
O OUTRO LADO DA MOEDA
Juro do rotativo a 1.000%; só 4 cobram menos de 100%
Publicado em 27/08/2025 às 16:10
Alterado em 27/08/2025 às 16:10

O Banco Central divulgou nesta quarta-feira (27) o resultado das operações do Sistema Financeiro Nacional (SFN) em julho. As de crédito somaram R$ 19,527 trilhões, a maior parte envolvendo operações da dívida pública - R$ 6,915 trilhões. O saldo tomado pelo governo ficou em R$ 8,306 trilhões (67,4% do PIB); as operações com as empresas somaram R$ 6,731 trilhões (54,6% do PIB) e os empréstimos às famílias atingiram R$ 4,490 trilhões (36,4% do PIB).
Se a dívida pública é bastante custosa ao Tesouro Nacional (cada aumento de um ponto na taxa Selic, atualmente em 15% ao ano, representava acréscimo de R$ 57,8 bilhões ao longo de 12 meses no custo da dívida), imagina o que custa às famílias tomar crédito com recursos livres à taxa média de 57,7% como ocorreu em julho... O endividamento vira uma bola de neve. A inadimplência nos recursos livres estava em 5,2% em julho, sendo de 6,5% a parte das famílias.
O rotativo é a via crucis das famílias
Em matéria de bola de neve, nada se compara ao endividamento das pessoas físicas no crédito rotativo dos cartões de crédito. Como é sabido, as instituições financeiras, lojas de departamento, supermercados e as fintechs são pródigas em distribuir cartões de crédito aos clientes. Não raro, o cliente recebe em casa um cartão que nunca pediu. Só uma minoria consciente renuncia à oferta. A ampla maioria viaja na maionese e sai comprando adoidado.
Como não consegue pagar, entra no endividamento em bola de neve do crédito rotativo oferecido pelo cartão. A operação se repete nos três ou quatro cartões que recebeu e estourou. Se a pessoa não consegue quitar a compra do mês no vencimento do cartão, não será no rotativo, cujo limite de 100% ao ano nos juros, determinado pelo Banco Central, é solenemente ignorado pelos emissores dos cartões, que irá evitar o desastre. Pior ainda são os que tentam ganhar dinheiro em apostas nas “bets” e no tigrinho. A família se arruína.
Veja quem cobra de 100% a 1.000% ao ano:
O Banco Central publica diariamente levantamentos semanais sobre as taxas de juros nas diversas modalidades operadas pelo Sistema Financeiro Nacional. Uma delas envolve “Pessoa Física - Cartão de crédito - rotativo total - Pré-fixado”. O período do levantamento foi de 7 de agosto a 13 de agosto de 2025.
Foram investigadas 58 instituições financeiras, das quais só quatro operavam com juros no rotativo abaixo do limite de 100% ao ano, conforme o acordo feito na gestão de Roberto Campos Neto, que não funcionou. Eram eles o Agibank (46,36% ao ano), o Banco Industrial do Brasil (48,51), o Daycoval (55,57%) e o BMG (62,40%). O recorde das taxas de juros era do Banco Crefisa, o patrocinador do Palmeiras, com 994,68% ao ano, praticamente 1000% ao ano.
De 100% a 300%
O primeiro banco a romper a barreira dos 100% foi o Stellantis (antigo banco Fiat), com 180,63% ao ano. O oitavo banco da lista do BC, o banco cooperativo Sicoob, já cobrava acima de 200% ao ano, com taxa de 203,37%. Na 10ª posição aparece o Banco XP, cobrando 230,92% ano. Na faixa de 200% a 300% ao ano estão ainda o BTG-Pactual (13º, com 258,97%), seguido pelo Banco do Nordeste do Brasil, com 288,09%.
