EXTRACAMPO
Cuca, Robinho e os estupradores que viram heróis
Por GABRIEL MANSUR
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Publicado em 21/04/2023 às 16:48
Alterado em 21/04/2023 às 16:48
A essa hora, o doutor Sócrates se revira no túmulo do Cemitério Bom Pastor, em Ribeirão Preto, com o acerto de Alexi Stival, o Cuca, com o Corinthians.
O mesmo Sócrates que liderou a democracia corinthiana e ousava falar de política num recorte em que condenar publicamente torturadores é cabível de punição - vide torcedores antifascistas do Flamengo que vêm sendo monitorados por tornozeleiras eletrônicas após erguerem uma faixa em protesto contra a ditadura militar - (in)felizmente não está vivo para assistir ao presidente Duilio Alves ignorar toda uma história centenária da instituição (que não tem culpa no cartório) e passar pano para um criminoso CONDENADO por estupro de vulnerável há mais de 30 anos.
Em 1987, durante uma excursão comemorativa do tricampeão gaúcho Grêmio pela Suíça, o então zagueiro reserva Cuca, assim como os companheiros Henrique, Fernando e Eduardo, foi acusado de estuprar uma menina de apenas 13 anos e ficou preso no país europeu por 28 dias. Em 1989, o quarteto foi condenado pela justiça local, mas cumpriu a pena em liberdade. Até 2021, quando o crime prescreveu, Cuca estava proibido de pisar em solo suíço, mas mesmo assim nunca deixou de ser bem-vindo nos clubes brasileiros.
Por aqui, o machismo é orgulhoso a ponto dos estupradores terem sido recepcionados por uma multidão de "cúmplices" no aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre. Numa cena digna de aparecer no filme Dogville (2003), do cineasta dinamarquês Lars Von Trier. Só que, em vez de alegoria sinistra da crueldade, tratava-se da vida real.
Cuca reforça a cultura do estupro no Brasil, mas ele não faz isso sozinho. Do lado de cá, juízes da internet fazem vista grossa para defender o indefensável; a apologia ao crime é capaz até mesmo de eleger um presidente da República.
Em 2003, o então deputado federal Jair Bolsonaro, numa atitude covarde, acuou a deputada Maria do Rosário na saída da Câmara antes de se desfazer da crueldade do estupro: "Eu não te estupro porque você não merece", bradou em tom de voz elevado.
A jornalistas, ele reforçou que a adversária política não merecia ser estuprada porque ele a considerava “muito feia” e porque ela “não faz” seu “tipo”. Quer dizer que, se Maria encaixasse no padrão de beleza de Bolsonaro, poderia ser estuprada? Anos mais tarde, Bolsonaro marchava em direção ao Palácio do Planalto, mas isso é assunto para outro dia.
Bolsonaro não é o único assediador no meio político. E Cuca também não é o primeiro do futebol. A alguns quilômetros de Itaquera, o goleiro Jean retornava ao Morumbi, como jogador do Cerro Porteño-PAR, quatro anos após ser 'chutado' do São Paulo por agredir sua esposa. É a dor das mulheres silenciada em troca de alguns contos de réis.
E por falar em São Paulo, o meia Pedrinho tem treinado com o grupo após xingar e ameaçar sua ex-namorada de morte em prints de conversas obtidas por meio de um inquérito policial. O clube tenta se resguardar juridicamente, baseado no artigo 5º da Constituição Federal (ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado), mas o jogador está vetado dos jogos. Enfim, "treino é treino, jogo é jogo".
Trata-se do futebol "levando os bandidos para casa", como gostam de vociferar os reacionários e pseudoconservadores. Cuca, Jean e Pedrinho são os casos isolados de número 19829383. Daniel Alves é exceção. Robinho, "situação estarrecedora". E sem falar em Danilinho, Jobson e quantos outros que não saem na mídia??
Aliás, nem mesmo os casos mais midiáticos são unanimemente condenáveis. O goleiro Bruno, campeão brasileiro pelo Flamengo, segue sendo contratado para jogar bola mesmo após a condenação de 22 anos de prisão por homicídio triplamente qualificado, sequestro, cárcere privado e ocultação de cadáver de Eliza Samudio. Desde que deixou a cadeia pela primeira vez, em 2017, Bruno já rodou por sete clubes.
Atualmente, ele está vinculado ao time de várzea Orion FC, do bairro Jardim Noronha, na Zona Sul da cidade de São Paulo. Não que este autor seja contra a ressocialização de um condenado, mas o futebol é um esporte de massa, que provoca idolatria. Imagina ter uma filha ou qualquer parente assassinado e ouvir milhares de pessoas celebrando o assassino.
O mesmo povo que afaga os estupradores, apedreja as estupradas. É o caso da atriz Klara Castanho, que mesmo forçada a expor seus traumas nas redes sociais, é desacreditada por quem “condena” entre aspas a violência contra mulher.
Brasil sil sil sil: o país do futebol e onde estupradores viram heróis.