O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Mercado aguarda detalhes do bloqueio

Publicado em 19/07/2024 às 15:13

Alterado em 19/07/2024 às 15:13

A alta geral do dólar no mundo após o discurso de Donald Trump como candidato oficial na convenção do partido Republicano, no Milwaukke Stadium, no Wisconsin, prometendo onda de protecionismo e rigor na imigração, pondo fim à era da globalização, afetou a avaliação da reação do mercado financeiro brasileiro ao bloqueio de R$ 15 bilhões no Orçamento deste ano (R$ 11,8 bilhões de bloqueio e R$ 3,2 bilhões de contingenciamento) anunciados 5ª feira pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

O mercado espera o detalhamento das rubricas que foram revisadas, a ser conhecido na 2ª feira, 22, após divulgação do relatório de avaliação de receitas e despesas primárias do 3º bimestre. Para a LCA Consultores, “o contingenciamento de R$ 3,2 bilhões é bastante modesto. Provavelmente as projeções de receitas devem ter tido alterações marginais, sem incorporar integralmente perdas ou frustrações registradas até aqui com medidas relacionadas ao CARF e à desoneração da folha. Com a postergação das decisões sobre a desoneração para setembro, dificilmente haverá tempo hábil para ser operacionalizada uma compensação integral no último trimestre do ano”.

A consultoria destaca a dúvida “se foi incluída alguma receita não-recorrente nas estimativas, como concessões e dividendos, que podem contribuir para que o resultado fique mais próximo do piso da meta (-R$ 28,8 bilhões)”. Já o bloqueio nas despesas, de R$ 11,8 bilhões, “é relevante e provavelmente será usado para trazer algum grau de realismo para despesas obrigatórias que estavam subestimadas, como benefícios previdenciários. O bloqueio deve significar uma redução das despesas discricionárias e um aumento equivalente das despesas obrigatórias, mantendo o total das despesas no limite máximo de gastos já fixado”. Nas estimativas da LCA, “para trazer realismo integral às despesas obrigatórias deveria ser de R$ 25 bilhões”, o bloqueio.

Em resumo, apesar de o governo ter dado “um primeiro passo (...), pelos valores anunciados, o relatório do 3º bimestre parece novamente postergar a solução integral dos problemas para o fim do ano”.

Itaú queria mínimo de R$ 20 bi

Muitos dos cálculos (como o da LCA e do Itaú) foram feitos antes do governo obter uma vitória estrondosa de centena de bilhões de passivos tributários no Carf, bem como outras receitas extraordinárias, como o leilão de R$ 15 bilhões, referentes à oferta de 37,5 milhões de barris de petróleo da União, pela PPSA, no dia 31 de julho, na B3, para o qual já se habilitaram 10 petroleiras.

Em 20 de junho, o Itaú escreveu na Macro Visão: “Com dados até maio, Previdência e BPC demandam cortes de R$ 37 bilhões de outras despesas para que governo cumpra limite do arcabouço”. Na revisão do Cenário de Julho (dia 12) já dizia: “Para sinalizar a sustentabilidade da regra de despesas do arcabouço, julgamos que iniciativas de economia de gastos, como as reportadamente cogitadas pela equipe econômica, são fundamentais, incluindo um anúncio de um bloqueio de despesas de ao menos R$ 20 bilhões, idealmente mais próximo a R$ 30 bilhões”.

Há vários números em questão. Uns envolvem o Orçamento de 2024, outros o de 2025 e estudos mais abrangentes, como o Macro Visão do Itaú fazem um amplo diagnóstico: “A alta das despesas desde 2022 é puxada pelo (i) regime geral da Previdência (INSS), (ii) outros gastos vinculados ao salário-mínimo, como o BPC e (iii) aumentos em gastos em saúde e educação com a elevação dos respectivos limites mínimos. Além do retorno da política de reajustes reais ao salário-mínimo, a alta nos dois primeiros grupos decorre de um forte aumento do número de beneficiários, principalmente nas modalidades que não foram impactadas pela Reforma da Previdência (EC 113/19), como é o caso dos benefícios por incapacidade e do BPC”.

“A dinâmica parece estar relacionada a simplificações e automações adotadas de modo a facilitar e agilizar a concessão desses benefícios que demandam uma comprovação ou perícia. No entanto, até o momento, essas iniciativas não geraram maior eficiência na identificação de eventuais irregularidades, apenas um aumento no número de beneficiários”.

