O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Como novas regras do BC afetam os bancos

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Publicado em 14/11/2025 às 15:00

Alterado em 14/11/2025 às 18:18

Agência do Banco do Brasil Foto: Agência Brasil

Os piores resultados dos bancos no 3º trimestre, sobretudo no Banco do Brasil, cujo lucro em nove meses (R$ 14,9 bilhões) caiu 47,4% frente a igual período de 2024, eram previstos pelo Banco Central no Relatório de Estabilidade Financeira (REF), divulgado no começo da semana. Com as novas normas da Resolução 4.966 valendo desde janeiro, houve substancial mudança na contabilidade de receitas ainda não recebidas (“Stop-Accrual”), que deixou de ser o atraso da operação de crédito igual ou superior a 60 dias e passou a ser o ativo financeiro com problema de recuperação de crédito (AP. 99).

No BB, o maior impacto foi nas operações de crédito rural com pessoas físicas, que não puderam mais ser roladas pelos gerentes. Mas, em termos de balanço, enquanto as receitas financeiras cresceram apenas 16% no ano, as despesas financeiras encareceram 39,2%. Houve aumento de 66,4% no Custo do Crédito, formado pelas despesas de perda esperada, somada aos descontos concedidos e deduzidas das receitas com recuperação de crédito, que alcançou R$ 44,0 bilhões até setembro. O próprio BB destaca que, além do “aumento da inadimplência, em especial na carteira agro, houve agravamentos em casos específicos em Grandes Empresas”.

Grande dá calote; pequeno paga

O BB é o banco do agronegócio e sua maior clientela está ligada aos criadores de gado bovino, que absorveram 22,9% dos créditos até setembro (17,3% para a pecuária de corte e 5,6% para os produtores de leite). Os créditos são 67,8% destinados a grandes e médios proprietários. O pequeno produtor recebia 19,3% dos créditos. Máquinas e equipamentos recebiam 14% dos créditos, a soja leva 10% e o café 2,95. Com as novas regras de contabilidade dos atrasos as carteiras eram renegociadas mais de uma vez) a inadimplência da carteira em atraso de mais de 60 dias subiu de 7,2% em junho para 9,1% em setembro.

Decompondo os atrasos por seguimento, pelas novas normas, o custeio agropecuário, com atraso de 2,21% em setembro de 2024, aumentou para 3,37% em junho e aumentou 87,5% a 6,32% em setembro de 2025. As linhas de repasse de financiamentos do BNDES/Finame Rural, que tinham os mais baixos índices de atraso (0,57% em setembro de 2024) e subiram a 1,03% em junho e quase dobraram a 1,90% em setembro. Já a inadimplência na carteira de crédito do Pronaf (agricultura familiar) ficou mais ou menos estável: 1,35% em setembro de 2024; 1,58% em junho e 1,82% em setembro.

Bancos perdem mais com PJs

O resumo do REF feito pelo Banco Central mostrou que o impacto da Res. 4.966 foi uma redução de 1,2% das receitas totais do Sistema Financeiro Nacional ou R$ 12,2 bilhões no período. O impacto nas receitas foi negativo em -0,8% (R$ 5,8 bilhões) nas operações com pessoas físicas. Mas a baixa mais sensível, de 2,4% ocorreu nas operações com empresas (PJs,), com perdas de R$6,4 bilhões. Segundo o REF, do total de receitas no período de janeiro a agosto de 2025, estima-se que 2,7% deixaram de ser reconhecidas e 1,5% passaram a ser reconhecidas, de acordo com a 4.966.

No somatório dos quatro maiores bancos - Itaú Unibanco, Bradesco, Banco do Brasil e Santander -, enquanto houve desaceleração das operações, o custo do crédito subiu. As despesas com provisões para devedores duvidosos (PDD) aumentaram 31,6% frente ao 3º trimestre de 2024, chegando a R$ 42,157 bilhões nos quatro bancos. O crescimento ofuscou a alta de 7% na margem financeira bruta combinada, que somou R$ 91,665 bilhões.

Para o BC “o aperto das condições financeiras ainda não influenciou de forma relevante, na margem, os números gerais de Dívida Líquida/Ebitda e Índice de Cobertura de Juros (ICJ), e a rentabilidade manteve trajetória positiva”. Mas, o REF adverte que “o crescimento no endividamento, e seu respectivo custo, deve pressionar mais os balanços em um cenário de arrefecimento da atividade; esse é um ponto de atenção para os períodos vindouros”. Ao avaliar as empresas como um todo, há um aumento da percepção entre as instituições (...) de que o grau de alavancagem está alto”.

Onde pode crescer a inadimplência

As análises do Banco Central evitam relacionar a causa ao efeito (juros altos/ inadimplência). A Análise Trimestral das Condições do Crédito diz: “A capacidade de pagamento das PFs continua desafiadora, sob impacto da participação elevada de modalidades mais caras. As condições de oferta de crédito continuam se deteriorando e espera-se que a tendência continue no 4º trimestre”.

A demanda no 3º trimestre ficou igual ou superior à verificada no trimestre anterior, com comportamento que deve continuar no 4º trimestre, à exceção do crédito habitacional para pessoas físicas, que deve apresentar demanda mais fraca. O nível de tolerância ao risco e inadimplência pioraram em todos os segmentos. Destaque para a inadimplência do segmento PF Consumo, cujo índice no 3º trimestre superou as expectativas.

Para o 4º trimestre de 2025 projeta-se aumento adicional de risco/inadimplência em todos os segmentos:

Grandes empresas:  no 3º trimestre as condições ficaram ligeiramente mais restritivas que no trimestre anterior, com destaque para as condições da economia doméstica, os níveis de inadimplência do mercado, o nível de tolerância ao risco e a liquidez do mercado externo. Para o último período, espera-se continuidade do aperto nas condições de crédito. Maior risco de crédito e tarifas dos EUA foram apontados como fatores que podem impactar a oferta para o segmento.

Micro, pequenas e médias empresas: no 3º trimestre, fatores ligados à inadimplência (condições dos clientes, nível de inadimplência) e a tolerância ao risco foram mais restritivos. Mas, a atuação do BNDES contribuiu para mitigar esse efeito. Para o último trimestre, esses fatores devem permanecer restritivos, mas espera-se que o rebalanceamento de portfólio deva atenuar, em parte, essa maior restrição.

PF Consumo:  no 3º trimestre a maioria dos fatores foi ligeiramente mais restritiva que no trimestre anterior, em especial o nível de inadimplência do mercado. (...) o segmento manteve condições relativamente menos restritivas que as observadas nos demais. Para o 4º trimestre, espera-se um comportamento misto dos fatores: enquanto o comprometimento de renda do consumidor e o nível de inadimplência do mercado devem pressionar para condições mais restritivas, fatores como a captação de novos clientes e concorrência entre bancos podem contribuir para condições mais flexíveis.

PF Habitacional:  Em geral, as condições foram mais restritivas no 3º trimestre, com destaque para custo/disponibilidade de “funding”, níveis de tolerância ao risco, emprego e condições salariais. Para o 4º trimestre, em geral, devem persistir as condições mais restritivas, embora com alguma melhora advinda do ambiente institucional.

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