O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

BC desmente Bolsonaro sobre energia

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Publicado em 19/05/2022 às 16:01

Alterado em 19/05/2022 às 18:23

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto Marcello Casal JrAgência Brasil

No dia da “live” noturna com o tradicional chorrilho de “fatos alternativos”, sofisma que Donald Trump inventou para suas delirantes “fake news” pelo Twitter, que em bom português seriam coleções de mentiras, o presidente Jair Bolsonaro começou cedo a fazer afirmações que não correspondem aos fatos. Ao participar esta manhã no seminário sobre “Mercado Global de Carbono”, no Rio de Janeiro, o presidente da República disse que “o Brasil é o país que menos sofre com a alta no preço dos combustíveis e dos alimentos”.

 

Macaque in the trees
Gilberto Menezes Cortes (Foto: CPDOC JB)
 

 

Não é o que dizem gráficos do Banco Central, apresentados pelo presidente da instituição, Roberto de Oliveira Campos. Em palestra na Confederação Nacional da Indústria, dia 26 de abril, Campos Neto apresentou gráficos sobre preços de energia e de alimentos desde 2019 até março deste ano.

Em energia, os preços no Brasil só perdem entre os países emergentes selecionados para a Turquia. O país de Recep Erdogan, que produz só 18% do seu petróleo, registrou alta de 225% nos preços da energia. Já o Brasil, que tem matriz diversificada e é autosuficiente em petróleo e gás natural (embora importe diesel e GLP, além de gás natural da Bolívia), acumulou alta de 220%.

 

Macaque in the trees
. (Foto: BC)

 

Quando se considera a inflação geral, incluindo alimentos, o Brasil também está no podium, liderado pela Rússia, com a Turquia em 2º e o Brasil em 3º com a medalha de bronze.

 

Macaque in the trees
. (Foto: BC)

 

Apesar das evidências da má gestão dos estoques de alimentos em 2020 (com o estímulo da disparada do dólar e o descaso com a formação de estoques reguladores, depois de o óleo de soja subir 100% em setembro de 2020, o Brasil teve de importar soja para poder extrair óleo) e na gestão dos reservatórios das usinas hidroelétricas - sem falar da preferência pelo liberalismo na formação de preços da Petrobras, cuja posição estratégica de extrair petróleo do pré-sal a baixos custos, poderia produzir preços competitivos para a economia brasileira no contexto global, Bolsonaro insistiu em terceirizar a culpa pelos desastres do governo.

Voltou a culpar o STF, por declarar que as determinações de isolamento e medidas profiláxicas na pandemia eram da alçada de estados e municípios (conforme a situação emergencial), e os estados pela escalada dos preços dos combustíveis, por ser o ICMS (estadual) um dos itens da formação dos preços.

 

Preste atenção nos serviços

Repetindo o desenho das economias mais desenvolvidas, no Brasil, o setor de serviços (no conceito amplo, incorpora atividades do comércio, o sistema financeiro e seguros e mais as atividades imobiliárias) é o mais importante da formação do PIB, com participação acima de 70%. A agropecuária responde por cerca de 6,5% e a indústria (incluindo extrativa mineral, de transformação, construção e serviços de utilidade pública - luz, gás, reciclagem de resíduos) fica com pouco mais de 20%. Por isso, neste ano de retomada das atividades, é importante acompanhar o setor de serviços para avaliar o PIB.

Foi o que fizeram as economistas do Departamento de Estudos Econômicos do Bradesco, Ana Beatriz Moreira dos Santos e Myriã Bast, que após um considerável período em que estavam fechadas ou funcionando com restrições, avaliaram os impactos da reabertura ampla das atividades de serviços. Há impactos no mercado de trabalho, mas um dos maiores feitos é o aumento do peso da inflação dos serviços no IPCA.

Segundo a dupla, os “serviços subjacentes acumularam alta de 7,8% nos últimos 12 meses, apresentando uma aceleração rápida, depois da dinâmica bastante contida durante o auge da pandemia, voltando para patamares semelhantes aos observados antes de 2015, período em que o mercado de trabalho estava bem mais aquecido, com aumento real dos salários e com política fiscal expansionista. Excluindo itens mais voláteis, o núcleo da inflação dos serviços segue em trajetória de elevação, que tem se intensificado desde o ano passado, apesar do início de uma política econômica mais restritiva.

