O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Orçamento: 2022 gera aumento do déficit

Publicado em 23/11/2023 às 17:27

Alterado em 23/11/2023 às 17:27

Com exceção da coluna de Miriam Leitão, na manhã desta 5ª feira no Globoonline, a imprensa não fez qualquer ressalva para explicar que a mudança, para cima, na estimativa do déficit federal para 2023, de -R$ 141,4 bilhões para -R$ 177,4 bilhões, foi causado sobretudo pelos cortes eleitoreiros de impostos federais e estaduais feitos por Bolsonaro em 2022. Lançada sem explicações a manchete desgatas a o governo Lula.

Miriam pôs o dedo na ferida. Ela acusou os próprios governadores, que apoiaram a decisão do então presidente Jair Bolsonaro, que usou, em junho de 2022, a tesoura do ministro da Economia, Paulo Guedes, para cortar (de julho a 31 de dezembro de 2022) impostos federais e o ICMS dos combustíveis (na gasolina e no etanol houve ainda zeragem do PIS/Cofins), energia elétrica e comunicações, de usarem agora aumentos de ICMS para compensar perdas de receitas, mas culpando o governo Lula e até a Reforma Tributária.

Para começo de conversa, a RT sequer foi aprovada no Congresso. Se o for, terá mudanças progressivas a partir de 2024-25 até 2030. Portanto, ainda não criou impacto algum na receita. Os estados do CO, Sul e Sudeste perderam receitas desde o 2º semestre de 2022, de bom grado, apostando na vitória de Bolsonaro e fiando-se na reoneração dos impostos em 1º de janeiro de 2023.

Um dispositivo garantia, este ano, a cobertura pela União (Tesouro Nacional) de eventuais perdas de receitas dos estados. No 1º semestre de 2022, com a escalada dos preços de combustíveis, fertilizantes e alimentos, em razão das sanções do Ocidente à Rússia pela invasão da Ucrânia, houve forte inflação que elevou a arrecadação junto com as medidas do governo para turbinar o PIB (antecipação do INSS e saques do FGTS) e aumentos do Auxílio Emergencial e mesadas de R$ 1 mil a taxistas e caminhoneiros.

Os governadores que se dispuseram a aumentar o ICMS são dos três estados do Sul (os de SC e Paraná apoiaram a campanha de Bolsonaro; o do RS, do PSDB, não apoiou Lula) e, além destes, dos estados de SP, MG, RJ, GO, MS e MT , que foram aliados de Bolsonaro. Lula ganhou apertado em Minas e se elegeu com a diferença dos votos dos estados do Nordeste e do Norte, justamente onde estão concentrados os eleitores de menor renda do país.

O único motivo de reclamação dos governadores em relação a Lula seria o fato de que a reoneração não veio em 1º de janeiro. Antes mesmo da tentativa de golpe contra os Três Poderes, no 8 de janeiro, em Brasília, as arruaças na noite de 12 de dezembro, quando Lula e Alkimin foram diplomados pela Tribunal Superior Eleitoral (antecipada em uma semana) pelo prenúncio da resistência dos bolsonaristas acampados diante de quartéis em Brasília, levaram a Lula adiar a medida para não gerar forte inflação e desgaste na largada do governo.

A reoneração começou em março e de forma escalonada, mas sem retorno às alíquotas anteriores no ICMS, por exemplo. Na gasolina, o Rio de Janeiro chegava a cobrar 32% de ICMS, nível estendido à energia elétrica e às tarifas de telefone. Em MG, era de 30%. O governador Cláudio Castro (PL-RJ), em campanha pela reeleição, apoiou a redução do ICMS de 32% para 18% em 1º de julho. Nos demais estados a alíquota máxima era de 17%.

Choro de Castro e Zema não cola

Castro privatizou a Cedae e se jactou, até agosto deste ano, de que as contas no RJ estavam em dia. Mas antes, em 2022, tratou de torrar boa parte do caixa amealhado com a venda da estatal em parcerias eleitoreiras para asfaltamento de estradas estaduais com as prefeituras do interior do estado. Como era previsível, o asfalto acabou às vésperas de outubro (quando a reeleição já estava garantida no dia 3) e as finanças estaduais voltaram ao vermelho já em outubro de 2023. Agora quer renegociar o acordo de recuperação fiscal do RJ!

O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo-MG), não ficou atrás em sua desfaçatez. Alardeou na campanha de reeleição - na qual só ficou coligado com Bolsonaro, oficialmente, no 2º turno, depois de garantir vitória no 1º turno - que as finanças de Minas estavam saneadas. Mas, mineiro é desconfiando e sempre suspeito que tem “peixe embaixo do angu”. Bingo!

Zema disse agora que Minas está quebrada e quer a ajuda do Tesouro Nacional para um plano de recuperação fiscal. Diante de uma dívida impagável (Zema e Castro, bem como os demais governadores deviam culpar o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que tanto glorificam pelas altas taxas de juros que oneram as dívidas e ainda esfriam a economia e a arrecadação). Mas querem a bênção de Lula e Haddad.

