ECONOMIA
Empresas brasileiras investem em lobby nos Estados Unidos
Por ECONOMIA JB com Agência Estado
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Publicado em 15/08/2025 às 06:07
Alterado em 15/08/2025 às 08:03

Por Gabriel Baldocchi - As incertezas geradas pelas políticas do presidente Donald Trump aumentaram o interesse das empresas brasileiras em serviços especializados de lobby nos Estados Unidos. Nomes como a fabricante de armas Taurus e a mineradora Vale aparecem neste ano, pela primeira vez, entre os contratantes dos serviços de lobistas formais na lista oficial de registros do Congresso americano.
As duas empresas buscaram defender interesses e obter diretrizes em temas relacionados à produção local, mostram os registros. Como pano de fundo, está o tarifaço imposto por Trump, com o objetivo de atrair investimentos produtivos ao país, e que está redesenhando o mapa corporativo global.
Taurus e Vale se juntaram a outras brasileiras acostumadas a recorrer ao apoio de profissionais especializados em atuar junto a esferas do Executivo e do Legislativo americanos, como Braskem, Embraer e JBS. Procurada, a JBS não comentou. Braskem e Embraer não responderam até a publicação deste texto.
Os dados constam de relatórios com declarações de boa-fé das empresas de lobby entregues à Secretaria de Registros Públicos do Senado, e foram compilados pela ONG Open Secrets. Segundo os registros, os gastos totais com esse tipo de serviço nos EUA somaram US$ 2,5 bilhões de janeiro a junho deste ano, mais da metade da soma de 2024 (US$ 4,4 bilhões), com um total de 12.674 lobistas oficialmente registrados.
Por trás dos maiores desembolsos aparecem empresas como General Motors, Meta e entidades como a Câmara de Comércio dos EUA. Já as brasileiras representam uma fatia modesta do bolo total que aparece nos relatórios. Desde o fim dos anos 1990, quando começam os registros, até agora, desembolsaram um total de cerca de US$ 30 milhões (R$ 162 milhões), de acordo com levantamento do Broadcast.
Caso a caso
O esforço do lobby não conseguiu livrar a Taurus das tarifas impostas pelo governo Trump. A fabricante brasileira de armas contratou o escritório de lobby Ballard Partners desde o primeiro trimestre para atuar junto às esferas de comércio da administração americana, ao Tesouro e à Casa Branca. O foco principal, segundo os registros, era defender os interesses da empresa (advocacy) e obter diretrizes em torno de temas relacionados à produção local. O Ballard Partners foi o segundo maior prestador de serviços do ramo neste ano.
Em nota ao Broadcast, a Taurus afirmou que “todas as iniciativas seguem rigorosamente as regras de compliance aprovadas no Conselho de Administração da empresa e são definidas de acordo com a estratégia da empresa.”
Na última semana, a Taurus confirmou que vai mudar uma linha de montagem aos Estados Unidos, como reflexo das tarifas de 50% impostas pelo governo Trump sobre armas. As taxas passaram a vigorar no dia 06.
O mercado americano movimenta mais de US$ 14 bilhões por ano em armas e é a maior fonte de receitas da fabricante brasileira, com 82% das vendas. A Taurus já tem uma unidade de produção por lá, com capacidade para 800 mil armas/ano, metade do que é produzido na fábrica nacional, localizada em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul.
Já a Vale contratou os serviços da Lilette Advisors, no segundo trimestre, para atuar junto ao gabinete presidencial, ao Senado e à Câmara, em temas relacionados ao ambiente político para investimentos em escala comercial em beneficiamento de mineração e produção de metais nos Estados Unidos.
Os serviços prestados pela empresa de lobby também buscaram “cultivar a conscientização sobre o valor da manufatura nos EUA e o crescimento de empregos qualificados relacionados às atividades de aglomerados de minério de ferro e tecnologia de próxima geração nos EUA”, escreveu a Lilette Advisros nos registros.
Em teleconferência de resultados do segundo trimestre, o diretor financeiro da Vale, Marcelo Bacci, afirmou que os Estados Unidos representam apenas 3% das receitas da empresa, a maior parte enviada do Canadá. Portanto, o tarifaço não é um tema prioritário para a empresa, afirmou o executivo.
A Vale, porém, foi escolhida pelo governo americano, no ano passado, para desenvolver uma planta de briquetes em escala industrial no estado de Louisiana. O briquete reduz o uso de água na produção e tem potencial para diminuir em até 10% as emissões na siderurgia. O projeto americano da Vale, com capacidade para produzir 1,5 milhão de toneladas ao ano, conta com financiamento do governo dos Estados Unidos e prevê a alocação de até US$ 282,9 milhões (R$ 1,5 bilhão) durante todo o período do projeto, até 2031.
As negociações para o projeto foram fechadas no governo do presidente Joe Biden, como parte do Inflation Reduction Act, principal política da administração anterior para promover energias limpas e hoje sob ataque da gestão Trump.
Em nota, a Vale afirmou que “tem o apoio de consultorias externas especializadas em temas ligados a assuntos comerciais diversos, incluindo a identificação de potenciais oportunidades em novos projetos.” A empresa não deu detalhes sobre o andamento do projeto de Louisiana.
