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Não apenas um dia

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A grande maioria dos países ocidentais, sem que falte a adesão de poucos orientais, guarda o oitavo dia de março para consagrá-lo em homenagem às mulheres; e em memória das que ousaram sacrificar a vida na defesa de seus direitos. Em alguns, a data passa como feriado; mas não apenas nesses, como no resto do mundo, é dever da sociedade refletir sobre o papel que elas desempenham, de forma cada vez mais acentuada, na marcha da civilização.

O que antes se restringia à dedicada prestação de serviços domésticos e nos deveres com os filhos, nos últimos tempos a população feminina, mais preparada e consciente sobre sua capacidade de aperfeiçoar a vida das populações, tem desempenhado relevante cota de responsabilidade nas relações humanas, na política, na ciência, nos esportes e na cultura. Rompendo com as limitações, muitas foram exceções, tornaram-se estadistas de talento, deixando a marca da firmeza na condução dos negócios públicos. Tanto que, se há século e meio os países não conheceram mais que 19 mulheres na presidência, hoje são muito mais frequentes nas rédeas do poder.

Porém, não seria justo que o 8 de março se restringisse às bem sucedidas na política ou na administração de grandes grupos empresariais; mesmo sem que a elas se neguem homenagens ao seu talento e imensa capacidade de remover poderosos preconceitos que persistem, embora alguns dos mais graves tenham sido superados. Então, é um dia oportuno para convocar a consciência coletiva a olhar para as outras mulheres que, além de jamais terem oportunidade de galgar os melhores degraus da vida, pior, pois ainda se veem obrigadas descê-los, num processo cruel de violência e humilhação.

Poderia alguém afirmar que tal desconsideração se dá apenas em países mais atrasados ou nos tradicionalistas radicais, onde são criadas para se tornarem serviçais e produtoras de proles. Mas a verdade tem sido apresentada com outras cores, mais sombrias, para contrastar com as tiveram e têm melhor sorte. Sim, não é preciso mergulhar em lugares tribais e atrasados para se deplorar, porque nas sociedades ditas civilizadas milhares de casos revelam, abundantemente, que a elas continuam sendo destinados tratamentos medievais, além de humilhações totalmente incompatíveis com a crescente aspiração de um mundo melhor, que precisa recusar, com vigor, hábitos dessa natureza.

Espantoso seria se alguém pretendesse eleger o Brasil como exceção na escala de violência contra a população feminina, pois, fazendo concessão à tolerância, estamos caminhando, passo firme, para ganhar destaque entre os que mais incidem na prática de brutalidades. Para acreditar nisso, basta a leitura diária dos jornais.

Sobre este dia, que certamente devia merecer prestígio no calendário civil, o que talvez esteja a merecer maior cuidado é a importante advertência, cada vez mais presente nas preocupações de educadores e sociólogos: as reações contra a violência de que é vítima a mulher deviam ser tratadas, entre os direitos da pessoa, já a partir dos bancos escolares do ensino médio. É quando uma geração começa a ganhar conhecimentos e discernimento, capaz de julgar o que é bom ou mau nas estruturas sociais. Talvez, com isso, os adolescentes de hoje possam contribuir para a construção de uma mentalidade em que a violência contra as brasileiras seja tomada como um horror, algo intolerável, sem cabimento.

Algum progresso nesse sentido, com toda certeza, poderia figurar na melhor entre todas as homenagens que a data sugere. Para que o 8 de março ganhe a dimensão que merece e confirme o histórico objetivo que pretendeu destacá-lo no calendário civil.