Propomos três grupos de medidas de controle de despesas: (i) medidas administrativas, com foco na implementação de um bloqueio de despesas discricionárias no curto prazo, (ii) uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para dar sustentabilidade aos gastos, com foco na revisão dos limites mínimos de saúde e educação, desvinculação do salário-mínimo de benefícios sociais não-contributivos e o fim do Abono Salarial e (iii) um projeto de lei para correções nos gastos obrigatórios federais, com foco na identificação de fraudes em benefícios da Previdência e subsídios, reduções de distorções na Previdência militar e privilégios de parte minoritária do setor público, além do uso dos recursos do FGTS como suporte ao seguro-desemprego. Conjuntamente, as medidas aqui propostas podem economizar até R$ 145 bilhões (em valores de hoje) ao final de 2 anos em 2026 (1,3% do PIB)”.

Genial pessimista

Cético foi o comentário do economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo: “À medida que se aproxima a data de divulgação do Relatório de Receitas e Despesas do governo federal, na 2ª feira dia 22 de julho, aumenta a preocupação dos investidores com o tamanho do contingenciamento e corte de gastos que será anunciado para atingir a meta de equilíbrio fiscal em 2024. A expectativa dos investidores é de um corte/contingenciamento próximo a R$ 12 bilhões, quando o consenso é que seria necessário algo próximo a R$ 25 bilhões para atingir a meta de déficit zero. Segundo a IFI (Instituição Fiscal Independente do Senado) para atingir déficit zero seria necessário um corte de gastos de R$ 57,7 bilhões”. [por sinal é quase o tamanho da mordida de R$ 59 bilhões dos políticos no Orçamento Geral da União deste ano].

Inflação esfria com a China

O crescimento mais fraco para a China em relação às expectativas medianas de mercado, já estava previsto nos cenários do Itaú. Isso tem impacto nas receitas com a venda de “commodities” (preços em queda exigem mais volumes para manter as receitas). O outro lado da moeda é que o menor dinamismo chinês, ao moderar a demanda por commodities, ajuda a desinflação global, reafirmando expectativas de "pouso suave" nas economias centrais. Só falta o Fed (assustado com o ímpeto da indústria americana em junho) iniciar a baixa dos juros para uma coisa compensar a outra.

Prevenir é melhor que remediar

O Brasil agiu rápido ao bloquear exportações de carne de frango após a ocorrência de casos da doença Newcastle no município de Anta Gorda, no Rio Grande do Sul. Em ofício do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal da Secretaria de Defesa Agropecuária (Dipoa) do Ministério da Agricultura e Abastecimento aos frigoríficos, foram suspensos os embarques de produtos avícolas de todo o país, incluindo ovos, à Argentina e União Europeia.

O Brasil é o maior exportador de carne de frango do mundo e faturou um total de US$ 9,796 bilhões no ano passado, superado pelos US$ 10,541 bilhões das exportações de carne bovina. As vendas externas de carne suína renderam US$ 1,48 bilhão, levando o complexo carne a faturar US$ 21,8 bilhões. Cuidar da saúde animal é prova de respeito ao consumidor. Exportar um lote contaminado por levar à suspensão de vendas para um país que levou anos para ser conquistado. Espera-se que o Dipoa tenha tomado providências para impedir que a carne de frango embargada não seja vendida no Brasil.

Como dizia o ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, “a carne de frango é o milho e a soja vendidos no mercado futuro de 40-45 dias” (tempo do abate). Ou seja, gera mais valor agregado e empregos do que a venda de soja e milho em grão. A grande safra de grãos do ano passado tornou a ração mais barata e a carne de frango mais competitiva. O Japão voltou a superar a China como maior comprador de carne de frango do Brasil em 2023 (55,4 mil toneladas, contra 50,3 mil t. para a China). Os Emirados Árabes Unidos compraram 44,5 mil t., a Arábia Saudita, 39,5 mil t. e a África do Sul, 31,2 mil t.

A venda de produtos avícolas e ovos do RS foi suspensa para 32 mercados: África do Sul, Albânia, Arábia Saudita, Bolívia, Casaquistão, Chile, China, Cuba, Egito, Filipinas, Geórgia, Hong Kong, Índia, Jordânia, Kosovo, Macedônia, México, Mianmar, Montenegro, Paraguai, Peru, Polinésia Francesa, Reino Unido, República Dominicana, Siri Lanka, Tailândia, Taiwan, Ucrânia, União Econômica Euroasiática, Uruguai, Vanuatu e Vietnã.

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