NAS QUADRAS
ENTREVISTA EXCLUSIVA - Gustavo de Conti: ‘Essa despedida me dá combustível para voltar e ganhar tudo de novo’
Por PEDRO RODRIGUES
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Publicado em 13/07/2025 às 10:48
Alterado em 13/07/2025 às 10:56

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Com uma carreira marcada por títulos e intensidade à beira da quadra, Gustavo de Conti - o Gustavinho - coleciona feitos impressionantes no basquete nacional. Eleito quatro vezes Técnico do Ano, tricampeão do NBB, vencedor da Champions League das Américas (BCLA), campeão mundial Interclubes e três vezes campeão do Super 8. Só pelo Flamengo, foram 14 títulos de expressão em seis anos e meio, com 22 finais disputadas e 25 pódios em 26 campeonatos.
Além disso, entre setembro de 2021 e abril de 2024, comandou a seleção brasileira masculina de basquete. Na entrevista exclusiva a seguir, concedida à coluna Nas Quadras, Gustavinho fala sobre esse momento de pausa, a competitividade no NBB e a passagem pelo Flamengo.
Momento atual
NAS QUADRAS - Foi difícil montar o seu currículo, viu? Páginas e páginas...
Gustavo de Conti – [Risos] Ainda bem, né? Mas é muito trabalho, cara. Comecei minha trajetória como treinador lá em 1997, no Ipiranga, em São Paulo. Foram 12 anos nas categorias de base, da escolinha até o sub-19. Depois, mais uns oito ou nove anos como assistente técnico. Nesse meio tempo, dei aula de educação física durante dez anos em uma escola. Apesar de ter só 45 anos, já tem uma estrada longa aí...
E hoje, como está esse momento pós-Flamengo? Depois de mais de duas décadas emendando clube e seleção, você conseguiu desacelerar?
Sim. Desde 2004, estou trabalhando com os times adultos, e depois, emendando com a seleção, foram 22, 23 anos seguidos de trabalho. Quase não dava tempo de parar pra pensar ou ficar com a família. Para você ver, meu filho nasceu, está com um ano e meio, e eu vi o parto por vídeo - estava no Uruguai.
Agora, com essa pausa após o Flamengo, tenho conseguido curtir mais a família, viajar, conversar, refletir. Está sendo uma etapa legal da minha vida pessoal.
Competitividade no NBB
Hoje o NBB tem três clubes com os maiores investimentos: Flamengo, Franca e Minas. Franca, inclusive, vive uma dinastia recente. Mas será que ainda dá para sonhar com um trabalho autoral, como foi o Paulistano de 2017/2018, e vencer?
Com certeza. Eu não tenho dúvida. O nível do NBB está muito parecido entre as equipes. O jogo hoje é muito físico, os espaços diminuíram, e isso faz da estratégia, da tática e da condição atlética pontos ainda mais determinantes.
Se você olhar os últimos playoffs, o Franca foi campeão passando por Minas, Flamengo e Pinheiros. E esse confronto contra o Pinheiros, por exemplo, foi decidido no quinto jogo. O Pinheiros venceu duas partidas e quase eliminou o campeão. Então, com projetos bem elaborados, dá, sim, para desafiar os favoritos.
Bola de 3
Agora vou me aventurar um pouco no campo tático. Seus times geralmente envolvem movimentação constante, trocas e controle de rebotes. Mas hoje, com a paridade crescente entre os clubes e o aumento da fisicalidade, o perímetro se tornou uma arma essencial.
Dito isso, te incomoda essa crítica recorrente de que seu ataque depende exclusivamente do arremesso de três, quando os números mostram que não é bem assim?
Pedro, sendo bem direto: não me incomoda em nada. Zero. Com todo o respeito a quem critica, especialmente nas redes sociais – Twitter, Instagram, etc. –, esse tipo de comentário simplesmente não me afeta porque ele não se sustenta na realidade.
Eu jogo e estudo basquete desde os sete anos. Se essa crítica fosse verdadeira, tudo bem, eu até aceitaria. Mas se você olhar os últimos três anos, minhas equipes estiveram entre as que menos arremessaram de três pontos no NBB. O Flamengo era, em média, o oitavo ou nono em tentativas. É só conferir os dados.
Infelizmente, muita gente critica sem se dar ao trabalho de olhar as estatísticas. E aí, pela repetição, aquilo vira “verdade” nas redes. Mas não é. E o mais curioso é que eu gostaria, sim, que meu time arremessasse mais de três. Sempre incentivei isso. Se o jogador está com espaço e confiante, tem que chutar. Porque o jogo hoje é muito sobre isso.
Não é só isso, claro. Basquete não se resume à linha dos três pontos. Mas é um fator importantíssimo, e isso está mais do que comprovado por estudos, análises estatísticas, por toda a base matemática que inclusive sustenta decisões em franquias da NBA.
Essas críticas, quando são mal informadas, não me atingem. O problema é que, nas redes, se você repete algo o suficiente, vira senso comum – mesmo que os números provem o contrário.
E pra reforçar: aquele Paulistano vice-campeão e depois campeão, em 2017 e 2018, foi talvez o primeiro time no Brasil a vencer com uma identidade clara de jogo rápido, arremessos de três e intensidade nos rebotes. Acho que isso ficou tão marcado que colou em mim. E aí, quando a bola de três não cai, vem o rótulo automático: “o time do Gustavo só sabe jogar assim”.
Diziam isso também da seleção. “Ah, a seleção do Gustavinho só chuta de três.” Mas na Copa do Mundo, o Brasil foi a terceira equipe que menos arremessou de três pontos na competição. Então, é isso: pode criticar, deve criticar – isso faz parte do crescimento. Mas precisa ter mínimo de fundamento.
