
O OUTRO LADO DA MOEDA
Quando a política ignora a realidade fiscal
Publicado em 18/06/2025 às 13:53
Alterado em 18/06/2025 às 13:53

Como é quase certo que o Fed e o Banco Central manterão os juros inalterados hoje, diante das incertezas causadas pela guerra entre Israel e Irã, vamos falar de política, com o embate entre o Congresso e o governo no front fiscal. A Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda apontou em estudo recente que os 0,01% brasileiros mais ricos pagam hoje uma alíquota efetiva média de 5,67% de Imposto de Renda, abaixo de pessoas com renda menor, defendendo a aprovação da reforma proposta pelo governo para reduzir a regressividade tributária.
O estudo mostra que a taxação progressiva do IR é limitada, crescendo até uma alíquota efetiva de 12% para os contribuintes com renda mensal de R$ 23,2 mil. A partir desse rendimento, a taxação passa a ficar mais baixa quanto maior for a renda. Por isso, o projeto de reforma apresentado pelo governo para 2026 -- e ainda não votado pelo Congresso Nacional - propõe uma ampliação da isenção de IR para quem recebe até R$ 5 mil por mês e uma redução do imposto para rendas até R$ 7 mil, benefício que seria compensado por uma taxação mínima de até 10% sobre os mais ricos.
“A combinação da isenção para a base de contribuintes com o imposto mínimo para altas rendas é um passo importante para a mitigação da distorção de regressividade do IR no topo da distribuição”, informou a SPE. Com a reforma proposta pelo governo, o imposto mínimo produziria impacto sobre o grupo dos 0,7% contribuintes mais ricos do país.
O Congresso dá o troco no governo
Mas havia urgência de corrigir as distorções imediatas. Por isso, a Fazenda enviou ao Congresso uma Medida Provisória para entrar em vigor em 120 dias, com algumas elevações pontuais de impostos sobre aplicações financeiras. Em meio século de cobertura do mercado financeiro, tais ajustes eram feitos periodicamente pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
Entretanto, presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB) cedeu às pressões da oposição que não se conforma por Motta, pressionado pelo governo, ter colocado na demorada fila o pedido de urgência para o projeto de anistia aos radicais do 8 de janeiro, que visava, no fundo, anistiar o núcleo golpista, em especial o ex-presidente Jair Bolsonaro, das acusações de tentativa de golpe de Estado.
Na noite dessa terça-feira (17), como preâmbulo da batalha contra o IOF e outros impostos sobre as aplicações financeiras, o Congresso Nacional derrubou parte dos vetos do presidente Lula a “jabutis” na lei que regulamenta a instalação de equipamentos para energia eólica em alto mar (“offshore”) no país. Os vetos derrubados obrigam a contratação de usinas geradoras de energia, o que será pago por todos os brasileiros por meio das contas de luz (o que já compromete a proposta do governo de reduzir as contas de quem consome até 120 KW mensais em 2026).
O impacto dos vetos derrubados é de R$ 197 bilhões no total até 2050, de acordo com a Abrace, associação que representa grandes consumidores de energia. Jabuti é o jargão dado no Congresso a trechos pendurados em projetos de lei que nada têm a ver com o tema original (de energia eólica). Ou seja, numa política suicida, o Congresso já elevou em quase 40% o rombo das isenções tributárias atualmente de R$ 500 bilhões.
'Wall Street Journal' critica projeto Trump
Nos Estados Unidos, as críticas partem do austero “Wall Street Journal” à proposta de mudança de impostos (o Mega Bill) da administração Trump, piorada pela Câmara, que prevê piora no cenário de déficit. Segundo o WSJ, o megaprojeto de lei de impostos e gastos dos republicanos aumentaria os déficits orçamentários em US$ 2,8 trilhões até 2034, após levar em conta o crescimento econômico projetado que a iniciativa criaria, resultando em 15% a mais de prejuízo do que o estimado anteriormente, de acordo com o Congressional Budget Office (CBO), que inspirou no Brasil a respeitada Instituição Fiscal Independente, presidida pelo economista Felipe Salto.
A análise do CBO sobre o projeto de lei aprovado pela Câmara enfraquece um dos principais argumentos dos republicanos em favor da legislação. Os autores do projeto argumentam que os críticos estão ignorando o “boom” econômico que os cortes de impostos e outras políticas do presidente Trump criariam. Essa economia maior e de crescimento mais rápido, argumentam eles, geraria receita tributária adicional suficiente para cobrir a lacuna de US$ 2,4 trilhões entre os cortes de impostos e os cortes de gastos do projeto. Mas vale lembrar que a dívida pública americana ultrapassou os US$ 30 trilhões.
O presidente Trump deseja que o MegaBill seja aprovado para ser promulgado em 4 de julho, para comemorar a Independência dos Estados Unidos, mas o WSJ informa que os cortes no Medicaid propostos pelo Partido Republicano no Senado representam novos problemas para o megaprojeto de Trump. Embora tenham maioria de votos no Senado, os republicanos permanecem divididos em uma série de questões, que vão desde gastos com saúde à redução do déficit, passando por créditos fiscais para energia limpa e deduções fiscais estaduais e locais.
Uma revolta significativa do Partido Republicano em qualquer uma dessas questões pode ser fatal para a legislação, que precisa ser aprovada pelo Senado, controlado por 53 a 47 republicanos, e depois ser aprovada novamente na Câmara, que tem uma votação bastante dividida, comandada pelos republicanos. O jornal diz que o projeto de Lei Tributária do Senado, que pretende corrigir cortes de benefícios aos mais pobres, em benefício da classe média alta e dos mais ricos, “enfrenta problemas na esquerda e na direita”.
A notícia acrescenta que os “Cortes revisados do Medicaid e mudanças na energia limpa estão causando atrito entre os republicanos, enquanto as tensões sobre o SALT também persistem”.
Como se vê, os “lobbies” procuram beneficiar sempre o andar de cima, contrariando a criação original do Parlamento.