ARTIGOS
Apenas um amontoado?
Por TARCISIO PADILHA JUNIOR, [email protected]
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Publicado em 17/02/2021 às 13:02

Que raízes se agarram, que ramos se entrelaçam
Nestes destroços pedregosos ? Filho do homem,
Não poderás dizê-lo, pois conheces apenas
Um amontoado de imagens quebradas.
T. S. Eliot (1922)
(trad. de Paulo Mendes Campos)
.
A visão cartesiana de reduzir fenômenos complexos a componentes básicos, de buscar mecanismos pelos quais os componentes interagem, tornou-se tão profundamente enraizada em nossa cultura que conceitos ou ideias que não se ajustavam a ela foram menosprezados. Daí processos de produção dissiparem parte dos recursos da economia em atividades improdutivas.
Custos de atividades improdutivas (manutenção de tecnologias complexas, administração de vastas burocracias, controle da criminalidade, etc.) absorvem parcela crescente do PIB. Num meio ambiente finito, tem de existir equilíbrio dinâmico. entre crescimento e declínio: ao invés de expandir cidades em grandes centros urbanos, descentralizar populações; em vez de sistematicamente desenvolver tecnologias que afetam o ambiente de forma ignorada, de fato criar tecnologias adequadas à aplicação regional por indivíduos e pequenos grupos.
Como tecnologia tem sido considerada indicador decisivo do atual estágio de desenvolvimento econômico, uma desenfreada luta vem sendo travada no sentido de supervalorizá-la. Aprisionados na busca de justificativas racionais sobre viver de expectativa acerca do que deve ocorrer, com esperança de ter certezas, não entendemos a matriz relacional de nossa existência.
Vivemos numa cultura de opostos, a guerra e a paz, o bem e o mal, o obscuro e o luminoso; uma cultura que ocorre como eterno fluir de uma trama de fazeres, relações e sentires. Numa cultura que nos convida a aceitar sem reflexão que vivemos numa realidade independente de nós, apenas a consciência de vivermos um mundo de realidades possíveis pode ultrapassá-la.
É todo o plano concreto da existência que se encontra profundamente afetado. O cenário tecnológico atinge antigas representações que sustentavam grandes edifícios da cultura. Daí hoje a relativização mais radical de todas as crenças e de todos os valores. Daí o modo de existência de cada indivíduo encontrar-se ao mesmo tempo em todo lugar e em parte alguma.
Apenas pelo conteúdo de uma cultura a existência eleva-se acima da ordem dos fatos ou formas de vida. É a cultura que nos confere um lugar onde possamos nos sentir ´em casa`.
Engenheiro, é autor de "Por Inteiro" (Editora Multifoco, 2019)