O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Ano começa com pessimismo no mercado

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Publicado em 12/01/2022 às 16:59

Alterado em 12/01/2022 às 16:59

Gilberto Menezes Cortes CPDOC JB

Apesar da alta de 1,51% no índice Bovespa, que passou dos 105 mil pontos e da queda de 0,47% no dólar, contado a R$ 5,553, - ecoando a reação positiva dos mercados mundiais, após o depoimento do presidente do Fed, Jerome Powell, sinalizando que não há urgência na alta dos juros - os departamentos econômicos de bancos e consultorias estão vendo o ano de 2022 com “ventos contrários que continuam a soprar muitas incertezas”, na definição da LCA Consultores, que divulgou hoje, 12 de janeiro, a revisão de cenário para 2022.

A consultoria, que era do time dos otimistas (prevendo crescimento de 0,7% no PIB, inflação de 5,5% - acima do teto máximo da meta, que é de 5% - e Selic em 11,75%), agora admite reduzir a projeção do PIB, diante de vários obstáculos no horizonte, a começar pelo avanço mundial da variante Ômicron e os problemas causados pelo excesso de chuvas (que se afastam o racionamento), que podem complicar o abastecimento e aquecer a inflação.

O Bradesco, apesar de ressalvas ontem em seu “Boletim Diário”, segue otimista e ainda não reviu a previsão de que o PIB cresça 0,75% este ano e a inflação fique em 4,9% (dentro da meta). Mas o Safra, que vinha fazendo parte do grupo mais confiante, mudou de tom, após a queda da indústria no fim do ano (o que traduz um carrego estatístico negativo em 0,9% para 2022) e agora já trabalha com crescimento real (deduzindo a inflação) quase nulo este ano.

 

O que diz a LCA

Depois de analisar os obstáculos externos, incluindo o impacto da crise imobiliária da China, na desaceleração de sua economia, a LC trata do Brasil.

“Internamente, as incertezas políticas e fiscais voltaram a recrudescer – seja pela possibilidade de ocorrerem reajustes salariais generalizados para servidores públicos, ameaçando as regras fiscais vigentes; seja porque seguem incertas as possíveis diretrizes de política econômica que deverão prevalecer de 2023 em diante”.

“Ao lado disso, a atividade econômica doméstica permanece anêmica e a inflação, conquanto tenha mostrado alguns sinais de moderação, continua bastante salgada – o que reforça nossa projeção de que o Banco Central manterá o ritmo de elevação da Selic no curto prazo, mas poderá interromper o ajuste monetário no 2º trimestre”.

“Esse ambiente externo e interno de persistente incerteza, que continua a provocar deterioração de expectativas econômicas, é fator que pode nos levar a revisar a nossa projeção para o desempenho do PIB de 2022 [era de +0,7%]. Outro fator que pode potencialmente demandar ajuste para baixo em nossas projeções para o PIB diz respeito à evolução das condições climáticas – que vêm provocando piora nas projeções para a safra de grãos em importantes polos agrícolas (como na região Sul e no Mato Grosso do Sul)”.

“Ao lado disso, as intensas chuvas registradas em diversas regiões do país, conquanto sejam benéficos do ponto de vista da geração de energia elétrica, podem provocar interrupções temporárias de algumas atividades – principalmente ligadas ao turismo (já prejudicadas pela variante ômicron) e à indústria extrativa mineral”. [A produção mineral parou 100% esta semana em Minas Gerais. Em 2019, após o desastre de Brumadinho, em 19 de janeiro, que levou à suspensão das atividades em várias minas da Vale e de outras companhias, a indústria extrativa do país teve queda de 14,3% em fevereiro].

“Nessas circunstâncias, avaliamos que o Banco Central manterá o ritmo de elevação da taxa básica Selic no curto prazo, mas poderá interromper o ajuste monetário no 2º trimestre – quando as expectativas de inflação para 2023 passarão a prevalecer na tomada de decisões de política monetária. Por ora, mantemos projeção de que o juro básico será elevado para 11,75% ao ano até março. Mas o risco de um aperto um pouco maior parece ter se elevado, sobretudo em função das incertezas sobre a política do FED e a política fiscal doméstica”.

