JUSTIÇA

Após ser chamado de ‘novato’, Nunes Marques é ‘enquadrado’ por Gilmar; leia bastidores do STF

Episódio escancara o aprofundamento do desgaste interno de Nunes Marques, que vem sendo criticado nos bastidores por conta de decisões

Por Jornal do Brasil
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Publicado em 06/04/2021 às 08:49

Alterado em 06/04/2021 às 08:49

Kassio Nunes Marques Foto: Samuel Figueira / Proforme

Um dia depois de ser chamado de “novato” por Marco Aurélio Mello ao liberar a realização de missas e cultos por todo o País, o ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), foi “enquadrado” novamente nesta segunda-feira (5), desta vez pelo colega Gilmar Mendes. Em uma decisão contundente, Gilmar colidiu frontalmente com Kassio, contrariou os interesses do Palácio do Planalto e manteve de pé um decreto do governo de São Paulo que proibiu cultos e missas em meio ao agravamento da pandemia. O episódio escancara o aprofundamento do desgaste interno de Nunes Marques, que vem sendo criticado nos bastidores por conta de decisões consideradas tecnicamente frágeis e sobretudo pelo alinhamento automático ao presidente Jair Bolsonaro, responsável pela sua indicação ao tribunal.

Ao longo de 16 páginas, repletas de duros recados, Gilmar criticou “postura negacionista” (e destacou o termo “negacionista”, sublinhado e em negrito) diante da pandemia do novo coronavírus, que já levou à morte de mais de 330 mil brasileiros. Também expôs as contradições de Kassio, ao apontar que o plenário do Supremo – com o voto do próprio Kassio – já concluiu, por unanimidade, que a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) não é uma entidade de classe com legitimidade para entrar com ação no Supremo contra decretos estaduais e municipais.

“A questão que se coloca é se o conteúdo normativo desses preceitos fundamentais (liberdade de consciência e de crença) restaria violado pelas restrições à realização de cultos, missas e demais atividades religiosas de caráter coletivo em razão da pandemia da covid-19 determinadas pelo Decreto. Quer me parecer que apenas uma postura negacionista autorizaria resposta em sentido afirmativo. Uma ideologia que nega a pandemia que ora assola o país, e que nega um conjunto de precedentes lavrados por este Tribunal durante a crise sanitária que se coloca”, escreveu Gilmar Mendes.

Em abril do ano passado, o plenário do Supremo garantiu a Estados e municípios autonomia para que adotassem medidas de isolamento social para conter a disseminação da covid-19.

No último sábado, Kassio afirmou que “proibir pura e simplesmente o exercício de qualquer prática religiosa viola a razoabilidade e a proporcionalidade”. “Reconheço que o momento é de cautela, ante o contexto pandêmico que vivenciamos. Ainda assim, e justamente por vivermos em momentos tão difíceis, mais se faz necessário reconhecer a essencialidade da atividade religiosa, responsável, entre outras funções, por conferir acolhimento e conforto espiritual”, apontou Kassio, ao liberar em plena Páscoa cultos e missas em todo o País.

Único indicado por Jair Bolsonaro ao STF, Kássio observou naquela decisão que o País estava em plena “Semana Santa, a qual, aos cristãos de um modo geral, representa um momento de singular importância para as celebrações de suas crenças”.

Gilmar e Kassio já haviam se desentendido no mês passado, no explosivo julgamento em que a Segunda Turma do STF declarou o ex-juiz Sérgio Moro parcial ao condenar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na ação do triplex do Guarujá. Após Nunes Marques dar voto favorável a Moro, Gilmar disse que “não há salvação para o juiz covarde”.

Legitimidade. Outro ponto rechaçado por Gilmar Mendes na decisão desta segunda-feira foi a legitimidade da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) de entrar com ação no Supremo contra decretos estaduais e governamentais. A decisão de Kassio, que liberou missas e cultos, foi tomada justamente numa ação movida pela Anajure.

Gilmar ressaltou que, em fevereiro deste ano, o STF arquivou uma outra ação, da mesma associação, que havia acionado o tribunal para derrubar decretos municipais que impuseram toque de recolher noturno, interrompendo atividades religiosas. Conforme mostrou o Estadão, por 11 a 0, inclusive o voto de Kassio Nunes Marques, o tribunal decidiu pelo arquivamento do caso, negando um recurso da Anajure contra a rejeição da ação.

“Importa destacar que no julgamento em questão o Tribunal negou provimento ao Agravo POR UNANIMIDADE. Ou seja, todos os ministros deste STF afirmaram, em uníssono, que Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJURE não pode ser considerada “entidade de classe”, apontou Gilmar, grifando em letras garrafais o placar unânime.

A questão da legitimidade da Anajure foi revista não apenas por Kassio, mas pela própria Advocacia-Geral da União (AGU). Antes da “guerra de liminares”, o órgão do governo Bolsonaro havia considerado que a associação de juristas evangélicos não poderia entrar com a ação. Com o retorno de André Mendonça à pasta, a AGU mudou de ideia e passou a defender a legitimidade da Anajure.

Evangélico, Mendonça é considerado favorito à vaga de Marco Aurélio Mello no STF. Outro nome cotado para a cadeira é o procurador-geral da República, Augusto Aras, que também se meteu no vespeiro. Nesta segunda-feira, após vir à tona a decisão de Gilmar contra a abertura de templos e igrejas em São Paulo, Aras pediu que o caso saísse das mãos do ministro e fosse redistribuído para Kassio Nunes Marques. O argumento do chefe do Ministério Público Federal (MPF) é o de que, como a ação dos evangélicos que ficou com Kassio chegou antes ao Supremo, atrairia a competência também do processo movido pelo PSD contra o governo paulista, que acabou nas mãos de Gilmar.

Com a ofensiva de Aras e Mendonça, está aberta em praça pública a luta para ser o próximo “novato” do STF.(Agência Estado)