A CEF, com 301,10% ao ano, aparece em 17º lugar, liderando a turma com juros acima de 300%. A Zema Financeira, da família do governador mineiro Romeu Zema, cobrava 319,75% ao ano. Com a 20ª maior taxa do rotativa aparecia o Banco do Brasil (334,98%). Em 25º lugar vinha a NU financeira, onde é controlador geral o ex-presidente do BC, Roberto Campos Neto. A taxa da NU era de 335,61%. Pode isso, Roberto? A lista dos que cobram mais de 300% ao ano se completa com o Itaú Unibanco Holding (372,75% (23º) e com o Bradesco (388,91%, em 24º lugar).
De 400% a 500%
A lista de dois bancos que operam o rotativo nesta faixa é liderada pelo Santander Brasil (30º, com 475,58%, seguido pelo C6Bank (495.46%). A faixa dos nove bancos e financeiras que operam entre 500% e 600% é aberta pelo banco Inter, patrocinador do São Paulo, com 500,11%. Dela fazem parte o Banco Investcred Unibanco, com 547,41%, e é encerrada pela financeira LuizaCred, do Magazine Luiza, que estava em 39% na lista (da menor para a maior), com 553,99% ano.
Cinco instituições operavam na faixa dos 600% iniciada pelo Banco BV (609,54%), entre os quais estava o Bradescard (656.91%). A faixa que cobra juros acima de 700% era liderada pelo banco Digio (708,88%). Entre as seis instituições, destaque para a Fintech da maquininha, PicPay (do grupo JBS-Friboi), que cobrava 730,90% ao ano. A Midway cobrava 798,29%.
Seis instituições cobravam entre 800% e 1000% ao ano. Na faixa inferior, com 812,41%, a financeira Via Certa, seguida pela financeira Pefisa (887,11%) e pela Neon Financeira (888,48%). O pódio dos juros mais altos era ocupado pela Calcred (984,61, pelo Banco Triângulo (992,185 e o campeão Banco Crefisa, com 994,68%.
A análise do Banco Central
Na análise do SFN, o Banco Central usa uma linguagem neutra e natural, mesmo diante de abusos. Vejam:
“Em julho, o efeito da variação das taxas médias de juros (efeito taxa) foi determinante para o aumento da taxa média de juros do crédito livre às empresas e para a redução observada na taxa média do crédito livre às famílias, conforme mostra a tabela a seguir.
“O Indicador de Custo do Crédito (ICC), que mede o custo médio de toda a carteira de crédito do SFN, situou-se em 23,3% a.a. em julho, com elevações de 0,1 p.p. no mês e de 1,5 p.p. em 12 meses.
“O percentual de inadimplência da carteira de crédito total do SFN, considerados os atrasos superiores a 90 dias, alcançou 3,8% em julho, com incrementos de 0,2 p.p. no mês e de 0,6 p.p. em 12 meses.
“Na carteira de crédito livre, a inadimplência atingiu 5,2%, com incremento de 0,2 p.p. no mês e de 0,8 p.p. em 12 meses. Por segmento, em ambas as carteiras de crédito livre às pessoas jurídicas e às pessoas físicas, a inadimplência subiu 0,2 p.p., situando-se, respectivamente, em 3,3% e 6,5%. Em 12 meses, a inadimplência nos segmentos aumentou 0,4 p.p. e 1,0 p.p., na mesma ordem.
“Em junho, o endividamento das famílias situou-se em 48,7%, com redução de 0,2 p.p. no mês e alta de 1,0 p.p. em 12 meses. O comprometimento de renda recuou 0,1 p.p. no mês e avançou 1,3 p.p. em 12 meses, alcançando 27,6%”.
Faltou dizer
O Banco Central deixou para pessoas, como este colunista, pesquisarem em suas estatísticas que os bancos captam, em média, a 10,6% ao ano com as pessoas físicas, mas lhes emprestam, em média, a 35,9% a ano (recursos livres e direcionados, com os créditos do Sistema Financeiro da Habitação e do crédito rural. Mas a taxa média nas operações livres chega a 57,7%, uma margem de 47,1 ponto percentual (ou quase quatro vezes maior).
Não admira que com juros tão altos como os do rotativo, os bancos lucrem tanto e tenham tanta provisão para devedores duvidosos, com a inadimplência das pessoas físicas em 6,5%.