Nossa projeção preliminar para o IPCA está em 0,46% em janeiro, 0,87% em fevereiro e 0,51% em março. Com isso, nossa projeção para o IPCA está em 5,0% para 2022 (1,85% no 1T22).

 

Safra perde o otimismo

Depois de analisar a 6ª queda seguida da indústria (-0,2% em novembro), o Departamento de Estudos Econômicos do Banco Safra, apesar de esperar alguma recuperação em dezembro (os dados da Anfavea apontaram aumento de 19% na produção de veículos em dezembro), e de esperar variação praticamente nula no mês passado no volume do setor de serviços (-0,1%), acredita que o IBC-Br de novembro, que o Banco Central divulga na 2ª feira, 17, vai indicar contração de 0,2% “a quinta queda consecutiva”.

Para dezembro, o Safra considera que, apesar de serem restritos os indicadores já divulgados são poucos, “eles sugerem de maneira preliminar um crescimento mês contra mês para indústria acima de 1%. Esse crescimento, contudo, não será suficiente para impedir que na medição trimestre contra trimestre da indústria contraia por volta de 0,5% no último trimestre de 2021. Isso daria um carregamento estatístico de -0,9% da indústria para 2022, reduzindo as expectativas de crescimento para o setor no ano corrente.

“O consumo deve continuar contraindo, em função dos efeitos defasados do ciclo de aumento da taxa Selic. O aumento dos juros também deve enfraquecer o investimento físico das empresas. (...) Alguns setores da indústria, como o automotivo, precisam recompor seus estoques, o que pode contrabalancear o impacto da queda da demanda doméstica sobre a produção nacional. Assim, projetamos variação praticamente nula para o PIB real de 2022”, diz o Safra..

 

Sem “mea-culpa”, BC explica estouros da meta

Como reza o regime de Metas da Inflação (que era de 3,75% em 2021, com tolerância de 1,50 ponto percentual para cima - 5,25%), após o IBGE divulgar que o IPCA - a inflação oficial - foi de 10,06%, quase o dobro da meta, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto (a quem cabe perseguir a meta) escreveu ontem, 11 de janeiro, carta de 15 páginas, repleta de gráficos, para justificar o estouro perante o presidente do Conselho Monetário Nacional (e ministro da Economia), Paulo Roberto Nunes Guedes.

Criada em fevereiro de 1999, quando o país adotou o câmbio flutuante, o sistema de metas de inflação teve o 1º estouro em 2002: o teto da meta era de 5,5% e o IPCA foi a 12,53, devido à crise hídrica e à histeria provocada no mercado pela vitória de Lula, que levou o dólar a R$ 4, em outubro de 2002. Em 2003 o teto da meta foi revisto para 6,5%, mas a inflação chegou a 9,3%. O último estouro foi em 2015 (1º ano do 2º governo Dilma, quando houve forte desvalorização do real, após a reeleição, junto com pesados reajustes dos preços administrados): a inflação foi a 10,67%, muito além do teto: 6,5%.

Em todas as circunstâncias anteriores houve grande influência do câmbio na mudança da formação de expectativas. À frente do Banco Central do Brasil, Campos Neto tem como missão “Garantir a estabilidade do poder de compra da moeda, zelar por um sistema financeiro sólido, eficiente e competitivo, e fomentar o bem-estar econômico da sociedade”. Mas, em 15 parágrafos repletos de gráficos ele só foi fazer a “mea culpa” do Banco Central (lerdo em elevar os juros, a partir de março, sem conseguir impedir que o dólar valorizasse 7,47% perante o real, amplificando as pressões inflacionárias da valorização das commodities agrícolas e minerais, no 9º item (íntegra a seguir).

