O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

BC: como o Congresso pensa rasteiro

Publicado em 18/07/2024 às 18:01

Alterado em 18/07/2024 às 18:01

Salvo engano meu, o Congresso Nacional não tem um membro, na Câmara e no Senado, expoente em finanças públicas e especialmente especialista em mercado financeiro. Não falo da habilidade de acompanhar as cotações, que são, numa doença, os graus de febre apontados no termômetro, ou ainda o oxímetro, aparelho posto no dedo indicador, que mede a capacidade pulmonar.

Me refiro a político que entenda da gênese da economia, do funcionamento do mercado financeiro e da necessidade de supervisão e acompanhamento permanente de imensa massa de recursos que gira e muda de mãos a cada segundo pelos diversos instrumentos financeiros. Até a legislatura passada o Senado tinha José Serra. Em tempos recentes, a Câmara dos Deputados teve Cesar Maia e Francisco Dornelles. Em tempos mais remotos, ocupou cadeira nas duas casas o ex-ministro do Planejamento, Roberto de Oliveira Campos.

Nos tempos atuais, os políticos conservadores têm como parâmetro o atual presidente do Banco Central, Roberto de Oliveira Campos Neto. Sem qualquer demérito, RCN - que se revelou como executivo financeiro do Santander bem mais eficiente do que seu finado avô à frente do extinto Banco União Comercial (BUC), comprado pelo Itaú em agosto de 1974 - está muitos furos abaixo do avô, em matéria de conhecimento de economia, das funções do Estado como regulador e da responsabilidade dos políticos na elaboração das leis.

Coube a Roberto Campos, no Ministério do Planejamento, com a companhia de Octávio Gouvêa de Bulhões, na Fazenda, e assessoria de sumidades jurídicas dos anos 60, elaborar a Lei 4.595, de 31 de janeiro de 1964, que criou o Banco Central do Brasil e promoveu a reforma bancária. Adiante, em julho de 1965, a dupla Campos-Bulhões, com assessoria de José Luiz de Bulhões Pedreira, criou a Lei 4.728, para reformar o mercado de capitais no Brasil.

Em uma década o mercado financeiro brasileiro evoluiu muito. A partir da renegociação das dívidas externas com o Fundo Monetário Internacional, em 1967, o Brasil começou a receber muitos investimentos do eurodólar (o caixa livre das grandes multinacionais que circulava nos mercados globais). Foi preciso criar novos instrumentos, como as Letras do Tesouro Nacional, para o BC intervir diariamente no “open market” para enxugar o excesso de liquidez.

Os milionários na arbitragem de juros

O “open market” deu muita agilidade ao mercado (operadores que souberam fazer arbitragem entre os juros correntes e as projeções da inflação (contida e manipulada por Delfim Neto no governo Médici e que viria à tona na correção monetária nos títulos públicos ficaram milionários e criaram bancos e compraram grandes empresas, como o trio Jorge Paulo Lehman, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira. [Estes viram, na Americanas, como a falta de controle gera fraudes bilionárias (R$ 25 bilhões), mas isso é outra história].

Entretanto, como nem ações nem títulos públicos eram escriturados, nem o Banco Central tinha capacidade de fiscalizar, ocorreram fraudes sucessivas com ações nas custódias das corretoras e, depois, com títulos negociados no mercado aberto sem as garantias que só vieram no fim dos anos 70 (1979, quando é inaugurado o Sistema Especial de Liquidação e Custódia de Títulos Públicos (que fazia o “clearing” a troca de titularidade dos papéis simultânea à compensação financeira das operações).

Hoje Selic dá nome à taxa de juros dos títulos públicos do Tesouro determinados pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central. Mas no mercado de capitais, um novo avanço regulatório veio com a criação, por Bulhões Pedreira e equipe, da Nova Lei das Sociedades Anônimas (6.404), em 7 de dezembro de 1976, acompanhada da Lei 6.385, que criou na mesma data a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para fiscalizar o mercado.

