
O OUTRO LADO DA MOEDA
A hora da justiça tributária na renda
Publicado em 02/10/2025 às 14:40
Alterado em 02/10/2025 às 15:11

Os atuais comandos da Câmara e do Senado tomaram posse em 1º de fevereiro. Com a pauta atrasada de 2024, - o Congresso não tinha aprovado o Orçamento Geral da União de 2025 -, o governo, tão logo a tarefa foi cumprida, apresentou em março o Projeto de Lei para isentar os contribuintes do Imposto de Renda na fonte que recebessem acima de R$ 5 mil mensais. Mas a oposição, liderada pelo PL, trancou as pautas do Congresso com a chantagem da “anistia ampla, geral e irrestrita” para tentar livrar o ex-presidente Jair Bolsonaro da cadeia pelos crimes cometidos na tentativa de golpe de Estado.
Foi preciso haver a grande reação nacional às sucessivas tentativas de autoproteção a deputados e senadores, materializada na infame PEC da blindagem, que abria caminho para a bandidagem que já ocupa cadeiras no Congresso ampliar seu efetivo nas próximas eleições para o jogo virar. As manifestações em todo o país em 21 de setembro viraram a biruta do Congresso e pressionaram as mesas da Câmara e do Senado a sepultar as manobras escapistas para salvar a pele dos golpistas já condenados.
Destravada a pauta do Congresso, após cinco meses de produtividade quase zero – mas com direito a recesso –, eis que o relator do PL da isenção do IR, o ex-presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), que fazia corpo mole, pega o touro à unha – não sem antes levar um olé do seu adversário político em Alagoas, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), que aprovou no Senado substitutivo para reduzir o IR de milhões de brasileiros e compensar a perda de arrecadação com maior tributação sobre as altas rendas.
OLM
Na noite dessa quarta-feira, 1º de outubro, foi aprovada com o acachapante placar de 493 votos a favor e 18 abstenções (uma das quais da deputada Luizianne Lins, do PT-CE, que integra a flotilha de solidariedade aos palestinos da faixa de Gaza, interceptada pelo exército de Israel). Os demais eram bolsonaristas do PL e partidos afins.
15,5 milhões X 141 mil
O alcance da medida, na justiça fiscal, é claríssimo: a isenção atingirá 15,5 milhões (de forma escalonada) em 2026, mas a majoração da tributação compensatória só alcançará cerca de 0,13% dos brasileiros mais ricos (cerca de 141 mil pessoas), segundo o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Vê-se como são ridículas as críticas e memes que atribuem ao ministro da Fazenda o sobrenome de “Taxad”. Há 525 anos o Brasil clama por justiça fiscal.
A isenção terá custo estimado de R$ 25,8 bilhões já em 2026 e somará R$ 100,6 bilhões até 2028. Para compensar a perda de arrecadação, o projeto cria um imposto mínimo sobre rendimentos acima de R$ 600 mil anuais, com alíquota progressiva até 10% a partir de R$ 1,2 milhão. Dividendos superiores a R$ 50 mil por mês também serão tributados em 10%. Com essas receitas, a equipe de Lira projeta superávit de cerca de R$ 12,7 bilhões até 2027. O relator veda usar essa sobra para “engordar” o superávit primário
Atualmente, a tabela do Imposto de Renda prevê isenção para quem ganha até dois salários-mínimos por mês, o equivalente a R$ 3.036. A partir daí, a tributação ocorre de forma progressiva, até o limite de 27,5% de imposto.
Compensação vem dos mais ricos
Para compensar a perda de arrecadação com a isenção e os descontos que serão concedidos para as classes mais baixas, o governo federal pretende taxar os contribuintes de alta renda. São aqueles com ganhos acima de R$ 50 mil por mês - ou R$ 600 mil por ano. O projeto aprovado na Câmara prevê um imposto mínimo, a ser aplicado de forma escalonada, até R$ 1,2 milhão..
Como funciona
Primeiro, soma-se toda a renda recebida no ano, incluindo salário, aluguéis, dividendos e outros rendimentos. Não entram na conta herança e venda de bens.
