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The Economist: EUA fazem ao Brasil maior ataque pós-Guerra Fria e Trump colhe efeito contrário
Por JB INTERNACIONAL
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Publicado em 25/07/2025 às 17:06
Alterado em 25/07/2025 às 17:06

Por The Economist - Raramente, desde o fim da Guerra Fria, os Estados Unidos interferiram tão profundamente em um país latino-americano. Em 9 de julho, o presidente Donald Trump prometeu tarifas de 50% sobre as exportações brasileiras, citando uma “caça às bruxas” contra o ex-presidente de extrema direita Jair Bolsonaro (PL), que em breve será julgado por supostamente planejar um golpe, acusação que ele nega.
Em 15 de julho, Jamieson Greer, representante comercial dos Estados Unidos, começou a investigar as práticas comerciais do Brasil. Em 18 de julho, o Departamento de Estado dos EUA revogou os vistos da maioria dos juízes da Suprema Corte brasileira e de outras autoridades ligadas ao processo contra Bolsonaro.
O secretário de Estado, Marco Rubio, disse que quer usar a Lei Magnitsky Global para impor sanções ao ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, um proeminente juiz, uma ação normalmente reservada a ditadores e senhores da guerra.
Trump e o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, são inimigos ideológicos, e os aliados de Trump há muito tempo criticam uma investigação liderada por Moraes sobre desinformação online. No entanto, o gatilho para o ataque de Trump parece ter sido a cúpula do BRICS, um grupo de países emergentes, que o Brasil sediou nos dias 6 e 7 de julho.
Lula, como o presidente é conhecido, chamou as ameaças de “chantagem inaceitável” e um ataque à soberania do Brasil. Ele também ameaçou começar a tributar empresas de tecnologia americanas. O Congresso brasileiro, controlado por partidos de direita, se uniu em torno de Lula e está considerando tarifas retaliatórias.
Mas Lula reservou seu veneno para Bolsonaro e seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL), um congressista que se afastou do cargo em março e se mudou para o Texas, onde tem feito lobby junto a congressistas republicanos para que imponham sanções a Moraes. Lula os chamou de “traidores”.
“Que eles tenham vergonha, se escondam em sua covardia e deixem este país viver em paz!”, disse ele em um comício em 17 de julho. Em vez de refutar a acusação, Eduardo se gaba de seu acesso à Casa Branca. Depois que o visto de Moraes foi revogado, ele postou no X: “Não posso ver meu pai e agora há autoridades brasileiras que também não poderão ver suas famílias nos Estados Unidos!”
O poderoso Supremo Tribunal Federal do Brasil também reagiu agressivamente. Em 18 de julho, Moraes ordenou a Bolsonaro o uso de uma tornozeleira eletrônica, recolhimento domiciliar durante as noites e fins de semana e proibiu-o de falar com autoridades estrangeiras ou dar entrevistas. Em 19 de julho, Moraes congelou os bens de Eduardo como parte de uma investigação para apurar se seus esforços de lobby são uma tentativa de obstruir o processo contra seu pai.
Se o objetivo era atrair a ira de Trump para fortalecer a direita brasileira antes das eleições gerais do ano que vem, o plano está saindo pela culatra. Brasileiros de todas as tendências estão apoiando Lula. Bonecos de Trump foram queimados nas ruas. A popularidade de Lula, que estava em baixa, subiu. Ele agora lidera a lista de candidatos potenciais para a corrida eleitoral do ano que vem.
As tarifas de Trump também deram a Lula um “incrível cartão para sair da prisão”, diz Andre Pagliarini, do Washington Brazil Office. “Qualquer que seja o impacto econômico que o Brasil venha a sofrer entre agora e as eleições, o governo pode apontar com credibilidade as tarifas de Trump como a causa, seja isso verdade ou não.”
Na verdade, as tarifas podem causar prejuízos para Bolsonaro e seus aliados de direita. Apenas 13% das exportações brasileiras vão para os Estados Unidos, no valor de US$ 43 bilhões por ano (cerca de 28% vão para a China, uma participação que provavelmente crescerá se as tarifas de Trump forem aprovadas).
O banco Goldman Sachs estima que as tarifas podem reduzir o crescimento em 0,4 ponto porcentual, para cerca de 2% este ano. No entanto, o impacto provavelmente recairá de forma desproporcional sobre as empresas sediadas em regiões que são redutos de Bolsonaro. Mais de um terço dos grãos de café não torrados importados pelos Estados Unidos vêm do Brasil. A grande maioria do suco de laranja importado também vem do Brasil. As importações de carne bovina estão crescendo rapidamente.
Economistas da Universidade Federal de Minas Gerais estimam que cerca de 110 mil brasileiros perderão seus empregos se as tarifas entrarem em vigor, principalmente na agricultura. É revelador que a confederação nacional dos agricultores do Brasil, geralmente uma defensora ferrenha de Bolsonaro, tenha condenado a “natureza política” das tarifas de Trump. Até mesmo Bolsonaro tentou se distanciar. Ele diz que as tarifas “não têm nada a ver conosco”.
Os brasileiros estão particularmente irritados com a ideia de que o governo Trump possa ir atrás do Pix, o popular sistema de pagamentos instantâneos lançado pelo Banco Central em 2020. Isso não foi ameaçado explicitamente, mas Greer incluiu “serviços de pagamento eletrônico” em uma lista de práticas brasileiras que seu escritório considera “irracionais ou discriminatórias” para as empresas americanas.
“A ideia de que o Pix representa uma prática comercial desleal contra os EUA é infundada”, diz Ralf Germer, da PagBrasil, uma das principais processadoras de pagamentos do Brasil. O Pix estimulou a concorrência no setor bancário brasileiro, antes antiquado, oferecendo uma infraestrutura de baixo custo pela qual empresas iniciantes podem facilmente fornecer serviços financeiros. Essa concorrência aumentada também prejudicou empresas americanas de pagamentos como Visa e Mastercard.
As reclamações sobre práticas comerciais injustas têm mérito. O Brasil é uma das economias mais fechadas do mundo, com 86% das importações enfrentando barreiras não tarifárias (assim como 77% das importações para os Estados Unidos e 72% das importações globais). A indústria nacional recebe infinitos subsídios do governo federal e local. Mas se essa é a verdadeira preocupação de Trump, ele não disse isso. O governo brasileiro vem tentando entrar em contato com a Casa Branca desde maio para negociar um acordo comercial, mas seus apelos têm sido ignorados.
Apenas Eduardo Bolsonaro, ao que parece, tem a atenção do Sr. Trump. “Trump é alguém que admiro, alguém que respeito, alguém que quero conhecer melhor para que, quem sabe, talvez no futuro, se eu tiver poder, possa seguir seus passos no Brasil”, diz ele, falando por videochamada de seu escritório no Texas, que é decorado com bonés MAGA (Make America Great Again) e crucifixos.
Lula parece revigorado pela rivalidade. Ele agora usa um boné azul com os dizeres “O Brasil é dos brasileiros”. Mas um ex-diplomata brasileiro diz que os assessores de Lula temem que o impulso não dure. Se as tarifas entrarem em vigor e a economia entrar em crise, Lula terá dificuldade em atribuir toda a culpa a Bolsonaro. A questão é qual dos dois septuagenários recuará primeiro: o impetuoso Trump ou o obstinado Lula.