O desmonte do setor ambiental brasileiro promovido pelo atual governo tem mobilizado vários segmentos da sociedade. No mês passado conseguiu reunir oito ex-ministros do Meio Ambiente que assinaram uma carta protesto. Neste fim de semana mais de 200 artistas assinaram uma carta ao Ministério Público Federal com o mesmo objetivo.
O grupo reúne nomes de diferentes espectros políticos, inclusive alguns que apoiaram a eleição de Jair Bolsonaro e pelo menos uma, Maitê Proença, que até chegou a ser cogitada para ocupar o cargo entregue ao antiministro Ricardo Salles. Assinam, entre eles, Lázaro Ramos, Taís Araújo, Dira Paes, Marcelo Adnet, Glória Pires, José Loreto, Aline Morais, Marcos Palmeira e Malu Mader.
O texto aborda o enfraquecimento dos conselhos na área ambiental. As tentativas de flexibilização do Código Florestal e a liberação sem precedentes dos agrotóxicos. Os atores Mateus Solano, Sérgio Marone, Jacqueline Sato, Thaila Ayala e a empresária Fe Cortez entregaram a carta manifesto à Procuradora-Geral da República (PGR), Rachel Dodge.
Texto da carta na íntegra:
Excelentíssima Senhora Procuradora Geral da República
Raquel Elias Ferreira Dodge
Senhora Procuradora,
O Brasil é um país com uma natureza singular. Somos o mais rico em biodiversidade do mundo. Só para citar alguns exemplos, em nosso país podem ser encontrados quase um quarto de todos os peixes de água doce do mundo, além de 16% das aves e 12% dos mamíferos. Cerca de 20% de todas as formas de animais e plantas conhecidas são registradas no Brasil. O Brasil possui mais de 55% de cobertura vegetal nativa e 15% da água doce do planeta.
O potencial para o descobrimento de novos compostos e moléculas oriundas da nossa fantástica biodiversidade está ainda por ser entendido e devidamente explorado, e por tudo isso somos imensamente privilegiados quando comparados a outros países do mundo.
No entanto, esse patrimônio nunca esteve tão ameaçado.
Diversas medidas empreendidas recentemente colocam em risco nossa biodiversidade, nossa cultura, a saúde e o bem-estar das pessoas, dentre as quais destacamos:
1.Ameaça às áreas protegidas: mudanças no Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), com propostas que incluem desde a anistia ao desmatamento em áreas de preservação permanente até a extinção das reservas legais, e no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei nº 9.985/2000) que vão de mudanças no rito de criação das UCs até a revisão dos limites de áreas de relevante importância para a biodiversidade e socio diversidade.
2.Proteção e demarcação dos territórios indígenas: a interrupção no processo demarcatório e a abertura de territórios indígenas já demarcados a atividades econômicas com alto poder de impacto ambiental como a mineração coloca em situação de risco e vulnerabilidade diversos povos indígenas
3.Licenciamento ambiental: a flexibilização do licenciamento ambiental sem discussão adequada com a sociedade civil, liberando atividades com alto potencial poluidor de maneira irresponsável e sem controle, pode ter como consequência um aumento no número de tragédias como as que aconteceram em Mariana e Brumadinho.
4.Extinção dos conselhos: a participação da sociedade civil na gestão ambiental é uma das grandes conquistas da democracia brasileira. A extinção dos conselhos representa um retrocesso sem precedentes na política brasileira e cala a voz de grupos minoritários e vulneráveis.
5.Controle do desmatamento: a flexibilização na fiscalização, o enfraquecimento dos órgãos ambientais e ameaças na legislação de proteção das florestas brasileiras colocam em risco a Floresta Amazônica, o Cerrado e a Mata Atlântica. Não podemos mais aceitar qualquer hectare de floresta sendo desmatado ilegalmente.
6.Liberação de agrotóxicos: o ritmo de liberação de agrotóxicos em 2019 não tem precedentes na história – foram 169 produtos liberados até maio sendo 48% deles classificados como alta ou extremamente tóxico e 25% não permitidos na União Europeia. É uma quantidade muito grande de veneno na lavoura e que faz com que o brasileiro seja recordista mundial no consumo. O Brasil tem potencial para ser líder na agricultura orgânica e biológica, mas os incentivos, infelizmente, não existem na mesma proporção em que beneficiam a indústria do veneno.
Em face dessas informações, urgimos ao Ministério Público, em sua missão constitucional de defesa dos direitos e bens coletivos e difusos e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, que esteja atento a tais ameaças. Urgimos por ajuda para preservar a vida no Brasil. Nossa, dos seres humanos, e dos seres que compartilham esse planeta conosco.
Pedimos a garantia do que estabelece o artigo 225 da Constituição Federal, ou seja, de que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Estamos certos que nesse momento de extrema incerteza e de ameaça ao meio ambiente o Ministério Público não nos faltará e continuará a exercer de maneira assertiva e vigilante seu papel.