A medida visa alcançar pessoas físicas com rendimentos mensais acima de R$ 50 mil. A alíquota será progressiva, chegando ao teto de 10% para ganhos superiores a R$ 100 mil por mês, ou R$ 1,2 milhão por ano.
Se essa soma for menor que R$ 600 mil, não há cobrança adicional. Se ultrapassar esse valor, aplica-se uma alíquota que cresce gradualmente até 10% para quem ganha R$ 1,2 milhão ou mais.
A proposta busca corrigir uma distorção comum entre os contribuintes de maior renda que são donos de empresas: muitos declaram um pró-labore baixo, sujeito a poucos impostos, enquanto a maior parte dos ganhos vem da distribuição de lucros, que atualmente é isenta.
Dividendos
O texto estabelece retenção de 10% na fonte para dividendos superiores a R$ 50 mil por mês, pagos por empresa a pessoas físicas residentes no Brasil.
Se um investidor recebe acima do piso de mais de uma fonte pagadora, será considerado o valor global recebido para efeito do cálculo do imposto mínimo a ser recolhido.
Segundo a regulamentação, a cobrança deverá valer só para dividendos pagos em 2026, referentes ao mesmo ano. Assim, os dividendos referentes ao último trimestre deste ano não estarão sujeitos à nova norma. Na declaração do IR, os valores retidos poderão ser compensados.
Remessas ao exterior
Já os lucros e dividendos enviados ao exterior também terão incidência de 10%, com exceção de três casos: governos estrangeiros com reciprocidade de tratamento, fundos soberanos e entidades previdenciárias no exterior.
O que fica fora do 'mínimo de 10%'
Herança; Rendimentos da poupança; Indenizações por acidente ou doenças graves; Aposentadorias decorrentes de doenças graves ou acidente de trabalho; Dividendos pagos por governos estrangeiros (com reciprocidade); Pagamentos de fundos soberanos; Entidades estrangeiras que administram previdência; Títulos isentos (LCI, LCA, LCD, CRI, CRAs, FIIs, Fiagros e debêntures incentivadas) – o Ministro Haddad insiste em tributar LCI e LCA; FIP-IE (Fundos de Investimento em Participações em Infraestrutura).
Lira informou ter enviado projeções aos ministros Fernando Haddad e Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) para eventualmente retirar as debêntures incentivadas dessa blindagem, o que pode gerar divergências no Plenário da Casa, que deve analisar a tributação sobre esses ativos na mesma semana, e pode ser tema de destaques do projeto.
Para onde vai a 'sobra'
O relatório de Arthur Lira não só busca compensar a renúncia fiscal da nova faixa de isenção do IR, mas também define o destino da eventual “sobra” de arrecadação. O desenho proposto estabelece uma ordem de prioridades:
1. Compensar Estados e municípios – A primeira destinação é garantir repasses aos entes federativos, via Fundos de Participação, caso haja perda de arrecadação decorrente da ampliação da isenção.
2. Reduzir a alíquota da CBS – A excedente da arrecadação federal poderá ser usado também para reduzir a alíquota da nova CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) e para repasses trimestrais destinados a compensar perdas na arrecadação local.
Quando começa a valer?
O texto agora segue para o Senado, o que pode abrir uma disputa entre as duas Casas pela autoria da proposta. O Senado ressuscitou o PL 1.952/2019, relatado por Renan Calheiros que também prevê a isenção para rendas até R$ 5.000. As diferenças de mérito entre os textos não são grandes para a faixa de isenção, mas a tramitação virou um tabuleiro político entre as duas Casas, sobretudo pela rixa entre os alagoanos Lira e Calheiros, que disputam o mesmo eleitorado para o Senado em 2026 e o protagonismo no Congresso.
Se o texto da Câmara sofrer alterações no Senado, volta para nova deliberação dos deputados antes da sanção. A expectativa é que a nova lei seja sancionada até o final do ano, e passa a valer a partir de 2026, com efeitos sobre a declaração de Imposto de Renda 2027.