“Ao longo de 2021, a taxa de câmbio oscilou entre níveis semelhantes aos observados no segundo semestre de 2020, com tendência de apreciação no segundo trimestre do ano sendo revertida ao longo do segundo semestre, atingindo em dezembro de 2021 uma média 9,83% superior ao do mesmo mês do ano anterior (Gráfico 5).

A tendência de depreciação na segunda metade de 2021 refletiu principalmente questionamentos em relação ao futuro do arcabouço fiscal vigente e o aumento dos prêmios de risco associados aos ativos brasileiros, diante da maior incerteza em torno da trajetória futura do endividamento soberano. Embora a contribuição da taxa de câmbio para a inflação tenha sido menor que em 2020, cabe destacar a quebra no padrão histórico de apreciação da moeda nacional durante ciclos de elevação nos preços das commodities, como o ocorrido nos últimos dezoito meses. Como resultado, o crescimento do IC-Br e do preço do petróleo medidos em moeda local foi amplificado, atingindo 50,3% e 82,9% no ano, respectivamente, na comparação da média do último trimestre de 2021 com o mesmo período de 2020, ambas as maiores variações desde o início de suas séries históricas.

 

A inflação segundo Campos Neto

Campos Neto creditou a três dos preços administrados - no conjunto subiram 16,90% (e praticamente estão fora da órbita da ação da política monetária) - à gasolina, ao gás de botijão e à energia elétrica residencial a maior responsabilidade pelo estouro da meta, já que contribuíram com 4,34 pontos percentuais dos 10,06% do IPCA.

Ele não citou o peso de outros preços administrados em transportes, comunicações, planos de saúde e pedágios, além de mensalidades escolares, mas lembrou que os “preços livres) sobre os quais atua a política monetária, contribuíram com 5,72% da inflação. Se descontar a alta de 0,41 p.p. do etanol, os preços livres estariam praticamente dentro da meta (daria 5,31%).

Os principais fatores que levaram a inflação em 2021 a ultrapassar o limite superior de tolerância foram os seguintes: i. forte elevação dos preços de bens transacionáveis em moeda local, em especial os preços de commodities; ii. bandeira de energia elétrica de escassez hídrica; e iii. desequilíbrios entre demanda e oferta de insumos, e gargalos nas cadeias produtivas globais. As pressões sobre os preços de commodities e nas cadeias produtivas globais refletem as mudanças no padrão de consumo causadas pela pandemia, com parcela proporcionalmente maior da demanda direcionada para bens e impulsionada por políticas expansionistas.

Esses desenvolvimentos, que ocorreram em nível global, geraram excesso de demanda em relação à oferta de curto prazo de diversos bens, causando um desequilíbrio que, em diversos países e setores, foi exacerbado por falta de mão-de-obra, problemas logísticos e gargalos de produção. De fato, a aceleração significativa da inflação em 2021 para níveis superiores às metas foi um fenômeno global, atingindo a maioria dos países avançados e emergentes.

 

Macaque in the trees
. (Foto: BC)

 

“Os fatores citados acima se traduziram em grandes variações de preços em diferentes componentes. A inflação de preços administrados atingiu 16,90% (contribuição de 4,34 p.p. para a variação do IPCA), menor apenas que a variação nos anos de 1999 e 2015, refletindo principalmente os aumentos dos preços de combustíveis e de energia elétrica. Os preços de gasolina, gás de bujão e energia elétrica residencial subiram 47,49%, 36,99% e 21,21% (contribuições de 2,33 p.p., 0,41 p.p. e 0,98 p.p.), respectivamente. O preço do etanol subiu 62,24%, acima dos demais combustíveis, refletindo também a quebra na safra de cana-de-açúcar.

Os preços de bens industriais e de alimentação no domicílio subiram 12,00% e 8,23% (contribuições de 2,75 p.p. e 1,25 p.p.), respectivamente, bastante afetados pelos preços de commodities e gargalos nas cadeias produtivas globais. Os preços de serviços aumentaram 4,75% (contribuição de 1,72 p.p.).

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