O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Como operar numa Emergência sem limites?

Publicado em 30/06/2022 às 12:34

Alterado em 30/06/2022 às 12:54

Gilberto Menezes Côrtes JB

A intenção inicial, explicitada pelo relator da PEC 1/2022, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), que fundiu a PEC 16 com a PEC 18 e abriu caminho para uma série de bondades eleitorais, embaixo da lona da instituição do “estado de emergência para o ano de 2022”. Criou série resistência no Senado que teve de adiar a votação para hoje, amenizando o texto. Mas deixou o mercado financeiro ressabiado com o principal objetivo da PEC, que é, ao menos formalmente, contornar a lei eleitoral e criar novas despesas no orçamento de 2022.

Na análise da LCA Consultores, “a PEC cria diversos gastos que serão desconsideradas de todas as principais regras fiscais: da meta de resultado primário, da regra de ouro e do teto de gasto, pois, por definição, serão realizados via créditos extraordinários. Os impactos nos próximos 6 meses podem chegar ao redor de R$ 41,2 bilhões”, calcula a consultoria.

Segundo a LCA “, em termos quantitativos a despesa não é tão grande, uma vez que o ano tem mostrado forte crescimento da receita e, mesmo com implantação dessas medidas”. Apesar do déficit primário de R$ 39,4 bilhões em maio, a LCA considera que “2022 ainda deve registrar superávit primário no ano e queda da dívida bruta como percentual do PIB” (que estima que crescerá 1,6% ou um pouco mais).

Mas, do ponto de vista mais geral, porém, a consultoria aponta “diversos pontos controversos na proposta: com mais uma alteração constitucional para temas discutíveis, mais uma rodada de enfraquecimento das regras fiscais, violação dos princípios da lei eleitoral, risco de extensão ou perenização de novos gastos (...). Por fim, no relatório há um inciso preocupante, que afirma que as medidas implementadas observarão "a não aplicação de qualquer vedação ou restrição prevista em norma de qualquer natureza". Ou seja, vale tudo, a despeito de qualquer outro regramento existente.

 

Reprise de novela antiga

A Genial Investimentos lembra que a percepção do estouro de gastos e suas consequências vem provocando um forte ajuste nos preços dos ativos.

Para cumprir os objetivos do relatório do senador Fernando Bezerra, o reconhecimento do Estado de Emergência permitirá a criação de créditos extraordinários, fora do Teto de Gastos, para bancar a criação e expansão de benefícios sociais que totalizam R$ 38,8 bilhões às vésperas das eleições. O montante a ser gasto supera o valor da proposta original de R$ 29,6 bilhões e seria uma forma mais direta de auxiliar os mais vulneráveis. Pelo relatório, a proposta que inicialmente previa a compensação para estados que zerassem o ICMS agora traz cinco benefícios válidos até 31 de dezembro de 2022:

I) Aumentar o Auxílio Brasil para R$ 600 e zerar a fila (expandindo o benefício para mais 1,6 milhão de famílias) com impacto de R$ 26 bilhões;

II) Auxílio Gás bimestral de R$ 120 com impacto de R$ 1,05 bilhões;

III) Auxílio Caminhoneiro de R$ 1 mil para 870 mil caminhoneiros autônomos, com impacto de R$ 5,4 bilhões;

IV) Compensação para garantir a gratuidade de transporte público para idosos, com custo de R$ 2,5 bilhões;

V) Compensação para redução do preço do etanol hidratado previsto no PLP 18/2022, visando manter a competitividade do biocombustível frente à gasolina, com impacto de R$ 3,8 bilhões.

Na visão da Genial “diante desta elevação de gastos baseados em créditos extraordinários, o mercado segue bastante apreensivo e cauteloso por conta da elevação do risco fiscal. Soma-se a isso o efeito permanente da queda da arrecadação pública dos governos estaduais e municipais resultante da implementação do Teto do ICMS que promove a renúncia fiscal de cerca de R$ 45 bilhões em 2022 e R$ 90 bilhões nos demais anos. A significativa resposta do mercado reflete o retorno do ambiente de elevada incerteza em torno do arcabouço fiscal brasileiro, sendo uma reprise de uma novela cujo final não vale a pena ver de novo.

 

Relatório de Inflação traz mais incertezas

O Banco Central divulgou hoje a íntegra do Relatório Trimestral de Inflação, cujas linhas mestras antecipara em 23 de junho. Com as incertezas da conjuntura internacional agravadas pelo quadro interno, diante da pressão do governo Bolsonaro para romper os parâmetros fiscais na busca pela reeleição, o mercado financeiro ficou mais desorientado com a falta de convicção da autoridade monetária quanto ao futuro imediato e além (2023).

O RTI indicou que o fim do ciclo de aperto está próximo (o mercado acredita que uma alta de 0,5% em 3 de agosto encerre o ciclo, com a Selic em 13,75% ao ano), mas o alto grau de incerteza impõe cautela nas estratégias da autoridade monetária. As projeções centrais do BC apontam para o IPCA acima da meta em 2022 em 8,8% (a meta é de 3,5%, com tolerância de 1,5 ponto percentual) e de 4,0% em 2023, cuja probabilidade de estouro da meta (3,25% + 1,5 p.p. de tolerância) aumentou de 12% para 29%.

Com três anos de estouro (2021, 2022 e supostamente 2023), com o mandato que a atual direção tem até 31 de dezembro de 2024, o Banco Central já está incorporando o ano de 2024 no horizonte da política monetária para ver se acerta. Por ora, o BC prevê inflação de 2,7% em 2024. Diante do que pode mudar no país, é só uma meta, que não consegue ser defendida pelo “goleiro”.

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