MEIO AMBIENTE

Empunhando facões e pinças, cientistas encharcados de suor contam carbono na Amazônia

O dióxido de carbono (CO2) é o gás de efeito estufa mais predominante, que retém calor na atmosfera terrestre. As árvores absorvem o dióxido de carbono da atmosfera e o armazenam como carbono, uma das maneiras mais baratas e fáceis de absorver os gases do efeito estufa.

Por Jake Spring

Publicado em 11/01/2021 às 10:18

Alterado em 11/01/2021 às 10:18

O professor de engenharia florestal Mateus Sanquetta observa Ilandio Pereira da Silva cortando uma árvore na Amazônia para medir seus níveis de carbono, em Itapua do Oeste, estado de Rondônia Foto: Reuters / Jake Spring

Os cientistas empunhando facões se aventuraram na Amazônia, abrindo caminho através da densa selva enquanto a temperatura do meio da manhã subia para mais de 100 graus Fahrenheit (38 C).

Encharcado de suor, o pequeno grupo de homens e mulheres serrou e arrancou galhos de árvores. Eles perfuraram o solo e espalharam tinta nos troncos das árvores.

Isso é vandalismo em nome da ciência.

Nas árvores a cerca de 90 km de Porto Velho, capital do estado de Rondônia, os pesquisadores brasileiros buscam saber quanto carbono pode ser armazenado em diferentes partes da maior floresta tropical do mundo, ajudando a remover emissões da atmosfera que fomentam as mudanças climáticas.

“É importante porque estamos perdendo florestas globalmente”, disse Carlos Roberto Sanquetta, professor de engenharia florestal da Universidade Federal do Paraná no Brasil.

“Precisamos entender qual é o papel que as florestas desempenham”, tanto na absorção de carbono quando são deixadas intactas quanto na liberação quando são destruídas.

Sanquetta liderou a expedição de pesquisa de uma semana em novembro, supervisionando uma equipe incluindo um botânico, agrônomo, biólogo e vários outros engenheiros florestais para coletar uma miríade de amostras de vegetação - viva e morta - para análise.

É um trabalho rigoroso e elaborado, muitas vezes em condições úmidas e infestadas de insetos, envolvendo motosserras, pás, saca-rolhas e pinças.

“Não são cientistas de avental apenas dando aula para as pessoas”, diz Raoni Rajão, que é especialista em gestão ambiental pela Universidade Federal de Minas Gerais e não está envolvido com a equipe de Sanquetta. “São pessoas trabalhadoras que sujam as mãos.”

ABORDAGEM HOLÍSTICA
A equipe brasileira é apenas um contingente entre centenas de pesquisadores que buscam medir o carbono no complexo e ambientalmente crucial ecossistema da floresta amazônica, que se espalha por mais de seis milhões de quilômetros quadrados em nove países.

Algumas pesquisas buscam apenas quantificar o carbono nas árvores, mas Sanquetta diz que a abordagem de sua equipe é holística, medindo o carbono na vegetação rasteira, no solo e em decomposição de matéria vegetal. Além disso, sua equipe está olhando além da floresta primária, examinando áreas reflorestadas para lançar uma nova luz sobre a quantidade de carbono que elas contêm - informações essenciais para incentivar os esforços de restauração.

O dióxido de carbono (CO2) é o gás de efeito estufa mais predominante, que retém calor na atmosfera terrestre. As árvores absorvem o dióxido de carbono da atmosfera e o armazenam como carbono, uma das maneiras mais baratas e fáceis de absorver os gases do efeito estufa.

O processo também funciona ao contrário, no entanto. Quando as árvores são cortadas ou queimadas - geralmente para dar lugar a fazendas ou pastagens - a madeira libera CO2 de volta à atmosfera.

“Cada vez que há desmatamento, é uma perda, uma emissão de gases do efeito estufa”, disse Sanquetta, que é membro do Painel Intergovernamental da ONU sobre Mudanças Climáticas, a maior autoridade mundial em ciência do clima.

Nas taxas de emissão atuais, as temperaturas globais devem subir cerca de 2,9 graus Celsius até 2100, de acordo com o consórcio sem fins lucrativos Climate Action Tracker, ultrapassando de longe o limite de 1,5 a 2 graus necessário para evitar mudanças catastróficas no planeta. A mudança climática eleva o nível do mar, intensifica desastres naturais e pode estimular a migração em massa de refugiados.

O desmatamento na Amazônia se acelerou durante a administração de Jair Bolsonaro. Desde que ele assumiu o cargo em 2019, pelo menos 825 milhões de toneladas de CO2 foram liberadas do desmatamento na Amazônia brasileira.

Isso é mais do que o emitido por todos os carros de passageiros dos EUA em um ano.

Em nota, o gabinete do vice-presidente Hamilton Mourão, que lidera a política do governo para a Amazônia, disse que o aumento do desmatamento é anterior ao atual governo e que o governo tem trabalhado sem parar para impedir a mineração destrutiva e o tráfico de madeira.

“Não alcançamos o grau de sucesso desejado, mas poderia ter sido pior”, afirma o comunicado.