A B3 mostra a complexidade dos mercados

Acontece que vários instrumentos financeiros, inclusive híbridos foram criados nos últimos anos, inclusive com as criptomoedas e instrumentos que fogem ao controle do Banco Central do Brasil, que fiscaliza as instituições financeiras e os novos meios de pagamento (cartões de crédito e débito e o PIX), e à própria CVM. O xerife do mercado de capitais, inspirado na Securities Exchange Comission (SEC), criado por Roosevelt para superar os traumas da Grande Depressão e evitar fraudes no mercado, tem atuação limitada quando surgem negociações paralelas, com falsos agentes autônomos de investimento (não credenciados na CVM nem na Anbima) que iludem incautos com lançamento de títulos não escriturados (sem registro na B3, que engloba mercado à vista e futuro de ações, juros, índices e commodities, balcão e câmaras de “clearing”).

A CVM e o BC punem negociações fraudulentas e fazem alertas para irregularidades, mas os instrumentos da internet e a IA criam novas armadilhas aos incautos. Falta longo aprendizado financeiro. A experiência amarga dos Estados Unidos com a crise do subprime de 2008, que levou à quebra do Leman Brothers em setembro daquele ano e gerou a crise financeira mundial, fizeram as autoridades reforçarem a troca de informações entre a SEC, o Federal Reserve Bank, o Banco Central dos EUA) e o órgão de supervisão. No Reino Unido houve a criação de uma entidade superiora aos mercados.

Pensar grande ou pequeno?

Por isso, chega a ser ridículo, descasado da realidade, o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) do senador Vanderlan Cardoso (PSDB-PA), alimentado pelo Banco Central (leia-se RCN), de ampliar a independência funcional ao Executivo (conferida pela Lei 179, de fevereiro de 2021) ao Banco Central do Brasil, para estender a independência financeira perante o Tesouro Nacional. Pela legislação vigente, quando o BC tem resultado positivo, deve transferir a maior parte do resultado ao Tesouro Nacional no exercício seguinte; quando tem prejuízo cabe ao TN cobrir o rombo. Os últimos balanços mostram grande oscilação nos resultados que não dá garantia à autonomia financeira.

Em 2021, o Banco Central teve lucro de R$ 71,681 bilhões transferido ao Tesouro Nacional em janeiro de 2023. Já em 2022, o BC fechou com prejuízo final líquido (o rombo original foi de R$ 298 bilhões, coberto com reservas de lucro e redução de patrimônio) de R$ 36,536 bilhões, coberto pelo TN em janeiro de 2024. O resultado de 2023 foi negativo, em termos líquidos, de R$ 112,2 bilhões. No 1º trimestre deste ano, o BC teve ganho de R$ 15,170 bilhões. No mesmo período de 2023, ganhou R$ 11,579 bilhões, mas fechou o ano com perda de R$ 114 bilhões.

Pensando grande, o Ministério da Fazenda, que comanda o Conselho Monetário Nacional, o órgão máximo da formulação da economia e do mercado financeiro, do qual fazem parte o ministério de Planejamento e Gestão e o Banco Central, conseguiu adiar para agosto a votação da PEC da autonomia no Senado para então propor algo bem mais consistente, a fusão da Superintendência de Seguros Privados (Susep) ao Banco Central, para reforçar o poder de supervisão prudencial às instituições que mexem com a poupança popular, e a reformulação do papel de supervisão e controle do BC e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), tornando ambos responsáveis pelo mercado financeiro, mercados de capitais, de seguros e de previdência.

O BC ficaria responsável pela regulação prudencial, e a CVM, pelo monitoramento de conduta, nos moldes do Reino Unido. Me parece proposta bem mais racional. Lembro que ela estava cogitada em 2018, quando Fernando Haddad (PT) concorreu à eleição contra Jair Bolsonaro.

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