INFORME JB

Por Jornal do Brasil

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INFORME JB

A santa ignorância do filho 03

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Por GILBERTO MENEZES CÔRTES
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Publicado em 24/09/2021 às 18:42

Alterado em 25/09/2021 às 19:25

Eduardo Bolsonaro nunca enviou arquivos por e-mail Reuters/Adriano Machado

Embora tenha tomado apenas a 1ª dose da vacina da Pfizer, que como as demais, à exceção da vacina da Janssen (da Johnson&Johnson), de dose única, só garante proteção (mas não imunidade) na 2ª dose, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) reclamou no Twitter de ter contraído a Covid-19 e aproveitou para desfilar um chorrilho de bobagens contra as vacinas e o passaporte sanitário, adotado por dezenas de nações e já seguido por prefeitos das principais capitais do país.

“Sabemos que as vacinas foram feitas mais rápidas do que o padrão. Tomei a 1ª dose de Pfizer e contraí COVID. Isso significa que a vacina é inútil? Não creio. Mas é mais um argumento contra o passaporte sanitário. Estudos sobre efeitos colaterais e eficácia estão ocorrendo agora” — escreveu no Twitter.

Um monte de meias verdades em um único "post" do filho 03, que exprimem a ignorância, compartilhada por milhares de seguidores do deputado, eleito em 2018 com a maior votação do país para a Câmara Federal (1.843.735) e pelos apoiadores de seu pai, o presidente da República, Jair Messias Bolsonaro.

Vamos por partes:

“Vacinas foram feitas mais rápidas do que o padrão”: De fato, pesquisas de vacinas e novos medicamentos costumam levar tempo (três a cinco anos) porque são bancados pelos próprios laboratórios (de empresas, universidades ou centros de pesquisa) e nem todos têm sobras de caixa para isso.

Quando há uma emergência (com potencial de uso mais amplo de vacinas ou remédios), as pesquisas são aceleradas com reforço de verbas, pois haverá retorno quase certo dos investimentos. Na pandemia da Covid-19, governos (como os dos Estados Unidos, Canadá, países europeus, Japão, China, Coreia do Sul, Rússia e Índia) aportaram bilhões de dólares para acelerar as pesquisas.

As vacinas não são garantia de imunidade. Por isso, recomenda-se o uso de máscaras enquanto uma parcela importante da população não estiver protegida, o que favorece o surgimento de novas variantes da Covid-19. Mas a queda de contágios e mortes em todos os países que avançaram na vacinação do ciclo completo de vacinação (duas doses ou dose única) em mais de 40% da população, mostra que a vacinação deve ser incentivada a todos.

“Tomei a 1ª dose de Pfizer e contraí COVID. Isso significa que a vacina é inútil? Não creio”. O deputado confessa o próprio erro de achar que uma dose garante proteção (erro que é incentivado nas propagandas oficiais do governo que alardeiam a quantidade de vacinas distribuídas sem especificar que o mais importante são que foram aplicadas duas vezes no braço (salvo a Janssen, que a primeira dama, Michelle Bolsonaro teria tomado nos EUA, segundo se depreende da entrevista de Jair Bolsonaro à revista “Veja").

O site do ministério da Saúde revela, em 24.09, às 12 horas, terem sido “distribuídas 287,957 milhões de vacinas em todo o país", sendo que 224,901 milhões foram aplicadas (142,624 milhões de 1ª dose e 82,276 milhões de 2ª dose ou dose única). Portanto só estes 39% da população estariam mais protegidos, mas não imunes de contrair a Covid-19.

Um por todos, todos por um

“Mas é mais um argumento contra o passaporte sanitário”. Bem, na falta de argumentos racionais qualquer bobagem serve para embasar uma postura negacionista. O passaporte sanitário visa proteger a maioria (que quer se vacinar, tanto que os que tomaram a 1ª dose (confiando na 2ª) já somam quase 70% da população adulta no Brasil. E o percentual só não aumentou porque o governo atrapalhou a vacinação dos menores de idade – de 12 a 18 anos.

Se não houver compromisso da maioria (a empatia com o próximo, ou o velho ditado, de “um por todos, todos por um”), não haverá garantia de que a escalada do vírus será controlada. O contingente de republicanos trumpistas que recusa a se vacinar nos EUA explica o recrudescimento dos casos e mortes nos estados mais conservadores, onde mais da metade não da população não comparece aos postos de vacinação. Os EUA estão com 64% da população vacinada com pelo menos uma dose, mas só 50,61% totalmente vacinados.

“Estudos sobre efeitos colaterais e eficácia estão ocorrendo agora”. Sim, assim como sobre as sequelas que a Covid-19 deixou em quem passou mais perto ou mais distante da morte e sobreviveu. Com apenas 37 anos e porte de atleta, o deputado já contraiu duas vezes a Covid-19. Espero que, desta vez, os impactos sejam mais brandos, pelo efeito da vacinação parcial. E que ele aproveite a reclusão para refletir melhor antes de espalhar desinformações.

