O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Presidente da Petrobras já mandou em ministro

Publicado em 08/04/2024 às 14:36

Alterado em 08/04/2024 às 14:36

Quando a Petrobras, criada para garantir o abastecimento de combustíveis no país, com refinarias programadas para refinar o petróleo importado (do tipo mais leve) enfrentou a primeira crise do petróleo, em setembro de 1973, o Brasil produzia apenas 15% do petróleo consumido. Por isso, o presidente Ernesto Geisel, que comandara a estatal em 1969-73, ao assumir o governo, em 15 de março de 1974 nomeou ministro das Minas e Energia o ex-diretor financeiro da Petrobras, Shigeaki Ueki.

O conhecimento de Ueki com os governos e dirigentes das principais estatais da África e Oriente Médio (Arábia Saudita, Irã, Iraque, Argélia, Kuwait e Nigéria) que forneciam ao Brasil, era fundamental para negociar contratos de prazos mais longos. Ueki negociava com o poderoso presidente da Opep, o sheik Ahmed Zaki Yamani, ministro do Petróleo da Arábia Saudita e demais parceiros.

Mas o agravamento dos problemas de balanço de pagamentos de 1979 (quando a guerra entre Irã e Iraque gerou novo choque do petróleo e explodiu a crise da dívida externa, quando os Estados Unidos elevaram os juros a 20% ao ano, arrasando os cronogramas de endividamento dos países emergentes que estavam fazendo ajustes estruturais do primeiro choque em suas economias) demandou maior cuidado com a garantia de fornecimento de petróleo.

A Petrobras já descobrira o petróleo na Bacia de Campos em agosto de 1974 (em furo mundial do JORNAL DO BRASIL), mas a produção para valer só começa nos anos 80, quando a crise da dívida externa tornou o suprimento mais delicado, pois faltava crédito ao Brasil para comprar petróleo. Shigeaki Ueki foi nomeado presidente da Petrobras no governo do general Figueiredo (15 de março de 1979 a 15 de março de 1985).
Ueki veta nomeação de Cals e Figueiredo

E Ueki, que já fora ministro das Minas e Energia, mandava, de fato, mais do que o ministro da pasta de Figueiredo, coronel-engenheiro Cesar Cals de Oliveira, que fora governador do Ceará e Senador, mas cuja experiência em energia era mais concentrada em eletricidade. E a autonomia de Ueki na Petrobras, numa época em que a empresa não tinha lançado papeis na Bolsa de Nova Iorque (o que veio a ocorrer no governo FHC, na gestão de Henri Phillipe Reichstul, no começo deste milênio) era tão grande que Ueki derrubou uma nomeação para o Conselho de Administração da Petrobras em decreto assinado pelo ministro das Minas e Energia, Cesar Cals, e o presidente Figueiredo.

Na época, como a Petrobras era gerida como uma empresa pública, a composição do Conselho de Administração da companhia era por indicação do ministro das Minas e Energia, com eventual interferência de nomes indicados pelos ministérios da Fazenda e do Planejamento.

O caso em questão era a recondução do mandato do conselheiro Orfila Lima dos Santos. Nome ligado ao ex-presidente Geisel, Orfila era especialista em petroquímica, área em que a estatal entrou pelas mãos de Geisel quando presidiu a empresa, assim como criou a BR Distribuidora, para competir com as multinacionais Esso, Shell, Texaco e Atlantic na distribuição de combustíveis em postos de abastecimento. A única companhia brasileira de porte na distribuição era a gaúcha Ipiranga.
[por sinal, o mercado mudou totalmente: a Atlantic foi comprada pela Ipiranga (e depois pelo grupo Ultra), a Shell e a Esso saíram da distribuição com as redes assumidas pelo grupo paulista Cosan, com a bandeira Shell; e a BR foi privatizada no governo Bolsonaro como numa mesa de pôquer: no aumento de capital, o governo (Petrobras) pediu “mesa” e grupos privados, à frente o empresário Ronaldo Cezar Coelho, integralizaram o aumento de capital e assumiram o controle da companhia].