Se alguém dissesse: “O time do Gustavo arremessa pouco de três, não vai ganhar assim”, eu entenderia. Mas inventar uma realidade que os dados desmentem não dá pra aceitar.
Flamengo
Vamos falar um pouco do Flamengo. Você chega em 2019 como o melhor técnico do Brasil e conquista um NBB dificílimo. Naquele campeonato, o elenco era bastante mesclado: tinha astros como Varejão, Olivinha e Marquinhos, e talentos como Jonathan Luz, Nesbitt e Balbi. Como foi, para você, ganhar aquele título com um grupo tão heterogêneo e conseguir manter todos motivados?
Foi um título fundamental, Pedro. A expectativa era enorme. O Flamengo vinha de duas temporadas sem chegar à final: uma caindo nas quartas de final, outra na semifinal, se não me engano, perdendo para o Mogi. A pressão era muito grande. E eu vinha de um clube completamente diferente, o Paulistano, que tem muito menos torcida, menos visibilidade, menos investimento, e com um elenco formado majoritariamente por jovens em formação.
A dúvida que pairava era: “Como o Gustavinho vai lidar com grandes estrelas?” Tinha muita gente se perguntando se eu daria conta. E isso, por si só, já dava um peso enorme à temporada. Para complicar ainda mais, logo no começo, fomos eliminados na Liga Sul-Americana, num jogo na Arena HSBC, aqui na Barra. Isso aumentou ainda mais a cobrança.
Mas conseguimos reagir, crescer durante a temporada e vencer um título importante em Franca, o que tornou tudo ainda mais especial. A forma como os jogadores me receberam foi decisiva. Os veteranos – Olivinha, Anderson, Marquinhos – me acolheram de forma excelente, me deram muito suporte, assim como os mais jovens. O grupo comprou a ideia, e isso fez toda a diferença naquele primeiro ano de Flamengo.
Ainda sobre Flamengo... A gente acompanhou sua trajetória e viu a construção de diversos elencos. Esse último time, especificamente, parecia muito ligado a você. Jogadores como o Gui Deodato, o Alexei Borges, o Shaq Johnson Sr e Ruan MIrando. Esse elenco foi o mais com a sua personalidade intensa e competitiva?
O Fernando Pereira, nosso assistente técnico, falou no início da temporada: “Esse é o melhor time que já montamos no Flamengo”. E quando a gente diz “melhor”, não quer dizer que os outros foram ruins. Os outros elencos também foram excelentes. Aquele primeiro time com o Balbi no auge, Olivinha, Varejão, Nesbitt, Derek... era fortíssimo. Depois, o time com Iago, Martínez, Olivinha e Hettsheimeir, que ganhou tudo. Mas talvez esse último elenco tenha sido o mais completo. Dez dias antes da minha saída, estávamos liderando a Champions e tínhamos vencido o Super 8 contra o Minas — invicto em casa até então e favorito ao título. Era um time de chegada. Quando o jogo exigia, ele respondia. Tecnicamente, se não foi o melhor, foi certamente um dos mais completos.
O futuro
E o futuro, Gustavinho? Você tem algo planejado? Existe a possibilidade de finalmente trabalhar fora do país? Há alguma coisa em vista que você possa compartilhar?
Esse momento, pra mim, pessoalmente, é um pouco mais delicado. Eu tinha contrato com o Flamengo até meados de 2026, e minha família toda se planejou para ficar no Rio de Janeiro até essa data. Minha esposa tem os compromissos dela, meus filhos e minhas filhas também. Então, essa ruptura com o clube me pegou de surpresa — até porque tínhamos acabado de renovar o contrato. A demissão realmente não era algo que eu esperava. Mas os compromissos da minha família continuam no Rio. Por isso, mesmo com algumas propostas do exterior — e aqui vale dizer que não recebi nenhuma proposta concreta de clubes brasileiros, apenas sondagens —, eu acabei recusando. Uma delas era até interessante esportivamente, mas não fazia sentido nesse momento. Estou priorizando a vida pessoal agora. Recentemente estive nos Estados Unidos por uma semana, fazendo contatos, participando de cursos, conversando com gente do meio. Pretendo seguir nesse caminho de capacitação por enquanto, enquanto me preparo para os próximos desafios.
Mas dá pra sentir que existe ainda aquela vontade, né? Aquela faísca de “quero voltar e ganhar tudo de novo”?
Com certeza. Você me conhece. Essa vontade está sempre acesa. Principalmente porque a maneira como tudo se encerrou no Flamengo foi muito significativa pra mim. Quando fui comunicado da decisão pelo Marcos Vinícius (Simões Freire, diretor de esportes Olímpicos do Rubro-Negro), disseram que eu poderia me despedir dos atletas. Eles estavam no horário do treino, mas tinham me esperado. Fui até a quadra, conversei com eles, alguns também falaram algumas palavras, e foi um momento muito emocionante. Apesar de não parecer, eu sou um cara emotivo, e depois de quase sete anos juntos, aquilo mexeu muito comigo. Quando saí da quadra, eles já estavam sentados se trocando, e todos se levantaram e começaram a bater palmas. Isso ficou marcado em mim. Quando ouço críticas dizendo que eu não me dava bem com jogador X ou Y, eu penso nessa cena. Não sou padrinho de casamento de nenhum deles, nem dos filhos, mas temos uma relação de respeito, até de amizade. Já jantamos juntos, visitamos as casas uns dos outros. Claro que houve atritos — é natural em qualquer ambiente competitivo. Eu exerço um cargo de liderança, preciso cobrar, assim como sou cobrado por quem está acima de mim. Mas essa despedida foi um momento simbólico que me dá combustível para querer voltar e repetir tudo de novo.