O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Brasil todo, fora Belém, vive inflação de dois dígitos

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Publicado em 11/05/2022 às 14:20

Alterado em 11/05/2022 às 17:02

Gilberto Menezes Côrtes JB

Com exceção de Belém (PA), todas as 16 capitais e regiões metropolitanas do país pesquisadas pelo IBGE já estão com a inflação acumulada em 12 meses na faixa de dois dígitos, tanto no IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo, que mede as despesas das famílias com renda até 40 salários mínimos (R$ 48.480) e atingiu 12,13% na média nacional, quanto no INPC (índice Nacional de Preços ao Consumidor, que mede as despesas das famílias com renda até 5 SM (6.060) e chegou a 12,47% em abril. A maior inflação foi registrada em Curitiba: 14,82% no IPCA e 15,20% no INPC.

Segundo o IBGE, o IPCA de abril subiu 1,06% (após 1,62% em março), na maior taxa para o mês desde 1996, acima das previsões do mercado (0,96% previa a LCA Consultores; 0,98% o Bradesco e 1,01% o Itaú). A alta de 2,59% nos alimentos para consumo no domicílio fez o item Alimentos e Bebidas subir 2,06% e causar impacto de 0,43 pontos percentuais no IPCA. O leite longa vida subiu 10,13%, a batata-inglesa, 18,28%, o tomate (10,18%), o óleo de soja (8,24%), o pão francês (4,52%) e as carnes (1,02%). Na alimentação fora do domicílio (0,62%), a refeição subiu 0,42% (0,60% em março).

Vilão em março, o item Transportes subiu 1,91% e contribuiu com 0,42 p.p. na inflação mensal, puxado pelos combustíveis (parte do reajuste de 11 de março ainda foi captado no IPCA de abril, com destaque para a alta de 2,48% na gasolina, influenciado também pela alta de 8,44% no etanol (que sob a forma anidro entra em 27% na composição da gasolina vendida na bomba. O GNV subiu 0,24% (mas subirá muito em maio, após reajuste de 19% no dia 1º).

 

Pressões reprimidas

No acumulado de 12 meses a inflação de 12,13% no IPCA é liderada pelo Item Transportes, com alta de 19,70%, puxada pelo aumento de 33,20% nos combustíveis de veículos (gasolina, etanol e GNV, principalmente). As despesas com veículos próprios subiram 14,02% e o transporte público, 9,24%. O 2º maior aumento é de Artigos para Residência (15,34%), seguido de Vestuário (14,73%), Alimentação e Bebidas (13,47%) e Habitação (13,44).

Em Alimentação e Bebidas chamam a atenção as altas de 26,40% em óleos e gorduras, puxadas pela escalada internacional do óleo de soja, que já ocorreu em 2020, quando subiu mais de 100%: de 20,23% em bebidas e infusões, puxada pela alta de 60% do café; as altas de 8,06% das carnes (que têm forte peso na alimentação) acabaram deslocando a demanda para aves e ovos, que subiram 19,66%: e a subida de 18,07% em leite e derivados.

Com a inflação disseminada em todo o país acima de dois dígitos, virão pressões localizadas para reajustes anuais em vários itens. As associações das empresas de transportes urbanos já pleiteiam reajuste de 14,50% nas passagens de ônibus para repor os dois aumentos do diesel (24,9% em 11 de março e 8,87% em 10 de maio). Em abril, o ônibus urbano subiu 0,42%, pelo impacto dos reajustes em Belém (reajuste de 11,11%, a partir de 28 de março; Curitiba (reajuste de 22,23%, a partir de 1º de março e São Luís (reajuste de 5,40%, em vigor desde 27 de fevereiro).

O reajuste de 41,51% nas tarifas do taxi em São Paulo (38,76%), a partir de 2 de abril, e de 14,10% nas tarifas em Fortaleza (8,46%), a partir de 12 de abril, fizeram o subitem táxi aumentar 9,16% em abril no IPCA. O reajuste de 12,07% no metrô do Rio, a partir de 2 de abril, impactou 11,21% o item regional no mês de abril (os preços foram captados entre 31 de março e 29 de abril) e em 3,64% o item nacional.

As passagens aéreas tiveram alta de 9,48%, o transporte por aplicativo (4,09%) e do seguro voluntário de veículo (3,31%). Os automóveis novos (0,44%) e as motocicletas (1,02%) seguem em alta, enquanto os automóveis usados (-0,47%) registraram queda após 21 meses seguidos de alta.

 

Inflação com remédios

Enquanto o Banco Central eleva os juros e aperta a política monetária para conter a inflação, a escalada dos preços parece não ter remédio. Foi justamente a alta de 6,13% em produtos farmacêuticos que provocou alta de 1,77% em Saúde e cuidados pessoais: dia 1º de abril, foi autorizado o reajuste de até 10,89% no preço dos medicamentos, conforme classe terapêutica.

