
O OUTRO LADO DA MOEDA
Conflito com Irã torna pré-sal mais estratégico
Publicado em 23/06/2025 às 17:55
O acirramento do conflito entre Israel e Irã, com os bombardeios dos Estados Unidos a três complexos nucleares iranianas, gerando hoje o ataque do Irã a bases americanas no Catar e no Iraque, ameaça que promete se ampliar para bases dos EUA no Oriente Médio, assusta os países dependentes de petróleo e combustíveis importados, com o aumento das nações no conflito.
Mas as primeiras informações são de que os mercados de petróleo e combustíveis reagem bem à ameaça de ampliação do conflito, com surpreendente queda dos preços do petróleo no mercado futuro para entrega em setembro (US$ 70,48, com queda de mais de 6% às 13:25 (horário de Brasília). Na verdade, há movimentos de altas nos combustíveis (querosene de aviação e gás natural na Europa, mas a pressão não é maior porque estamos no verão e não há premência de combustíveis para aquecimento das casas.
Um dos motivos para a queda dos preços (na quinta-feira o preço do barril do petróleo tipo Brent tinha superado os US$ 77, foi a decisão do governo americano de estimular a produção doméstica de petróleo e gás. Ou seja, o conflito reforça o entendimento de que os países com autossuficiência (o quase isso, como no caso do Brasil) estão menos vulneráveis a uma escalada de preços como aconteceu, em fevereiro de 2022, quando a Rússia invadiu a Ucrânia e sofreu retaliações e boicote dos países europeus, até então dependentes do gás russo.
Previsões ruins hoje não afetam Brasil
As projeções de analistas do mercado de petróleo ouvidos pelo jornal inglês “Financial Times” são de que “o impacto do conflito Israel-Irã no petróleo pode durar anos”, atuando como “catalizador para preços mais altos nos próximos anos, à medida que a produção global atinge o pico e a demanda permanece forte”. Sem dúvida, as perspectivas não são boas para os países importadores europeus, que já estão com acesso quase nulo ao gás e ao petróleo russo.
O mesmo acontece com as nações asiáticas: China, Japão, Índia e Coreia do Sul, que dependem de exportações de gás liquefeito do Catar (maior produtor do mundo) e da Arábia Saudita, além do petróleo do Irã, Iraque, Kuwait. Catar, Arábia Saudita, Omã e Emirados Árabes Unidos, que passam pelo estreito de Ormuz, controlado pelo Irã.
As vantagens do fim do PPI
Mas imagine, caro leitor, se o Brasil não tivesse abandonado, em maio de 2023, o famigerado sistema de Paridade de Preços Internacionais (PPI), adotado em fins de 2016, no governo Temer, que levava em conta os preços internacionais dos combustíveis e a variação do dólar como parâmetros para reajustes? Na crise que se seguiu à guerra Rússia-Ucrânia, a escalada dos preços levou à troca de três presidentes da Petrobras.
Acossado pela perda de popularidade para Lula, que disparava nas pesquisas, na razão direta da alta dos combustíveis e da inflação, o presidente Bolsonaro, além de criar um caminhão de bondades, cortou os impostos federias e estaduais (ICMS) dos combustíveis (à frente a gasolina), da energia elétrica residencial e das comunicações, entre 1º de julho e 31 de dezembro de 2022.
Não evitou o estouro da inflação, nem a perda da reeleição para Lula. Mas as sequelas da bomba de efeito fiscal ainda fazem estragos nos dias de hoje. O governo Lula, para evitar um estouro da inflação, retardou a recomposição (inicialmente prevista para 1º de janeiro de 2023) da volta dos impostos (o que prejudicou a arrecadação da União e dos estados e municípios), espaçou a recomposição e não voltou aos níveis anteriores.
Mas o que acalmou a inflação no país, sem o tratamento arrasador da escalada dos juros, foi a substituição do PPI (que visava ampliar a competição no mercado de refino, com a venda de metade das refinarias) e a privatização futura da Petrobras) pelo “abrasileiramento” dos preços dos combustíveis, com uso mais intenso do petróleo mais leve do pré-sal nas refinarias da Petrobras, bem como do maior aproveitamento do gás natural das plataformas.
Como a Petrobras extrai petróleo do pré-sal a US$ 21/22, já considerando fretes e participações especiais, há uma margem considerável para a estatal segurar os preços. Antes da queda de 5,6% em maio, a gasolina ficou um ano estável nas refinarias. Isso demonstra a importância do uso estratégico de um insumo fundamental como o petróleo ou o gás natural.
A rigor, quem ganhava com a espiral da inflação do PPI eram os acionistas da Petrobras (embora o uso da capacidade instalada das refinarias estava abaixo de 75% e agora, com quase 80% de uso do óleo do pré-sal o nível de utilização dos fatores de produção esteja próximo de 95%. Sem afetar tanto a lucratividade da estatal.
Mas o que está evidente na posição bem mais confortável do Brasil nos dias de hoje é que o petróleo (que me perdoem os ecologistas) continua sendo o insumo mais importante da economia mundial, depois da água, que mata a sede e afeta o saneamento básico, irriga lavouras e gera energia limpa nas hidroelétricas. Neste sentido, além do trunfo do pré-sal, um ativo tão estratégico como o petróleo no subsolo de águas ultra profundas na Margem Equatorial, em especial na chamada bacia da Foz do Amazonas, não pode ser desprezado.
A Petrobras tem cabedal provado nas bacias de Campos e de Santos que pode fazer exploração e produção de petróleo na conta do Amapá sem causar danos ao meio-ambiente.
A reunião dos países do Brics de 3 a 5 de julho, em Brasília, deve reforçar a importância estratégica do entrosamento do comércio entre os seus membros, que reúnem importantes produtores e compradores de petróleo. Na primeira crise do petróleo, em 1973, o Brasil só produzia 15% do seu consumo de petróleo. Na segunda crise (de dezembro de 1979, quando eclodiu a guerra Irã e Iraque (os maiores fornecedores do país), o Brasil dependia de 80% do petróleo importado.
Agora, somos exportadores líquidos de petróleo (o campo de Búzios, o maior do pré-sal, acaba de embarcar 1 milhão de barris para a China) e eventuais importadores de diesel e GNL, mas caminhamos para a autossuficiência com a retomada de investimentos da Petrobras nas refinarias e no uso do gás da Bacia de Santos. Temos de proteger o meio ambiente, mas não podemos ficar vulneráveis em combustíveis, nem perder oportunidades de exploração de riqueza natural como as gigantescas reservas do litoral do Amapá.