ECONOMIA

China toma dianteira em testes de moeda digital e pode comprometer hegemonia do dólar

Cidades chinesas começaram a testar o novo yuan digital distribuindo envelopes vermelhos cheios de dinheiro eletrônico, no valor de 200 yuanes (equivalente a US$ 31) cada, para dar boas-vindas ao Ano Novo chinês

Por Jornal do Brasil
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Publicado em 19/02/2021 às 10:07

Símbolo do yuan digital em balcão de loja de shopping em Pequim Foto: Reuters / Florence Lo

Os testes em andamento em algumas cidades da China com seu e-yuan, no início deste mês, podem servir de modelo na instituição de padrões técnicos para moedas digitais ao redor do globo, e para desafiar a hegemonia do dólar no comércio mundial. Isto também pode representar uma ameaça para aqueles que temem um maior controle estatal sobre as finanças individuais, de acordo com reportagem do Financial Times.

Com a criação de um sistema doméstico estatal de pagamentos eletrônicos, que a China planeja ter pronto a tempo para os Jogos Olímpicos de 2022, Pequim tem planos ambiciosos de usar o e-yuan também para acordos internacionais, inclusive como alternativa para o dólar americano.

"Nosso objetivo maior é desafiar a hegemonia do dólar americano nos acordos comerciais internacionais", disse o diretor de um banco estatal chinês não identificado. "Mas o progresso nesse sentido será apenas gradual", admitiu o banqueiro.

Ferramenta potencial de controle do Estado?
O artigo detalha que o impulso da China na direção de uma moeda digital reconhecida e regulamentada pelo Banco Popular chinês difere de projetos semelhantes de outros países, pois seus objetivos incluem fortalecer o controle do Partido Comunista sobre a sociedade e a economia, com a tecnologia "parcialmente projetada para reforçar o Estado de vigilância".

Embora o e-yuan difira por princípio das criptomoedas não reconhecidas pelo Estado como o bitcoin, que, diga-se de passagem, continua registrando alta recorde semana após semana, o jornal não esclarece como a moeda eletrônica chinesa seria diferente das dezenas de outras moedas eletrônicas, em uso por outros países e regulamentadas por seus bancos centrais.

A principal característica do bitcoin, ou de criptomoedas semelhantes, é ser marginal, sem regulamentação advinda de um banco central. Já as criptomoedas nacionais, sejam elas o e-yuan, um dólar digital, um euro digital, um rublo digital etc., são por sua própria natureza conectadas a bancos centrais, possibilitando que os governos as regulem e garantam seu status de moeda corrente, ao mesmo tempo que, teoricamente, permitem que as autoridades rastreiem todas as transações de indivíduos que usam a moeda.

Anonimato controlado
Emily Jin, pesquisadora do Centro por uma Nova Segurança na América, um bunker de pensadores com sede em Washington, disse ao jornal que "se o Banco Popular [chinês] puder lançar o yuan digital com sucesso, isso, de fato, seria uma ferramenta crucial para controle doméstico".

Samantha Hoffman, analista sênior do Instituto de Políticas Estratégicas da Austrália, deu voz a essas preocupações, dizendo que através do uso do e-yuan, "o partido-Estado teria visibilidade sobre todas as transações financeiras", fazendo com que "não houvesse verdadeiro anonimato para os usuários".

As críticas de Jin e Hoffman não são relevantes apenas para a China. Líderes governamentais e empresariais na reunião Grande Reinicialização do Fórum Econômico Mundial do ano passado chegaram a propor, entre outras coisas, um fortalecimento dramático dos sistemas de pagamento eletrônico para reduzir o uso de dinheiro em espécie.

As autoridades chinesas parecem estar perfeitamente cientes das possíveis preocupações com a privacidade civil. Em 2019, Mu Changchun, diretor do Instituto de Pesquisa de Moeda Digital do Banco Popular da China, prometeu aos usuários do yuan digital um considerável nível de anonimato em suas transações.

"Mas, ao mesmo tempo, manteremos o equilíbrio entre o 'anonimato controlável' e o combate à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e também às questões fiscais, jogos de azar on-line e quaisquer atividades criminosas eletrônicas", declarou. "Esse é um equilíbrio que devemos manter e esse é o nosso objetivo. Não buscamos o controle total das informações da população em geral", ressaltou Mu. (com agência Sputnik Brasil)