Outro nome que aparece pela primeira vez na lista de contratantes de lobby é o do banco BTG Pactual. Assim como a Taurus, o banco buscou os serviços do Ballard Partners, no segundo trimestre, para ajudar em temas relacionados à regulação bancária. O apoio se dá num momento em que o governo Trump prepara um afrouxamento nas regras do sistema bancário americano.
O BTG tem escritórios em Miami e Nova York e oferece serviços que vão desde aqueles prestados na área de banco de investimentos até a gestão de fortunas. Procurado, o BTG não respondeu até a publicação deste texto.
Dobrando a aposta
Com metade das receitas oriundas de seus negócios nos Estados Unidos, a JBS vem ampliando os desembolsos com lobby naquele país nos últimos anos. Em 2025, o valor gasto no primeiro semestre pelo grupo brasileiro com serviços especializados em influenciar esferas públicas americanas praticamente dobrou em relação ao mesmo período do ano passado: passou de US$ 806 mil para US$ 1,54 milhão. O avanço se deu num momento de intensas mudanças promovidas pela administração do presidente Donald Trump, especialmente em áreas como imigração e comércio.
O reforço da JBS neste ano se deu principalmente no tema de imigração, em linha com o aumento de gastos com lobby de todo setor agrícola americano, para defender o afrouxamento das novas regras para estrangeiros. Cerca de 40% da mão de obra no agronegócio é composta de trabalhadores de fora do país sem documentação legal, segundo do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. A JBS emprega hoje quase 80 mil pessoas em diferentes áreas de negócios nos EUA e Canadá.
O grupo busca apoio externo para lobby desde 2007 e atualmente tem contratos com três empresas especializadas, além dos serviços próprios. Ao todo, 14 profissionais estão associados ao trabalho, em temas que vão desde comércio internacional até inspeção sanitária e desmatamento.
Os dados constam de relatórios com declarações de boa-fé das empresas de lobby entregues à Secretaria de Registros Públicos do Senado, e foram compilados pela ONG Open Secrets. Não é possível traçar paralelos com o Brasil porque no País não há levantamento semelhante.
As informações também não incluem outras iniciativas da JBS na frente política. Uma doação de US$ 5 milhões feita pela Pilgrim’s Pride, empresa adquirida pela família Batista no país, para a posse do presidente do presidente Donald Trump virou alvo de críticas de políticos da oposição. O valor superou contribuições feitas por empresas como Apple e Google.
Somente na divisão de carnes, a JBS tem 10 plantas de processamento bovino espalhadas pelos Estados Unidos. Neste ano, o grupo, com receitas totais de
R$ 114 bilhões no primeiro trimestre, aprofundou os laços com o país, ao conseguir finalizar a listagem na Bolsa de Nova York, um movimento que ampliou a fatia de estrangeiros entre os investidores da empresa.
Mais comedidas
Enquanto a JBS aumentou seus esforços com firmas especializadas, a Embraer manteve os gastos estáveis neste ano, num total de US$ 120 mil. A fabricante brasileira de aviões obteve a mais simbólica vitória nas negociações com o governo Trump, com a exclusão da tarifa adicional de 50% imposta às exportações brasileiras.
O esforço de convencimento foi feito pelo próprio presidente da companhia, Francisco Gomes Neto, junto com representantes do governo brasileiro. O executivo participou de encontros com os secretários americanos do Comércio, Howard Lutnick, do Tesouro, Scott Bessent, e dos Transportes, Sean Duffy.
A exclusão da tarifa adicional evitou um impacto negativo potencial de US$ 20 bilhões até 2030, conforme calculou a Embraer. Ainda assim, a empresa está incluída na tarifa adicional de 10% inicialmente anunciada por Trump a produtos brasileiros, um custo que deve ter um peso negativo de US$ 65 milhões em 2025.
A Embraer é uma das mais antigas contratantes de lobby nos EUA, com registros desde o final da década de 1990, esforço que já contribuiu para a vitória de contratos junto à área de Defesa americana. Ao contrário da JBS, a empresa vem reduzindo o gastos com lobby desde 2019. Atualmente, conta com duas prestadoras de serviços externas, além de atuação própria. Ao todo, possui oito profissionais associados à atuação, em temas que vão desde segurança em aviação até a regulamentação de combustível sustentável.
Outra tradicional contratante entre as brasileiras é a Braskem, com gastos registrados desde 2011. O caso é semelhante ao da Embraer. Nos últimos anos, a petroquímica vem reduzindo os desembolsos com lobby nos Estados Unidos e, em 2025, manteve o valor estável apesar do tarifaço, em US$ 40 mil.
A petroquímica calcula que o mercado americano representou 0,7% da receita da companhia no primeiro semestre e avaliou que os produtos mais relevantes exportados para lá ficaram de fora da tarifa de 50%. O restante, segundo a empresa, será redirecionado a outros destinos.
Procurada, a JBS não comentou. Braskem e Embraer não responderam até a publicação deste texto.