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À Deriva

A internet é um oceano de navegação à deriva. Você não sabe de que porto partiu nem em que porto vai atracar

Miguel Paiva -
Charge
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Sempre fui a favor dos avanços da comunicação e da tecnologia. Sempre aproveitei ao máximo o que esse avanço me trouxe para facilitar a vida. Mas isso não fez de mim um mal educado nem um solitário entocado. O que vemos hoje é um descalabro total. O que se esperava da internet, por exemplo, e Bill Gates uma vez mesmo disse, é que se transformasse num telefone de alcance ilimitado. De certa forma isso aconteceu mas trouxe junto uma série de deformações que estão afetando a todos nós.

Andar nas ruas hoje se tornou arriscado. Além das calçadas destruídas e perigosas podemos esbarrar num cidadão que vem ao nosso encontro sem olhar para frente. Ele não tira os olhos do celular e periga de trombar ou com poste ou com você. Ele não está se comunicando. Não está enviando uma mensagem importante ou recebendo. Ele está simplesmente navegando, mas à deriva.

Macaque in the trees
Charge (Foto: Miguel Paiva)

A internet é um oceano de navegação à deriva. Você não sabe de que porto partiu nem em que porto vai atracar. Está ali no meio do mar sujeito a tempestades ou calmarias, ambas perigosas. O avanço da internet não trouxe uma melhora na integração das pessoas. Não trouxe nem um melhor entendimento e aproximação, pelo contrário. As pessoas se fecham atrás das telas dos seus celulares e como uma trincheira afetiva disparam para todos os lados sem saber com quem estão falando.

É um tiroteio de narrativas que acaba ferindo muito mais pessoas sem nada de construtivo. Poucos criam blogs individuais para sair atirando por ai. Formam grupos na rede e dali se sentem protegidos. É uma solidão compartilhada que no fim do dia só trouxe um enorme cansaço pela inutilidade desse tipo de comunicação. As fake news surgiram assim, contando com esse apoio anônimo que acabou sendo decisivo na hora do voto. Foi assim aqui no Brasil e em outros lugares.

Espalhar mentiras é como semear uma plantação que já vem com agrotóxico. Difícil destruir só com desmentidos. A mentira tem força, o desmentido é fraco e desvalorizado.

Outra deformação vem da ilusão de que a rede de comunicação pode ser útil na rapidez da troca de mensagens. Não sei vocês, mas eu sempre respondo imediatamente as mensagens que recebo. Seja nos e-mails ou no popularmente chamado de ZAP. Chegou, eu leio e respondo. Minha mãe me ensinou assim e olha que ela nem conviveu com a internet. Mas parece que o povo não foi educado assim. E é geral.

As pessoas não respondem, não leem e mesmo quando leem não respondem. Não há uma aflição pela comunicação individual. Elas preferem o grupo. Na mensagem in box, pra ficar na linguagem, elas se comprometem. Sei que não é só isso. É uma coisa estranha e recente. Um comportamento lamentável que surgiu nos últimos tempos.

As pessoas não respondem. E-mails ou mensagens profissionais são deixadas sem respostas sem o menor pudor. Vivo isso constantemente. Mando e-mails lembrando de e-mails que já mandei. Mando mensagens para pessoas que passam o dia no celular e elas não respondem.

Fiz análise bastante tempo para saber que não é pessoal. Sei que quase nunca é. Não me sinto rejeitado. É, na realidade, um descaso tecnológico que pressupõe que estão todos ligados na rede e que todos vão entender uma espécie de mensagem virtual que nem precisa ser escrita. Confuso, né? Mas é confuso mesmo. Ainda precisamos avançar para entender o que se passa. Educação é uma coisa que ficou no passado e faz parte deste desmonte selvagem que vem acontecendo, não só no governo, mas na relação entre as pessoas.

Acho que está tudo ligado. O coletivo hoje se resume ao grupo do whatsapp e se você quiser pode se manter anônimo. Cômodo e em sintonia com os novos tempos. A comunicação virou sinônimo de má educação, agressão e nenhuma instrução. O direito à manifestação é sagrado, concordo e defendo e acho que vai ser assim mesmo mas precisamos criar novos alicerces de compreensão para que essa liberdade de expressão não se torne um paliativo para a solidão.