e sim o lazer, a pesca e a navegação. Os usos consuntivos são aqueles que retiram água do manancial para destinação, como abastecimento humano, irrigação e emprego na indústria.

Portanto, é necessário mudar radicalmente o emprego do Sistema Energético, os reservatórios passariam a funcionar como enormes pilhas, baterias do sistema e não mais o seu uso contínuo, dando outras prioridades, o que demandaria a complementariedade de outras energias renováveis.

Um amplo programa de energias renováveis Solar e Eólicas, que passariam a ser a base do sistema. O uso Solar tem potencial de multiplicar sua capacidade atual por 20 vezes em 3/5 anos e 50 a 70 vezes em 10 anos, enquanto que a energia Eólica com a possibilidade de multiplicar sua capacidade atual por 3/5 vezes em 5/10 anos.

O sistema elétrico mudará. Os reservatórios não serão mais o “banheirão” enorme à meia boca, vazio e, assim, sempre punido. Foi a destruição das usinas hidrelétricas formatadas por especialistas espertos e “insiders” de políticas. As UHE´s passariam a ser “a pilha do sistema”.

O futuro será de reservatórios cheios com controles de níveis e vazões defluentes ou à jusante. Temos que intensificar e retornar os projetos de investimentos parados como o Programa do Silício Puro, grau solar. O silício utilizado na indústria fotovoltaica é o silício de grau solar (SiGS) que possui uma pureza de 99,9999% O Silício puro (98,5%) já é produzido no Brasil. O valor agregado multiplica por 7/10 vezes e assim alavancará a produção de placas solares, sendo que este setor pode gerar 20 milhões de empregos e colocará o país em outro patamar de desenvolvimento tecnológico, espalhando para a microeletrônica no futuro, dado que nesse setor é necessária uma pureza de 99,999999999%, e, portanto, uma grande cadeia de processamento. O Brasil parou na pureza do silício metalúrgico, de 98,5%.

Temos desenvolvimento e protótipo do carro elétrico produzido por Itaipu. Ônibus e carro elétrico serão baterias móveis reversíveis. Falta empreendedorismo no Brasil e no governo atual. Hoje, os bancos estão montando mesas de operações para vender energia. Assim, é necessário redirecionar a jogatina e a “compra” de informações do setor elétrico. Deviam construir ou financiar usinas e mudanças institucionais do sistema elétrico, mas não estão nem aí. Esse comportamento mostra a falta de ação do regulador e Operador Nacional do Sistema (ONS).

Podem-se programar térmicas a gás (GNL) no litoral, aonde existe insuficiência de energia e não nas regiões Norte e Nordeste. Interiorizar o gás não pode estar associado ao programa de geração de energia elétrica, obrigando longas linhas de transmissão de Corrente Contínua, fortes impactos ambientais e aumentando os riscos de apagões como foi o exemplo do dia 28/05/21, que poderia ter levado o sistema elétrico ao colapso.

O ONS projeta a expansão de 2021 para 2025 em UHE de 108.627MW para 109.277MW; em Térmicas (Gás/GNL) de 15.079 MW para 18.493 MW; em Eólica de 19.098 MW para 24.007 MW; em Biomassa de 14.203MW para 15.172MW; em Solar de 4.189MW para 6.453MW; em Nuclear estável em 1.990MW; Carvão estável em 3.017 MW; em Térmicas (Óleo+diesel de 4.273MW para 4561MW; e outras de 640MW para 690 MW.

Para agregar várias fontes de energia, usaremos o critério de medidas de capacidade, Tony Seba, 20/abril/2020 em “Rethinking the future- clean disruption and the collapse of the oil”. Considerando UHE=58%, Gás+GNL=92%, Eólica=38%, Biomassa=50%, Nuclear=95%, Solar=23%. A agregação total é 6.100/6.400 MW médios o que significa acréscimo de 1.250 MW médios em 5 anos - de 01/21 a 12/25, ou de 1550 MW médios em 4 anos.

Ao projetar um crescimento da economia de 3% ao ano, este planejamento é insuficiente e a crise energética, elétrica e hídrica irá se instalar porque necessitam de expectativas de vazão de 130/150% MLT (Médio Longo Termo) dos últimos 91 anos, bem acima da referência e registrada nos últimos 20/30 anos. Há risco de haver crise energética, elétrica e hídrica prolongada por mais de dois anos.

A solução é um leilão de energia renovável com prazo de um ano. A geração distribuída despertará com energia solar com placas solares espalhadas pelos campos, telhados e marquises do Brasil. Hoje, a geração de energia solar é desprezível, podemos dar um salto e seguir o mundo. A cópia do caminho certo - da China, EUA, Alemanha, Ásia e Austrália - nos fará multiplicar por 50. Imaginem...

*Engenheiro elétrico (IME); PhD em Economia (EPGE-FGV)

Macaque in the trees
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