O placar da comitiva

Com a baixa de do deputado Eduardo Bolsonaro, já são três, entre os 24 membros da comitiva especial do presidente da República que contraíram a Covid-19 na viagem a Nova Iorque para o discurso na abertura de 76ª Assembleia Geral das Nações Unidas, dia 21 de setembro.

Além do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, um funcionário enviado antes para preparar a recepção ao presidente também foi infectado. E não se sabe se este grupo saiu com o vírus do Brasil, contraiu no voo ou em solo americano (ou neutro, da ONU).

E o placar do 7 de Setembro?

Já a ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Teresa Cristina, que revelou nesta 6ª feira, 24 de setembro, estar com Covid-19, provavelmente se infectou nas manifestações do 7 de Setembro, onde participou dos palanques presidenciais em Brasília e em São Paulo. O advogado Geral da União, Bruno Bianco, que esteve nos palanques, também testou positivo.

Quantos casos mais a movimentação desenfreada, sem máscara e respeito ao Supremo Tribunal Federal e à Constituição, não espalhou pelo país? Os números de contágios e mortes tinham caído entre o fim de agosto e a primeira semana de setembro. Desde então, a curva voltou a subir.

Mais uma derrota do Brasil

Filho de mãe paraense (Belém), cresci apreciando a “castanha do Pará”. Com o tempo aprendi que a tal castanha não era especialidade da terra materna. Se espalhava por toda a Amazônia, incluindo os estados do Amazonas, Acre, Rondônia e o Norte de Mato Grosso.

Aos 71 anos descubro, com a realização dos “Diálogos pró Castanha da Amazônia, esta manhã, em Manaus, iniciativa do “Observatório Castanha-da-Amazônia”, que o Pará deixou de ser o maior produtor e que a Bolívia superou o Brasil na exportação mundial da castanha.

A Bolívia - assim como o Peru, a Colômbia e a Venezuela, que têm parte dos seus territórios no bioma Amazônia, bem como as antigas três Guianas - tomou a liderança do Brasil com 50% a 40% da exportação mundial da "castanha da Amazônia". Se serve de consolo, o maior comprador da Bolívia é o Brasil. Mas, assim como a jabuticaba não é exclusividade brasileira e floresce na Bolívia, Peru e Colômbia, a "castanha da Amazônia" não é nossa.

Todo cuidado é pouco

Em princípio, ainda temos o açaí. Mas todo cuidado é pouco. Malandros nos Estados Unidos e no Japão fizeram marca registrada da fruta, nativa das florestas tropicais do Pará, Maranhão, parte do Amapá e Piauí – e muito raramente ocorre no Amazonas.

Piauí, Maranhão e Pará têm outra exclusividade: o bacuri, fruto que produz um dos mais deliciosos sorvetes do Brasil (menos doce que o cupuaçu, mais conhecido, que também gera um derivado de chocolate).

Mas o avanço da devastação da floresta está pondo em risco a sobrevivência do bacuri e de muitas outras espécies da flora e da fauna brasileira.

Nomes trocados

Por falar em produtos exóticos, o IBGE divulgou dia 22 de setembro um extenso levantamento da produção agrícola em 2020. Em ordem decrescente, soja, milho, cana de açúcar, café, algodão, arroz, laranja, mandioca, feijão e banana são as 10 lavouras que mais movimentaram dinheiro no ano passado.

Mas há algumas curiosidades interessantes: o Côco da Bahia está longe de ter a maior produção no estado que lhe empresta o nome. Só o município baiano de Rodelas figura entre os 10 maiores produtores do Brasil. A liderança é de Moju (PA), com receita de R$ 138 milhões em 2020. O 2º da lista é o cearense Paraipaba, com menos da metade de faturamento. O Ceará tem outro município entre os Top 10. O Espírito Santo tem dois, assim como Sergipe e Pernambuco, onde a produção não se concentra no litoral, mas às margens do São Francisco, em Petrolina e Petrolândia.

O dendê, tão usado na culinária baiana, tem centro de produção no Pará, que emplacou 10 municípios entre os que mais faturam no Brasil (lá é chamado de palma, cujo óleo é muito valorizado).

A pimenta do reino, que tinha o Pará como grande produtor quando tive as primeiras aulas de geografia no fim dos anos 50, mudou-se de mala e cuia para o Espírito Santo, que emplaca sete municípios entre os 10 maiores produtores. O baiano Porto Seguro estava em 5º lugar e dois paraenses fecham a lista.

O Espírito Santo lidera a produção de mamão, sobretudo o Papaya, com seis municípios (incluindo os quatro primeiros, comandados por Pinheiros e Linhares). A Bahia surge em 5º, com São Félix do Coribe, município de 15 mil habitantes, e mais dois municípios do litoral. Mas Coribe está no Oeste do estado, área invadida pela soja e o algodão há duas décadas. O cearense Varjota completa o time dos mamoeiros.

A terra da uva é o São Francisco...

Uma das informações que mais chama a atenção é sobre o valor da produção de uva no Brasil. O senso comum diz que ela está concentrada na serra gaúcha, em Bento Gonçalves e Caxias do Sul, que é sede da Festa da Uva.