Macaque in the trees
Vice-presidente Hamilton Mourão (Foto: Foto: Reuters/Adriano Machado)

MEDIÇÕES METICULOSAS
A chave para entender e enfrentar a ameaça climática é trazer mais precisão às medições de carbono em florestas em declínio.

“Todo mundo quer essa informação”, disse Alexis Bastos, coordenador de projetos da organização sem fins lucrativos Rioterra Study Center, entidade brasileira que fornece apoio financeiro e vários cientistas à equipe de Sanquetta.

Hoje, existem cientistas medindo o carbono florestal em quase todos os continentes.

Além da equipe de Sanquetta, por exemplo, a Amazon Forest Inventory Network com seus mais de 200 cientistas parceiros está tentando padronizar o carbono e outras medições, acumulando enormes quantidades de dados para “quantificar” a floresta.

O desafio é “há diferenças nas espécies na Amazônia. No Peru, no sudoeste da Guiana, não há praticamente nenhuma sobreposição de espécies, então são plantas completamente diferentes exatamente no mesmo clima”, disse Oliver Phillips, coordenador da rede e ecologista tropical da Universidade de Leeds, no Reino Unido.

Os parceiros da rede usam parâmetros precisos para capturar os principais reservatórios de carbono, inclusive em matéria de planta morta e solo. Por exemplo, se uma árvore está na borda de uma parte de terra, ela deve ser medida apenas se mais de 50% de suas raízes estiverem naquele local.

Nenhuma equipe poderia esperar obter amostras suficientes da vasta floresta tropical para uma contagem exata do carbono abrigado pela Amazônia. É também um alvo móvel: a floresta amazônica, que varia de selva emaranhada a espaços ribeirinhos mais abertos, está constantemente mudando, à medida que mais árvores são derrubadas enquanto os esforços de restauração estão se acelerando.

A equipe de Sanquetta iniciou sua atual linha de pesquisa em 2016, contando com o apoio da Rioterra, ela própria com financiamento da Petrobras. Na época, a Rioterra estava replantando áreas destruídas de floresta tropical e queria saber quanto carbono estava sendo sequestrado.

A Petrobras disse em um comunicado que vem trabalhando há anos para honrar seus compromissos de "responsabilidade social", o que, entre outras coisas, significa fornecer energia enquanto "supera os desafios da sustentabilidade".

Cada expedição de uma semana custa cerca de 200.000 reais ($ 36.915,35). Sanquetta disse que seu projeto não recebeu nenhum dinheiro diretamente da Petrobras.

Quando o financiamento da Petrobras acabou, a Rioterra encontrou apoio do Fundo Amazônia, apoiado pelos governos do Brasil, Noruega e Alemanha.

Descobertas preliminares indicam que o plantio de uma mistura de espécies amazônicas é mais eficaz no sequestro de carbono do que permitir que a área cresça naturalmente.

Mas as descobertas também sugerem que não há substituto para deixar as florestas intocadas: um hectare de floresta virgem de Rondônia contém em média 176 toneladas de carbono, de acordo com a análise de Sanquetta dos dados do Ministério da Ciência do Brasil. Em comparação, um hectare replantado de floresta após 10 anos contém cerca de 44 toneladas, e as fazendas de soja, uma média de apenas 2 toneladas.

CURANDO O PLANETA
Na selva, os membros da equipe de Sanquetta espantaram abelhas que enxameavam e sem ferrão, enquanto dissecavam um terreno de 10 por 20 metros que estava crescendo naturalmente há quase 10 anos, abandonado por um fazendeiro.

A equipe contou 19 árvores com troncos medindo pelo menos 15 centímetros de circunferência, um limite acima do qual as árvores geralmente retêm muito mais carbono. Edilson Consuello de Oliveira, um botânico de 64 anos do vizinho Acre, enrolou uma fita métrica em um deles.

“Bellucia!” ele gritou, identificando Bellucia grossularioides, uma árvore frutífera que é uma das que crescem mais rápido. Ele recitou as medições, enquanto outro cientista as rabiscou.

Um biólogo pregou marcadores numéricos em troncos de árvores. Enquanto isso, alguns no grupo estavam cortando uma árvore com uma serra elétrica, tendo-a selecionado para “autópsia”. O tronco tosado foi cortado em pedaços, as folhas retiradas e ensacadas, e o toco desenterrado e pesado em uma balança pendurada amarrada em galhos.

“É destrutivo, mas só o fazemos em algumas árvores”, disse Sanquetta.

Outro grupo enfiou no solo um saca-rolhas de metal motorizado de 1 metro e puxou a terra de quatro profundidades diferentes. Outros mediram a largura das plantas em decomposição com compassos de calibre e recolheram os detritos do solo.

As amostras foram levadas de volta ao laboratório, onde a equipe as secou e pesou, antes de incinerá-las em uma câmara de combustão seca que permite medir quanto carbono está contido.

A equipe mediu 20 parcelas durante uma semana de trabalho em novembro. A meta final é de 100 lotes até o final deste ano.

O trabalho oferece “uma forma de medir a saúde do planeta”, disse Rajão, mas também “a rapidez com que o planeta pode ser curado”.(com agência Reuters)