Qual um mascate que junta todas as tralhas para iludir o freguês, Zema quer entregar ao Tesouro Nacional algumas das maiores estatais mineiras, como a Cemig (energia elétrica), a Copasa (água e esgoto), empresas de mineração etc. A cara de pau vem do fato de que Zema se elegeu com o discurso da privatização, mas quer salvar os dedos (e o reajuste de 150% no seu salário) entregando os anéis, as joias da Coroa Mineira.

Além de usar o patrimônio das empresas para abater as dívidas do Tesouro Nacional (a intenção do governo Lula era recomprar o controle da estratégica Eletrobrás, não ficar com a Cemig, a estatal mineira de energia), Zema quer transferir direitos de MG a recebíveis. Entre os quais estariam os nebulosos direitos creditórios pendentes de decisões judiciais referentes aos processos de desastres das barragens da Vale no estado (Mariana e Brumadinho).

Os estouros do Banco Central

Mas não têm sido só as transferências da União para compensar os estados pela postergação na volta da reoneração dos tributos cortados eleitoralmente por Bolsonaro em 2022, as maiores causas da frustração na marcha das receitas X despesas. O aumento de R$ 36,5 bilhões na previsão do déficit primário (sem contar os juros da dívida) do setor público foi causado pela: 1- antecipação de despesas em R$ 16,3 bilhões pela compensação das perdas de ICMS de estados e municípios (ontem mesmo Lula autorizou a transferência de R$ 15,4 bilhões aos fundos de participação das entidades federativa); 2 - pela retirada de R$ 12,6 bilhões esperados com a transferência de depósitos judiciais da CEF para o TN, que deve ficar para 2023.

Por fim, houve uma reavaliação, para menos em R$ 9,0 bilhões nos recolhimentos de diversos impostos e contribuições. Como as despesas no governo Lula aumentaram com a retomada de programas sociais abandonados por Bolsonaro, está se abrindo uma boca de jacaré em relação às previsões.

Mas há culpa do Banco Central na frustração das receitas. Ao manter os juros básicos (taxa Selic em 13,75% ao ano até 2 de agosto), o Copom desacelerou a economia além da conta no 2º semestre e impediu que a indústria e o setor de serviços, em especial o comércio, engrenassem uma 3ª ou 4ª marcha para sustentar a economia (que deve ter PIB negativo no 3º trimestre e pode ficar no zero a zero no último período do ano).

E a culpa do Banco Central não se resume à trava que os juros altos estão causando no PIB e na arrecadação. No balanço das contas públicas de setembro, divulgadas pelo BC em 8 de novembro, vê-se que o BC de Campos Neto teve 1/3 das despesas do Governo Federal em agosto (R$ 24,699 bilhões, para déficit de R$ 76,8 bilhões); em setembro, o BC perdeu mais: R$ 27,78 bilhões, contra R$ 61,4 bilhões do Governo Federal.

Hora da cara, no Bradesco

Quanto assumiu a presidência do Banco Bradesco, em 2009, vindo de um período à frente da Bradesco Seguros e Previdência, o atual presidente do Conselho de Administração, Luiz Carlos Trabuco Cappi cunhou a expressão: “o Bradesco é uma moeda de duas faces: a do banco e a da seguradora”.

Trabuco ficou na presidência até janeiro de 2018, quando foi substituído por Octávio Lazari Junior, também vindo do comando do ramo segurador, 100% controlado pelo banco. A rigor, a sucessão era para ter sido realizada dois anos antes. Mas a morte, em 30 de junho de 2016, em desastre de avião, do então presidente da Seguradora, Marco Antônio Rossi, que sucederia a Trabuco no Bradesco, adiou a troca de comando no grupo. Lazari sucedeu a Rossi e após um ano e meio na presidência da seguradora assumiu o comando do Banco.

A gestão de Lazari enfrentou períodos difíceis no país. Primeiro, com a eleição de Bolsonaro, em outubro de 2018. Depois, com o impacto da pandemia da Covid-19, em março de 2020, que afundou a economia até meados de 2021 e forçou forte uso de aplicativos pelos clientes, gerando desativação de agências. A perda de “float”, a partir da criação do PIX, em outubro de 2020, acentuou as dificuldades do sistema bancário e do 2º maior banco privado do país.

Mas nada se compara às perdas causadas pelo calote da Americanas, da qual o Bradesco tem sido o banco mais afetado. No balanço do 4º trimestre de 2022, quando o banco deu pesadas baixas para provisões de devedores duvidosos, o lucro só não foi negativo porque a Seguradora bancou o tranco. A situação melhorou, mas continuou ruim até o 3º trimestre, quando a seguradora defendeu metade do lucro líquido.

Assim, a escolha de Marcelo Noronha, que era vice-presidente de Varejo do Banco desde o começo do ano (após dirigir a divisão de Atacado do banco) mostra a prioridade que o caso Americanas e os respingos em todo o comércio varejista e na clientela pessoa física, exigem, com a manutenção de juros reais elevados por tanto tempo. Noronha também tem experiência na área de cartões de crédito, das mais espinhosas em todo o sistema financeiro.

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