O OUTRO LADO DA MOEDA
Ricardo Magro, um devedor muito gordo
Publicado em 27/11/2025 às 15:19
Alterado em 27/11/2025 às 15:24
A segunda fase da operação “Carbono Zero”, batizada de Poço de Lobato (na Bahia, a origem do primeiro poço de petróleo do Brasil), feita em conjunto pela Polícia Federal em cinco estados e mais o DF, sob a liderança do Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos do Estado de São Paulo (Cira-SP), envolvendo 621 agentes públicos (promotores, auditores fiscais da Receita Federal e das secretarias da Fazenda paulista e municipal) e policiais civis e militares atingiu em cheio o grupo Refit, do advogado Ricardo Magro, considerado o mais gordo e contumaz devedor de impostos do Brasil.
O grupo Refit, que opera, no Rio de Janeiro, a refinaria de Manguinhos e, em São Paulo, a Rodopetro, é acusado de sonegar mais de R$ 26 bilhões em ICMS nos estados de SP (o estado cobra R$ 8,9 bilhões) e RJ, além da Receita Federal. Segundo a Receita, o grupo movimentou mais de R$ 70 bilhões em um ano “utilizando empresas próprias, fundos de investimento e “offshores” — incluindo uma exportadora em Houston (Texas) — para ocultar e blindar lucros”. Para isso, o grupo controla empresas financeiras e utiliza estruturas internacionais para blindagem patrimonial.
A análise da origem dos recursos movimentados levou os investigadores até entidades estrangeiras estabelecidas em Delaware, nos Estados Unidos. O estado funciona como um “paraíso fiscal”, pelas facilidades a empresas (de gaveta, em sua maioria) se instalarem lá, com alto grau de anonimato e a isenção de tributação, desde que as companhias não gerem renda nos EUA.
"Tal prática é comumente associada a estratégias voltadas à lavagem de dinheiro ou blindagem patrimonial dos envolvidos", disse a Receita Federal, que acrescentou: "Já foram identificadas mais de 15 “offshores” nos EUA, que remetem recursos para aquisição de participações e imóveis no Brasil, totalizando cerca de R$ 1 bilhão".
A Refinaria de Manguinhos, que estava com as operações suspensas desde 19 de setembro (nos rescaldos da operação “Carbono Oculto”, por suspeita de fraudes na mistura de combustíveis com metanol, conseguiu, nesta segunda-feira, 27 de novembro, liminar do TJRJ que liberou suas atividades. A decisão foi do desembargador Guaraci de Campos Vianna, da 6ª Câmara de Direito Privado, com a justificativa de que “a liberação resguarda a atividade econômica, preserva empregos e atende aos interesses dos credores”.
Perguntas que não querem calar
Como liberar, se os maiores credores são os fiscos federais e estaduais? Outra: por que o Senado e a Câmara não aprovam o aperto contra os devedores contumazes? Por coincidência, um dos investigados na megaoperação de hoje é Jonathas Assunção, ex-secretário-executivo da Casa Civil chefiada pelo senador Ciro Nogueira (PP-PI), no governo Bolsonaro
Haddad sugere discutir crime organizado com EUA
Justamente após a operação identificar que o solo americano tem sido usado para atos ilícitos do crime organizado brasileiro, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, revelou hoje ter sugerido ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva incluir o tema do crime organizado nas negociações entre Brasil e Estados Unidos. Ele afirmou que fundos nos EUA foram criados para lavar dinheiro e simular investimentos estrangeiros no Brasil. E acrescentou, em conversa com repórteres no ministério, que a Receita também identificou o desembarque de contêineres com armas irregulares vindas dos EUA.
“Levamos ao presidente Lula a necessidade de, nas negociações, que estão sendo bem-sucedidas, incluir a pauta da lavagem de dinheiro e da exportação ilegal de armas para o Brasil”, afirmou. Segundo Haddad, há indícios de que dezenas de empresas e fundos foram constituídos em Delaware para montar operações de lavagem de dinheiro e evasão de divisas por meio de empréstimos irregulares, com posterior redirecionamento do dinheiro a atividades no Brasil “entre aspas, de forma lícita”, segundo ele.
“Por meio dessa estrutura, as entidades deixam de ser tributadas tanto nos EUA quanto em território nacional. Tal prática é comumente associada a estratégias voltadas à lavagem de dinheiro ou blindagem patrimonial dos envolvidos”, informou a pasta.
Dados do BC reforçam suspeitas
Os dados cruzados levantados pelo Banco Central até 2024 e divulgados esta semana sobre os Investimentos Estrangeiros Diretos no País (IDP) e Investimentos Brasileiros no Exterior (IDE) revelam um acentuado aumento do fluxo de capitais entre Brasil e Estados Unidos nas duas contas. Em 2024 o saldo dos IDPs somou US$ 1.141 bilhões, com queda de US$ 141,5 bilhões frente a 2023 (em parte explicada pela desvalorização do real ante o dólar).
No IDE, o montante de capitais brasileiros localizados no exterior (a imensa maioria em empresas ou fundos “off-shores” em paraísos fiscais) era de US$ 654,4 bilhões. Ou seja, US$ 296 bilhões acima das reservas cambiais do Brasil, atualmente em US$ 358 bilhões. Esses capitais fazem “turismo especulativo” contra o real, dependendo do diferencial de juros entre o Brasil e os EUA. Este ano, com a Selic em 15% e o juro nos EUA em 3,75%, o fluxo aumentou para o Brasil e derrubou o dólar que tinha subido muito em 2024.
Os EUA continuam sendo a origem dos maiores investimentos estrangeiros no Brasil (US$ 247,8 bilhões em 2023), e aumentou sua participação (de 28%, em 2029 para 28% no ano de 2024) graças aos investimentos das companhias petrolíferas no pré-sal. Os Países Baixos eram o segundo em 2023 (US$ 184,6 bilhões) e Luxemburgo fechava o pódio, com US$ 109,5 bilhões. O trio brasileiro controlador da Ambev e da Interbrev transferiu parte dos investimentos para o paraíso fiscal europeu, que registra US$ 35,1 bilhões de IDE brasileiros no exterior.
No IDE o fluxo se inverteu de 2019 (governo Bolsonaro) para cá. O governo Bolsonaro elevou de US$ 10 milhões para US$ 100 milhões o limite de declaração trimestral de capitais. Isso fez reduzir em mais de 50% o total de investidores que atingir 54.586 unidades em 2019, para 27.153 investidores no ano passado. A lista é liderada pelo paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas no Caribe. O país tem pouco menos de 28 mil habitantes. Mas registra 11.273 investidores brasileiros (40% da população). Os Estados Unidos encolheram de 9.824 investidores, em 2019, para 2.929 investidores em 2024, no total de US$ 20,8 bilhões.
No movimento de capitais, a liderança muda. Com parte de seu território no Caribe, nos paraísos fiscais de Curaçau e Aruba, os Países Baixos, liderados pela Holanda, se tornaram sede de empresas brasileiras (à frente a Petrobras): o total de IDE registrados no Brasil somava US$ 94,8 bilhões em 2024. A 2ª posição era das Ilhas Virgens Britânicas, com US$ 83,3 bilhões. Ilhas Cayman vinham em 3º, com US$ 73,2 bilhões.
Como se vê, a jurisdição fiscal brasileira não pode deixar de fora os fundos “off-shores”.