Habitação foi o único grupo com variação negativa (-1,14%), puxado pela queda nos preços da energia elétrica (-6,27%). A partir de 16 de abril, passou a vigorar a bandeira tarifária verde, sem cobrança extra na conta de luz. Desde setembro do ano passado, estava em vigor a bandeira de Escassez Hídrica, que acrescentava R$14,20 a cada 100Kwh consumidos. Mas, houve altas no gás de botijão (3,32%) e no gás encanado (1,38%). Neste subitem, houve reajuste tarifário de 7,72% no Rio de Janeiro (4,07%), a partir de 16 de março.

 

A comida pesa mais nos mais pobres

O INPC, que mede as despesas das famílias de menor renda, também caiu frente aos 1,71% de março, mas a taxa de 1,04% em abril, foi a maior variação para um mês desde 2003, (1,38%). No ano, o INPC acumula alta de 4,49% e, nos últimos 12 meses, de 12,47%, (11,73% em março). Em abril de 2021, a taxa foi de 0,38%.

Mas os produtos alimentícios, que pesam mais nas despesas das famílias de menor renda, passaram de 2,39% em março para 2,26% em abril. Os não alimentícios também desaceleraram e registraram 0,66%, frente aos 1,50% do mês anterior.

O INPC subiu em todas as áreas pesquisadas. O menor resultado foi no em Goiânia (0,65%), devido à queda na energia elétrica (-10,49%). A maior variação, por sua vez, ficou com a região metropolitana do Rio de Janeiro (1,45%), influenciada pelas altas de 13,57% no leite longa vida e de 6,25% nos produtos farmacêuticos.

 

Bento quis barrar gasodutos de R$ 100 bi

A demissão do Ministro das Minas e Energia, Almirante Bento Albuquerque, pode servir de biombo para o presidente Jair Bolsonaro iludir seus apoiadores caminhoneiros, que estão abandonando a boleia do caminhão da campanha da reeleição, ante a impotência do governo em conter não só os aumentos dos combustíveis como também dos alimentos e remédios (porque optou pelo liberalismo extremo e nunca se interessou em fazer uma política estratégica de Estado em defesa dos interesses nacionais, na energia, na formação de estoques reguladores e na construção de um parque nacional de medicamentos e vacinas).

Para o público externo, Bolsonaro acena que faz o que está ao seu alcance: demite presidentes da Petrobras (dois já foram embora, o 3º, há menos de um mês no cargo, manteve a política de ajustes dos preços domésticos dos combustíveis aos do mercado internacional, inaugurada em 2016) e agora demite o próprio ministro das Minas e Energia. Mas os preços não cedem.

O que desagradou a Bolsonaro na gestão do almirante foi a sua atuação para barrar a aprovação no Congresso de uma proposta que patrocina, com interesse do Centrão, “que vai significar despesas de R$ 100 bilhões para construir gasodutos que ligam lugar nenhum a coisa nenhuma”, denunciou o líder da Minoria no Senado, senador Jean Paul Prates (PT-RN), um dos grandes especialistas em energia no país. Ele considera que “os preços dos combustíveis vão continuar em disparada até que, a exemplo de outros países, o governo tenha a coragem de estabelecer algum tipo de política de Estado para conter esse fenômeno”.

Para Jean Paul, “Bolsonaro faz um gesto para os caminhoneiros e seu eleitorado na tentativa de demonstrar que está lutando contra as altas nos preços dos combustíveis demitindo primeiro o presidente da Petrobras e agora o ministro de Minas e Energia, quando a única solução para o problema é a demissão do próprio presidente da República”.

 

Os almirantes do contra

Bolsonaro já foi contrariado por dois almirantes. O presidente da Anvisa, contra-almirante Antônio Barra Torres, cobrou publicamente do presidente da República, que insinuava “interesses escusos dos funcionários da Anvisa” para aprovar vacinas, que apontasse os nomes. Como os diretores de agências reguladoras (Aneel, ANP, ANS, ANTT, Anatel, ANA, a exemplo do Banco Central) têm mandato fixo e não podem ser demitidos antes do prazo, Jair Bolsonaro fingiu que não era com ele.

O que Bento Albuquerque queria barrar era uma tremenda maracutaia que visa beneficiar diretamente o empresário Carlos Suarez, ex-sócio da OAS, que se tornou um dos maiores empresários do gás encanado no Brasil, atuando em oito estados, na região de Manaus, no Nordeste e no Centro-Oeste. A manobra visa aprovar um aporte de R$ 100 bilhões oriundo do pré-sal para bancar a construção de gasodutos que beneficiam Carlos Suarez e seus sócios.

O Centrão queria tomar conta do MME, mas a nomeação do economista Adolfo Sachsida, que era chefe da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia, não estanca a pressão. Aliado do ministro Paulo Guedes, Sachsida pode explicar melhor que Bento Albuquerque os dilemas da área de energia (que puxa a inflação, junto com os alimentos). Numa eventual reeleição de Bolsonaro (cvada vez mais difícil segundo as últimas pesquisas), seria mais um forte defensor da privatização da Petrobras. O que tornaria ainda mais difícil o controle dos preços dos combustíveis no Brasil, numa prova de que Bolsonaro joga para a plateia.

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