O OUTRO LADO DA MOEDA
Mercado de trabalho, nos EUA e aqui
Publicado em 01/11/2024 às 14:10
Alterado em 01/11/2024 às 14:10
O Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) decide na próxima quarta-feira, 6 de novembro, o nível das taxas de juros no Brasil. No dia seguinte, 7 de novembro, o Federal Open Market Committee – Fomc, o formulador da política monetária do Federal Reserve Bank, decide, já com o presidente eleito, o nível das taxas de juros dos Estados Unidos, que vai afetar boa parte da economia mundial.
Dois dados principais influenciam a decisão do Fomc a baixar os juros: o índice de inflação e o comportamento do mercado de trabalho, pois lá o Federal Reserve Bank, o banco central americano, tem dois mandatos básicos: controlar a inflação e promover o pleno emprego. O Índice de Preços ao Consumidor (IPC) subiu apenas 2,1% nos 12 meses terminados em setembro, estando praticamente dentro da meta de 2% para a inflação do Fed.
Já os dados do mercado de trabalho mudaram para pior radicalmente em outubro, segundo os dados do Payroll, divulgados hoje sexta-feira, pelo Departamento do Trabalho. Depois de 254 mil vagas fora do setor agrícola em setembro, os EUA criaram apenas 12 mil vagas em outubro. A expectativa da pesquisa da Reuters era de que economia norte-americana abrisse 113 mil vagas. Já a previsão de que a taxa de desemprego ficaria estável em 4,1% foi confirmada
Os dois dados, combinados reforçaram as apostas (98%) de que o Federal Reserve vá reduzir em 0,25% o nível de juros nos Estados Unidos, hoje na faixa de 4,75%-5,00%, para 4,50%-4,75% ao ano. Fortalecido pelo aumento do favoritismo do ex-presidente republicano Donald Trump, o dólar subiu nesta sexta-feira diante de quase todas as moedas. A exceção é a libra esterlina, que valorizava 0,60% às 11:25, hora de Brasília. O euro perdia 0,18% para o dólar, que subia 0,40% contra o iene e 0,525 em relação ao franco suíço.
Copom em sinuca de bico
Já o real, sob pressão dos investidores que apostavam no aumento do diferencial de juros entre o Brasil e os EUA, para atrair investimentos especulativos (o turismo de dólar no Brasil) sofreu forte desvalorização nesta sexta-feira. Depois de fechar ontem a R$ 5,7863, com alta de 0,41%, o dólar já abriu a R$ 5,7880 e ficou muito pressionado depois da divulgação do “payroll”, às 9:30 e escalou para R$ 5,83, às 11:45, com alta de 0,75%. O mercado está fazendo pressão para o Copom elevar a Selic em mais de 0,50% (dos 11,25%, já precificados, para 11,50% ao ano).
Com a expectativa de subida dos juros, que afeta os contratos dos mercados futuros de ações, moedas e commodities, as ações despencaram na B3, com os investidores se antecipando a uma futura escalada de juros, na espera da definição do Copom. O resultado foi que o Ibovespa, que fechara ontem em baixa de 0,71%, a 129.713 pontos, e abriu o dia em baixa a 129.350 pontos, voltou a cair fortemente abaixo de 129 mil pontos, situando-se na mínima de 128.750 pontos as 11:50, quando houve pequena reação para 128.844, às 11:55, com ajuste a 128.911 pontos ao meio-dia, baixa de 0,62%.
Se o Copom tivesse o mesmo mandato do Fomc dos Estados Unidos, estaria comemorando os dados do mercado de trabalho em setembro. Foram criadas 247,8 mil vagas líquidas de empregos (menos demissões) e o acumulado dos primeiros nove meses chegou a 1,981 milhões de novas vagas criadas. E os dados do desemprego na média trimestral de julho-agosto-setembro caiu para 6,4%, a menor taxa desde 2013. Em 2020 a taxa chegou a mais de 14% em plena pandemia.
Mas, aqui no Brasil, o aquecimento do mercado de trabalho – ainda que mais da metade da força de trabalho trabalhe sem carteira assinada ou por conta própria, na informalidade sem qualquer garantia para aposentadorias ou amparo em acidente de trabalho – é visto como uma situação ruim, com perigo de pressão inflacionária.
E, mesmo que a alta dos alimentos (no caso da carne atualmente e outros produtos) seja decorrente de problemas climáticos – que também atingiram a conta de energia elétrica residencial, que desceu do nível vermelho 2 para o amarelo em novembro – há economistas ligados à gestão de recursos, defendendo abertamente o argumento de que é preciso elevar os juros para evitar estouro da inflação.
Juro não combate fatos exógenos
Vale relembrar aqui que no ano eleitoral de 2022, quando a invasão da Ucrânia pela Rússia provocou uma escalada nos preços do petróleo e gás e nos alimentos (a Ucrânia era tradicional produtor de trigo e milho), o então ministro da Economia, Paulo Guedes, percebeu que o Copom jamais iria debelar a inflação, que já estourava as metas (5,50% era o teto), com aumento de juros.
O movimento só derrubava as chances de reeleição de Jair Bolsonaro. Guedes rasgou a cartilha liberal de quem já criticou os “expurgos do chuchu” na inflação e cortou os impostos federais e estaduais dos preços administrados pelo governo e que mais pesavam na inflação do IPCA: os combustíveis, em especial a gasolina, a energia elétrica residencial e as comunicações tiveram os impostos drasticamente cortados de 1º de julho a 31 de dezembro de 2022.
A inflação que estava em 12% em 12 meses caiu a 5,79% e não evitou o estouro das metas de inflação e muito menos a derrota de Bolsonaro. A reoneração dos impostos (e o repique da inflação) colocou o Banco Central na retranca ao longo de 2023, porque o presidente Roberto Campos Neto, arvorando sua independência funcional diante do Executivo, não dialogou com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que, de pronto, adiou a reoneração para janeiro de 2023 e depois espaçou a recuperação dos impostos, que só se completou este ano e em níveis bem inferiores aos vigentes em junho de 2022.
Para do desarranjo fiscal criticado pelo mercado e por Campos Neto vem da intervenção cirúrgica de Paulo Guedes, que, aliás, deixou outra pesada herança fiscal: um calote de mais de R$ 128 bilhões em precatórios caloteados desde o final de 2021, e que foram zerados este ano pelo governo Lula.
Como se vê, o uso da política monetária não é panaceia. Seu efeito é limitado em muitos males do país. A rigor, só contribui para esfriar a economia e aumentar o endividamento do setor público, das empresas e das famílias. E para concentrar a renda dos rentistas e engordar os bônus dos gestores financeiros que ganham dinheiro sem fazer muita força.