O OUTRO LADO DA MOEDA
Master, dívida pública e concentração de renda
Publicado em 19/11/2025 às 18:37
Alterado em 19/11/2025 às 18:46
Ciro Nogueira apresentou projeto para esvaziar a burra do Fundo Garantidor de Crédito Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Em artigo monumental no “Valor Econômico” de hoje, o economista André Lara Resende revisita a obra clássica de John Maynard Keynes, “Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”, de 1936, para responder (em tréplica) a artigo do economista Samuel Pessoa na “Folha”, a propósito do artigo de Lara, “A Fada da Dívida”, de 30/10, no “Valor”, e destaca que Pessoa “reconhece que a dívida pública tem dois lados: é um passivo do Estado e um ativo do setor privado”. [moeda de duas faces, cujo nível de juros beneficia o setor privado]
Lara Resende disseca, com clareza cristalina, que a “tão clamada redução da dívida pública, ou a consolidação fiscal, como prefere Samuel, exige que se reconheça essa dualidade: a dívida pública é parte da riqueza privada. Reduzir a dívida pública reduz também a riqueza privada”. Vou trazer a discussão acadêmica – super-relevante – para o assunto do momento no mercado financeiro e na economia: os efeitos colaterais da quebra do Master.
Deixarei de lado as interligações entre as altas taxas pagas pelos papéis do Master, cujo rombo a ser coberto pelo Fundo Garantidor de Créditos (FGC) está estimado entre R$ 42 bilhões e R$ 49 bilhões (se o Banco Master Múltiplo S.A., que controla o Will Bank, tiver sua recuperação em regime de atenção especial - espécie de RJ do BC - convertida em liquidação), com a corrupção e complacência política. Fundos de pensão de estados e municípios tinham comprado papéis do Master acima do limite de R$ 250 mil de garantia do FGC.
Curiosamente, a principal coligação que representa o Centrão (União Brasil e PP, nas figuras de seus presidentes Antônio de Rueda e Ciro Nogueira, respectivamente), tinha fortes ligações com o presidente do Master, Daniel Vorcaro. O senador Ciro Nogueira (PP-PI) chegou a apresentar projeto, em 2024, para elevar de R$ 250 mil para R$ 1 milhão o teto de garantia dos investidores pelo FGC, que é bancado pelos grandes bancos.
Não é novidade que os grandes bancos sempre se unem a padrinhos políticos para terem mais força nos embates contra o Banco Central e órgãos de fiscalização. O Econômico, de Calmon de Sá, se ligou acionariamente ao então governador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães, desde 1973; o Banco de Santos, de Edemar Cid Ferreira, tinha ligações com o ex-presidente José Sarney, mas não evitou sua liquidação em 2005.
Vorcaro contratou o ex-ministro do STF (atual ministro da Justiça), Ricardo Lewandowski para defender os interesses do banco; depois, contratou o ex-presidente Michel Temer (MDB), como advogado, e tentou associar-se ao BRB, controlado pelo DF governado por Ibaneis Rocha (MDB), mas o BC vetou o negócio em outubro e agora, ao liquidar o Master, deixou muitos em alerta.
Juros oneram Estado e concentram a renda
Os últimos dados conhecidos da dívida pública até setembro são impressionantes. O Fundo Monetário Internacional usa um critério amplo: o endividamento do setor público brasileiro (incluindo a dívida interna da União, Estados e municípios e respectivas estatais e a dívida externa pelo mesmo critério) somaria R$ 11 trilhões e 292,8 trilhões em setembro. A contabilidade da Dívida Bruta do Governo Geral exclui a dívida externa.
A dívida pública interna do Tesouro Nacional era de R$ 7 trilhões e 55,7 bilhões, e a dívida pública que é girada no mercado financeiro pelo Banco Central (que costuma deixar um pouco mais de R$ 1 trilhão em papéis para dar liquidez diária ao mercado, era de R$ R$ 6,992 trilhões. Acontece que os dados do TN até setembro indicam que a dívida custou R$ 866,160 bilhões este ano.
Isso é uma quantia monumental, pois corresponde a 3,3% do Produto Interno Bruto. No ano passado, o PIB cresceu 3,4%. Este ano, as estimativas são de 2%. Ou seja, a renda transferida do TN (Estado) para os rentistas do setor privado concentrou a renda em nível superior ao crescimento esperado para o PIB. Lara Rezende tem toda razão em dizer que a dívida não é ameaça, pois a hipótese de liquidação da dívida, que está em torno de 70% do PIB, extinguiria uma importante fonte de renda do setor privado.
Digo mais, a manutenção de juros de 15% ao ano para a Selic é que está azeitando, como se fosse o óleo no motor, a liquidez diária no giro da dívida pública, a juros reais abusivos, descontada a inflação de 4,5%. A máquina de transações financeiras do mercado em papéis privados de renda fixa pode ser resumida nas debêntures, CDBs, CRIs e CRAs. Pelos dados da Anbima, os papéis privados somam cerca de 40% dos títulos do mercado, mas quem dá liquidez é o giro diário dos papéis da dívida pelo Banco Central.
Os juros não só poderiam estar mais baixos como seus ganhos sendo devidamente taxados, como sustenta o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para evitar a concentração de renda e bancar os programas sociais.
A reação dos partidos da oposição e do Centrão a qualquer taxação dos isentos CRIs e CRAs (sob o argumento de aumento da carga tributária, quando é medida de justiça tributária) encontra explicação clara no envolvimento geral no caso Master. Com taxação dos CRIs e CRAs que diminua seus “atrativos” fica mais difícil o giro diário de papéis sem o devido lastro.
Quem duvidar da conexão entre a ciranda financeira e a corrupção que esconde o giro de papéis podres, vale a pena rever na Netflix o filme “A Grande Aposta” que explica por que o mercado do “subprime” de hipotecas (imóveis tinham mais de uma hipoteca e os calores eram mascarados) desmoronou em 2007-2008, nos Estados Unidos gerando a crise financeira mundial de 2008. Aqui estamos flertando com o abismo, facilitando a concentração de renda.
