O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

BC gastou munição antes da hora

Publicado em 09/07/2024 às 14:01

Alterado em 09/07/2024 às 14:02

O último reajuste da gasolina e do GLP, em decorrência da escalada do dólar, deixou o Banco Central de Roberto Campos Neto sem munição para enfrentar as pressões adicionais que sempre se espalham pela economia – sobretudo no setor de serviços – quando há um aumento da gasolina, que tem o maior peso (6,74%) entre os 377 itens (bens e serviços) pesquisados mensalmente pelo IBGE no Índice Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede as despesas das famílias com renda até 40 salários-mínimos (R$ 56.480).

É que o Comitê de Política Monetária do Banco Central se precipitou, em vez de fazer intervenções pontuais no câmbio, gastou toda a munição que tinha interrompendo a queda da Selic em 10,50% em 19 de junho para tentar deter a escalada do dólar (que ocorreu em todo o mundo após o Federal Reserve reduzir de 0,75% para 0,25% a meta de baixa dos juros este ano, provocando valorização da moeda americana, dado o diferencial de juros favorável).

Como o dólar seguia em alta no mundo e chegou a R$ 5,70 na máxima em 26 de junho, antecedendo o especulado vencimento dos contratos futuros em 28 de junho na B3, o Banco Central ficou sem munição para tentar esfriar a especulação com o dólar. E o noticiário seguia alimentando opiniões do mercado financeiro (que estava operando contra o real) que a causa era a fragilidade fiscal, agravada pelas críticas do presidente Lula ao Banco Central.

A inversão da hierarquia democrática

Um comentarista de TV chegou ao absurdo de dizer que o presidente Lula (eleito com 62,3 milhões de votos) não podia criticar Roberto Campos Neto (aprovado no Senado em fevereiro de 2019 por 55 votos a favor, seis contra e uma abstenção) porque este tinha independência perante o Executivo. Ora, trata-se de uma total inversão do “múnus público”. A independência, aprovada pelo Senado em fevereiro de 2021, torna o BC imune a interferências diretas do Executivo na gestão de suas políticas, mas não o blinda de ser criticado pelo chefe do Executivo.

Nos Estados Unidos, Trump não se cansava de criticar o Federal Reserve (juros altos dificultavam a venda de seu encalhado patrimônio imobiliário, que não se recuperara do tombo da crise do mercado hipotecário de junho de 2008, que gerou a crise financeira mundial de agosto-setembro do mesmo ano. Os presidentes de Banco Centrais e os responsáveis pela área fiscal devem dialogar para evitar que na fraqueza da política fiscal se exacerbe o rigor da política monetária.

Volcker quebrou emergentes e a banca

No extremo exercício da independência a ferro e fogo tivemos, a partir de 1979, o rigor da política monetária aplicada pelo presidente do Federal Reserve. Paul Volcker, diante dos persistentes déficits fiscais dos Estados Unidos (sequelas da guerra do Vietnam e da corrida armamentista), foi promovendo inusitada e insana escalada de juros. A taxa dos “fed funds”, que historicamente flutuou em torno dos atuais 5,25% a 5,50%, bateu em 19% ao ano.

O resultado foi a quebradeira dos países emergentes que fizeram o ajuste de seus balanços de pagamentos afetados pela 1ª crise do petróleo, em setembro de 1973, com projetos de substituição de importações (caso do Brasil) e estímulo a fontes de energia não dependentes do petróleo. A construção de Itaipu foi iniciada com juros de 6% ao ano e carência de um ano e meio nos financiamentos, que chegavam até três anos nos créditos dos fornecedores para compra de bens de capital.

Quando os juros dobraram, os orçamentos foram para o espaço (e ainda pressionaram os déficits públicos. Ao triplicarem, o México declarou moratória, em agosto de 1982 e o Brasil ficou insolvente em setembro (mas o governo militar negociou em sigilo a ida ao FMI, só foi revelada após as eleições de 1982). A quebra dos países emergentes afetou duramente os balanços dos bancos mundo afora. Nos EUA, foram várias “Americanas”, em bilhões de dólares. Volcker deixou o Fed em 1987, substituído por Alan Greenspan.

Reconhecendo a culpa, o secretário do Tesouro, Nicolas Brady, que assumiu o cargo no 2º governo Reagan, em setembro de 1988, e comandou o Tesouro americano no governo de George H. Bush, reconheceu a culpa dos Estados Unidos na quebradeira dos países emergentes e criou, em março de 1989, um plano de recompra de títulos da dívida externa com desconto médio de 35% e co-participação (uma espécie de aval) do Tesouro do Tio Sam, que aceitava a dedução das perdas dos bancos em seus balanços).

Isso começou a resolver a crise da dívida dos países emergentes e ajudou a estabilizar o real em 1994, quando a dívida externa estava menor e alongada, e o país poupava dólar, com o crescimento da produção de petróleo na Bacia de Campos e o avanço dos saldos comerciais gerados pela soja no Centro-Oeste.

Voltando ao Banco Central, o cumprimento da meta pode estar comprometido este ano (3,00% de IPCA+1,50% de tolerância=4,50% de teto da meta) se o dólar não refluir este mês para compensar o impacto do reajuste da gasolina. A sorte do Banco Central é que o dólar vem baixando no mundo (e perante as moedas emergentes mais sob ataque (peso mexicano, peso colombiano, real e lira turca) além do iene. Hoje, feriado de 9 de julho em São Paulo, o dólar subiu no mundo, mas caiu no Brasil. Às 13 horas a baixa era de 0,73$% a R$ 5,43.

Genial vê teto da meta em risco

Para o economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo, “o reajuste da gasolina (R$ 0,20) e do GLP (R$ 3,20) pela Petrobras, divulgado ontem, coloca no horizonte a possibilidade de que a taxa de inflação em 2024 exceda o teto do intervalo da meta para a inflação (4,5%). Antes destes aumentos da gasolina e do GLP, nossas projeções apontavam para uma taxa de inflação de 4,3% em 2024”.

“As projeções indicam que o reajuste da gasolina deverá acrescentar 0,14 pontos de porcentagem e o do GLP 0,05 p.p à inflação do ano, o que significa um aumento de 0,19 p.p. [a LCA Consultores calcula o impacto final em 0,203%]. Como nossa projeção antes dos reajustes era de inflação em 2024 de 4,3%, a inclusão destes reajustes levaria o IPCA para 4,49% em 2024, no limite do intervalo de metas, que é 4,5%”, diz a nota da Genial.

“Entretanto, a projeção de 4,3% não leva em consideração a forte desvalorização do real frente ao dólar dos últimos 30 dias. Se supusermos que a taxa de câmbio permanecerá em torno de R$ 5,50 por dólar, que é como fechou o mercado ontem, teríamos um efeito adicional de aproximadamente 0,3 p.p., rompendo o limite superior do intervalo de metas para a inflação”, conclui a nota.

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