Mas voltando à recondução vetada por Ueki. Eu era editor de Economia do JB (não me recordo se o fato foi no fim de 1982 ou começo de 1983). O fato é que o noticiário copioso sobre a crise da dívida externa tirou espaço do registro da nomeação de Orfila Lima dos Santos. A sucursal de Brasília nos enviou o fac-símile do Decreto assinado por Cals e Figueiredo. Guardamos o papel.

Na noite, com o jornal já fechado, o setorista de Energia e Petrobras, o alagoano Jorge Oliveira, liga para a redação e me alerta que a assessoria do Ueki dissera que Orfila não seria reconduzido. Não havia tempo e espaço para incluir o alerta (talvez no Informe Econômiço). Esperei para ver e guardei o papel. De manhã, antes das 10 horas, Jorge me liga garantindo que Ueki ia revogar o decreto numa ida a Brasília.

Aí já tínhamos uma notícia que, confirmada ä tarde, mereceu chamada de primeira página do JB, com a transcrição do decreto onde a dupla assinatura, do presidente da República e do ministro das Minas e Energia valiam menos que a posição do poderoso presidente da Petrobras, Shigeaki Ueki.

Quando a produção de petróleo da Bacia de Campos foi diminuindo a dependência do petróleo importado (ainda que as refinarias não estivesses desenhadas para refinar o petróleo mais pesado da plataforma marítima de Campos, negociada com desconto no mercado internacional para a compra dos óleo mais leves importados), a importância estratégica da Petrobras e de seu presidente diminuiu um pouco.
Uma nova governança

O lançamento de ADRs na Bolsa de Nova Iorque e a aceitação pela Bovespa (atual B3) da negociação de papeis por investidores estrangeiros em seu pregão mudou a estrutura de governança da Petrobras e da composição do seu Conselho de Administração. Nos governos Lula e Dilma, a começar pela própria que era ministra das Minas e Energia até assumir a Casa Civil, em 2007, a presidência do CA foi de Dilma e depois do ministro da Fazenda Guido Mantega, que teve companhia da ministra do Planejamento Miriam Belchior e do presidente do BNDES, Luciano Coutinho, que foi o último presidente do CA no segundo governo Dilma. Ou seja, havia uma diretoria colegiada.

Depois da Lava-Jato, a Petrobras reconstruiu a governança, com controles mais efetivos para impedir decisões isoladas de diretores sem passar pelo CA. Mas faltou definir o que fazer com as receitas de privatizações de ativos, preferencialmente usados para abater dívidas.

Estrangeiros levam 46,80% dos dividendos
Com a composição acionária deixada pelo governo Bolsonaro, que estava empenhado em privatizar a companhia se fosse reeleito, quando a Petrobras tem lucro, ainda que só em impostos de royalties, participações especiais e tributos obrigatórios tenha recolhido R$ 240 bilhões em 2023 à União, estados e municípios, a parte do leão dos dividendos sobre os lucros fica com os investidores.

De acordo com a composição atual, a União controla 50,26% das ações ON (com direito a voto), investidores nacionais detêm 8,43% do capital e os estrangeiros (na Bolsa de Nova Iorque ou na B3) controlam 41,31%. Nas ações PN (preferenciais na distribuição de dividendos), a posição da União cai para 18,48%, os investidores nacionais (fundos de pensão, de investimentos e indivíduos) controlam 25,02% o os estrangeiros abocanham 54,10% (12,62% em ADRs negociadas na NYSE e 41,28% na B3).

No total, os estrangeiros levam 46,80% dos dividendos, a União, 36,615 e os demais investidores brasileiros, 15,55%. Portanto, o grande barulho em torno da distribuição ou não dos 50% dos R$ 43 bilhões de dividendos retidos interessa ao Tesouro Nacional, receberia R$ 12 bilhões para reforçar o caixa contra despesas crescentes dos programas sociais e de investimento do governo Lula, mas a grande mordida seria dos investidores estrangeiros.

Pode-se trocar a presidência da companhia. Mas, sem mudar os estatutos da Petrobras não há como desviar a distribuição de lucros das suas atuais finalidades, entre as quais não estão clausular que reservem o reinvestimento de parte da venda de ativos em novos projetos, sobretudo na área de transição energética.

Petrobras