Mas nem toda a uva é usada na fabricação de vinho (que aumenta o valor da produção da viticultura). Por sinal, no RS, o maior produtor de uva é o município de Flores da Cunha (4º do Brasil), próximo a Caxias do Sul (10º). Bento é o 5º e o estado emplaca ainda o 9º lugar com Farroupilha também na região de Caxias do Sul.

O maior valor na produção de uvas no Brasil está concentrado nas cidades às margens do São Francisco, onde as lavouras irrigadas no clima seco do Nordeste chegam a produzir duas vezes por ano. A maior parte das uvas é para consumo “in natura”. O maior valor de produção vem de Petrolina (R$ 973 milhões em 2020), seguido do também pernambucano Lagoa Grande.

E o 3º lugar é de São Miguel Arcanjo (SP). O paulista Jundiaí também entra na lista dos 10 maiores faturamentos com uva do Brasil. Mas tenho amigos que até hoje não esquecem a dor de cabeça na Festa da Uva local...

A margem baiana do São Francisco emplaca o 4º lugar com Juazeiro e o 7º com Casa Nova. Vinícolas já produzem na região, mas o forte ainda é a produção de uvas de exportação (para os mercados do Sudeste ou da Europa).

...e da manga também

A irrigação das margens do São Francisco, que já tem mais de quatro décadas e promete revitalizar várias áreas do sertão do Nordeste com a transposição das águas do São Francisco (se a estiagem não atrapalhar), transformou a região na maior produtora de mangas, goiabas, mamões, melões e melancias.

A exportação (para o Sudeste e a Europa) faz o dinheiro circular por Petrolina (PE), líder na produção de mangas (R$ 364,5 milhões em 2020) e Juazeiro (BA, com R$ 323 milhões). Os dois estados dividem os seis primeiros lugares. O município paulista de Monte Alto surge em 7º. O pernambucano Santa Maria da Boa Vista vem em 8º, e os mineiros Matias Cardoso e Jaíba, também com irrigação do São Francisco, fecham a lista dos dez mais.

Jorge Amado teria de se inspirar no Pará

O “Ciclo do Cacau” fez a fama inicial da literatura do baiano Jorge Amado, nascido em Itabuna, em 1912. Após a estreia com “O País do Carnaval” (1931), Amado publicou “Cacau”, de 1933, que teve a sequência de “Suor” (1934), “Jubiabá” (1935), “Mar Morto” (1936). Jorge Amado encerrou o ciclo com o magnífico “Terras do Sem Fim” (1943) e “São Jorge de Ilhéus” (1944). Todos se passando no universo da cultura do cacau que fez a fortuna de algumas famílias no Sul da Bahia, nas redondezas de Ilhéus e Itabuna e se espalhou para o vizinho Espírito Santo. A má distribuição de renda e a disputa por terras eram o pano de fundo de uma atividade que prosperou na escravidão.

Com a “vassoura da bruxa”, praga que dizimou nos anos 90 mais de 75% dos cacaueiros plantados na Bahia no começo do século 19, o eixo da produção nacional se deslocou para a Amazônia, de onde é originário (com ocorrências na América Central e no México, onde os Astecas descobriram o chocolate).

Jorge Amado teria que se mudar para o Pará, a região que mais produz cacau hoje no Brasil, para se inspirar sobre o novo ciclo do cacau. As relações de trabalho mudaram muito. Mesmo com a mecanização, hoje usa-se um tipo disfarçado de trabalho escravo, antes concentrada 100% na mão de obra de cativos vindos da África.

A existência do cacau na Costa do Marfim e na Nigéria, por sinal, é resultado da avaria de um navio negreiro na região de Ilhéus. Enquanto o casco de madeira da embarcação era reparado em estaleiro local, os responsáveis pelo tráfego levaram de lastro vários frutos de cacau, cujas sementes foram plantadas nas duas nações africanas. Hoje, ao lado da Indonésia, são os maiores produtores de cacau. E passaram a fornecedores do Brasil.

O Pará emplaca 10 entre os 20 maiores municípios produtores do país, com liderança de Medicilândia e Brasil Novo. Se serve de consolo para os baianos, o maior produtor de cacau no Pará é o baiano Daniel Dantas, dono do Opportunity, que fez fortuna no mercado financeiro e tem algumas das maiores fazendas de gado e cacau no Leste do estado. O 3º da lista do IBGE é o município de Linhares, no norte do Espírito Santos.

Mas o guaraná é da Bahia

A Bahia pode se gabar de ser hoje o maior produtor de frutos do guaraná do Brasil. A cultura tem Maués, nas margens do Rio Amazonas, no mesmo estado que antes concentrava a produção, o centro da atividade, que gerou faturamento de R$ 9,5 milhões (os ganhos da indústria de refrigerantes são muito maiores). O valor da produção somada dos municípios baianos de Ituberá, Taperoá, Valença e Camamu, no Sul da Bahia, igualam a renda de Maués.

O guaraná foi introduzido na região justamente nas áreas onde o cacau foi dizimado pela “vassoura de bruxa”.

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