 

Preços pressionados

Elas observam que a recuperação dos rendimentos e dos empregos aponta para uma inflação de serviços pressionada por mais tempo. Puxando a ponta dos dados de rendimentos, o salário mínimo (embora sem aumento real) também contribui para a alta da inflação de serviços, em especial, os mais intensivos em trabalho. Simultaneamente, o avanço do emprego beneficia o consumo de serviços pelas famílias, elevando a demanda.

Mas as expectativas de inflação ainda crescentes, se renovando mês a mês, colocam pressão adicional no IPCA de serviços à frente, sobretudo quando se considera que a expectativa inflacionária para 2023 está acima do centro da meta. O Bradesco espera uma inflação de serviços pressionada até o 1º trimestre de 2023 e projeta alta de 8,0% do IPCA de serviços em 2022.

Em 2023, elas acreditam que a inércia da inflação mais elevada vai continuar impactando os preços, de modo a impedir uma desaceleração muito intensa do IPCA de serviços, que deve encerrar 2023 em 6%. Reajustes habituais devem pressionar as aberturas do IPCA no começo do ano, sobrecarregados também pelo aumento do salário mínimo.

 

Os delírios de Paulo Guedes

Na campanha de 2018, Paulo Guedes, o então ”Posto Ipiranga”, prometia economizar R$ 1 trilhão em dez anos com a reforma da Previdência Social (ficou em meia sola, excluindo e até beneficiando militares, com menos de R$ 750 bilhões, reforma atropelada pelos impacto da Covid-19 no mercado de trabalho). Outros R$ 1 trilhão viriam das privatizações e mais R$ 1 trilhão da venda de imóveis da União.

Nada disso saiu do papel. Nas privatizações, houve desmobilizações de Caixa, Banco do Brasil e BNDES. Só agora é que o TCU aprovou, por 7 x 1, a privatização da Eletrobras, numa espécie de jogo de pôquer, no qual a União, que tem 72% das ações com direito a voto, pedirá “mesa” no aumento de capital, a ser subscrito pelo setor privado (nacional e estrangeiro). Com seu cacife atual, a União ficaria excluída do mando na “rodada de fogo”, reduzida a 45% sua participação nas ações com direito a voto.

Para não ficar escancarada a entrega ao “deus dará” da 2ª mais estratégica empresa estatal (a 1ª é a Petrobras), o governo destinará 6% das ações à subscrição de trabalhadores com uso do FGTS. Como as faixas de renda mais baixa rasparam dois anos seguidos as contas em até R$ 1.000 para pagar dívidas, só trabalhadores de maior renda (e pecúlio) subscreverão as ações.

 

Oferta na baixa

Mas o momento não poderia ser pior. Com a reviravolta na economia mundial provocada pela invasão da Ucrânia pela Rússia, o apetite dos investidores desapareceu, diante da escalada da inflação global e dos esforços dos Banco Centrais para apertar a oferta de moeda e elevar os juros visando evitar explosão da inflação. Isso implica menor crescimento econômico e de lucros.

As ações estão em baixa. O mercado de lançamento de BDRs (ações de empresas brasileiras no exterior) secou. Há um ano, a receita com a Eletrobras poderia ser maior, mas a empresa aumentou sua importância na transição energética do mundo.

Assim, soa estranha a última declaração ufanista do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que “o Brasil tem um 'pipeline' de R$ 830 bilhões em investimentos”. Durante evento promovido pela Arko Advice e pelo Traders Club, Guedes lembrou que “as empresas pagaram R$ 150 bilhões em outorgas ao governo para terem o direito de investir esse montante”.

Só que elas têm até 10 anos para fazerem os investimentos. Com juros em alta e economia em retração de crescimento (depois de crescer 4,7% em 2021, o PIB do Brasil deve crescer no máximo 1,6% este ano e ficar em torno de 0,5% a 1% em 2023) é muito delírio jogar com esses números no ar. As promessas de 2018 não vingaram.

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