O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

[email protected]

O OUTRO LADO DA MOEDA

Inflação cai pra ricos e pobres

Publicado em 10/04/2024 às 15:20

Alterado em 10/04/2024 às 17:06

A inflação de março surpreendeu para baixo no índice dos ricos (o IPCA que mede as despesas das famílias com renda até 40 salários-mínimos – R$ 58.800), que caiu dos 0,83% de fevereiro para apenas 0,16%, quanto dos pobres (medido pelo INPC, que mede as despesas das famílias com renda até 5 SM – R$ 6.600), que subiu apenas 0,19%, contra 0,81% em fevereiro. No ano, o IPCA acumula alta de 1,42% e a taxa em 12 meses despencou de 4,50% em fevereiro para 3,93%; já o INPC acumula 1,58% em 12 meses e a taxa de 12 meses desceu de 3,86% em fevereiro para 3,40%.

Os números da desaceleração surpreenderam as previsões do mercado financeiro (entre 0,23% e 0,25%). Apesar da forte queda frente aos 0,95% de fevereiro, os preços dos Alimentos e Bebidas subiram 0,53% em março e acumulam, no ano, alta de 2,88%, mais do que o dobro do IPCA (1,42%). Os indicadores mostraram forte desaceleração em serviços (1,06% em fevereiro e 0,10% em março, garantindo a queda do IPCA de 0,95% para 0,43%). Os estudos que indicavam parada do processo de queda de juros no país podem entrar em rota de revisão. O índice de difusão de alta caiu 57% para 56% em março.

Petrobras ajuda na inflação
A Petrobras, cujo presidente Jean Paul Prates andou na berlinda esta semana, deu sua contribuição para segurar a inflação, com a nova política de preços que abandonou o PPI (paridade de preços internacionais) e usa mais os insumos domésticos (petróleo mais leve do pré-sal, que sai a menos de US$ 30 por barril para a estatal) e o parque de refino (que estava à venda).

Em março o botijão de 13 kgs de GLP subiu 0,36%, mas os combustíveis domésticos subiram 0,31% (acima da inflação de 0,16%), porque têm reajustes trimestrais. Entretanto, no acumulado do ano os combustíveis domésticos subiram 0,87%, abaixo da inflação de 1,42%.

Nos combustíveis veiculares, a gasolina subiu 0,21%, em parte puxada pela alta de 0,55% do etanol produzido pelos usineiros privados (que entra em 27% da gasolina comum). Mas o GNV teve queda de 2,21% e o óleo diesel ficou 0,83% mais barato, justamente no período de maior movimentação das safras agrícolas, o que ajuda a desacelerar a alta de preços.

No ano, os combustíveis acumulam alta de 2,71%, mas é em nível bem inferior aos 8,43% de aumentos acumulados até março de 2023, quando o governo estava promovendo a reoneração dos impostos (federais e estaduais) dos combustíveis, energia elétrica e comunicações, reduzidos provisória e eleitoralmente por Bolsonaro até 31 de dezembro de 2022, visando à reeleição. Ainda há pressões de preços reprimidos, mas a política de “abrasileirar” os preços dos combustíveis estabilizou o mercado (antes mais sujeito às oscilações internacionais e às variações do câmbio).

Falta apoio à agricultura familiar
As grandes lavouras e as grandes atividades do agronegócio não estão com preços ascendentes, como se temia. As frutas, hortaliças, legumes e tubérculos, lavouras suscetíveis a fenômenos climáticos como El Niño, (e às especulações dos atravessadores), é que estão puxando os preços para cima, anulando parte do impacto deflacionário das carnes (queda de 0,94% no mês e de 1,48% no ano) e do óleo de soja (queda de 0,97% em março, acumulando +0,94% no ano).

Isso reforça a necessidade de o governo Lula levar mais tecnologia, assistência técnica da Embrapa e mais maquinários de pequeno porte para as cooperativas e prefeituras que têm forte participação dos pequenos produtores nas lavouras de ciclo curto e sujeitas a oscilações de safras pelo clima.
A título de comparação, a alta trimestral dos Alimentos e Bebidas este ano (2,88%) está bem acima dos 0,80% no primeiro trimestre do ano passado, quando a alta final do índice foi de 1,03%, graças à queda de preços provocada pela supersafra de maio a setembro. Mas também está muito abaixo dos 4,88% acumulados em igual período de 2022, ano em que os Alimentos e Bebidas, que mais pesam no bolso, subiram 11,64%.

Cebola e tomate, que entram na composição de pratos da Páscoa, quando várias religiões evitam o consumo de carne, puxaram as altas, assim como os ovos. Em compensação, as carnes bovinas caíram 0,94% em março e acumulam baixa de 1,43% no ano. Uma das maiores altas do ano foi da banana-prata, que subiu 7,79% em março e acumula 26,61% no ano.


OLM


Copom terá de reavaliar trajetória
Antes do IPCA de março, vozes no mercado financeiro puseram dúvida sobre o processo de baixa da taxa Selic. O Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) só se comprometeu com uma baixa de 0,50 ponto percentual em 8 de maio (a taxa cairia a 10,25%), diante da indefinição de quando o Federal Reserve iniciará a baixa de juros nos Estados Unidos.

A LCA Consultores, em análise de conjuntura publicada ontem à noite, considerando o mercado de trabalho brasileiro aquecido, ao conferir resiliência ao consumo das famílias, defendeu “cautela na condução da política monetária”. Mas fez uma observação importante: “Neste começo de ano o consumo foi provavelmente "turbinado" pelo elevado pagamento de precatórios entre dezembro e fevereiro - vetor de estímulo que doravante tende a refluir rapidamente”.

Ademais, é importante salientar que o maior dinamismo do consumo das famílias no começo do ano não altera, ao menos por ora, a nossa projeção para o crescimento do PIB em 2024, que segue em 1,5%.
Isso porque há evidências de que a contração do setor agropecuário vem se acentuando; e pode ter efeitos indiretos adversos significativos sobre outros setores da economia.

Assim, embora nossa expectativa de que o Copom irá desacelerar o ritmo de corte da Selic a partir de junho venha sendo reforçada, por ora avaliamos que ele não interromperá o ciclo de flexibilização monetária.

Apesar disso, considera que “a solidez do mercado de trabalho, a resiliência da inflação de serviços e as expectativas inflacionárias ainda algo desancoradas aumentam a chance de que o BC venha a interromper o ciclo de flexibilização monetária antes de a taxa básica de juros alcançar nível considerado neutro”.
E acrescenta: “Outro fator que contribui para ampliar a incerteza quanto a qual será o nível da taxa de juros básica ao final do atual ciclo de flexibilização (vale dizer, qual será o nível terminal da Selic) é o comportamento das expectativas inflacionárias - que seguem um degrau acima do centro da meta. De fato, na versão mais recente da ata do Copom o Banco Central frisou que "as expectativas de inflação seguem desancoradas e são um fator de preocupação", sublinhando que "a redução das expectativas requer uma atuação firme da autoridade monetária, bem como o contínuo fortalecimento da credibilidade e da reputação tanto das instituições como dos arcabouços fiscal e monetário que compõem a política econômica brasileira".

Os dados do IPCA de março colocam o pessimismo em revisão.