O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

[email protected]

O OUTRO LADO DA MOEDA

Juros da dívida crescem R$ 105 bi em 2021

.

Publicado em 30/12/2021 às 13:13

Alterado em 30/12/2021 às 13:13

Gilberto Menezes Cortes CPDOC JB

O final de 2021 foi marcado pela extinção, em 1º de dezembro, do Bolsa Família (que atendia a 14,5 milhões de famílias) com previsão de gastos de R$ 35 bilhões este ano. Em seu lugar, fundindo o BF com o Auxílio Emergencial, surgiu o Auxílio Brasil, que prevê gastos de R$ 89 bilhões em 2022, ano eleitoral, com o pagamento médio de R$ 400 mensais aos beneficiados.

Mas, entre as promessas eleitoreiras e a realidade, a escalada dos juros da taxa Selic, na tentativa do Banco Central de domar a inflação e controlar o câmbio, com forte desvalorização do real frente ao dólar, criou uma despesa extra em juros pagos aos rentistas individuais e coletivos (fundos de investimento e fundos de previdência abertos e fechados) e instituições financeiras que já engoliu de janeiro a novembro mais de R$ 105,5 bilhões sobre os primeiros 11 meses de 2020.

Segundo os dados divulgados hoje pelo Banco Central, com o resultado primário consolidado do setor público (governo central, estados e municípios, incluindo estatais), novembro apresentou um superávit primário (receita menos despesas, sem contar os juros das dívidas públicas interna e externa) de R$ 15 bilhões (um aumento extraordinário frente ao déficit de R$ 18,1 bilhões em novembro de 2020.

 

BC perde R$ 22 bi em swaps

Quando se colocam na gangorra os gastos líquidos de R$ 41,642 bilhões com juros em novembro, o que era superávit vira um déficit monumental de R$ 26,608 bilhões. O valor dos juros em novembro deste ano teve um aumento extraordinário de despesas, não só pelo aumento da taxa Selic (que embora remunere só 1/3 dos papéis da dívida), como pela maior inflação e pelas gigantescas perdas das operações de “swap do Banco Central (troca de dólares por papéis da dívida) de R$ 22,3 bilhões este ano, comparado a novembro de 2020.

A diferença entre o ganho de R$ 25,3 bilhões em “swaps”, em novembro de 2020, e os ganhos de apenas R$ 3 bilhões este ano (o resultado a menor de R$ 22,3 bilhões do BC em “swaps”), respondeu por 83,9% do acréscimo de despesas na dívida pública. O impacto da alta da Selic e da inflação onerou o custo da dívida em mais R$ 3,3 bilhões. No acumulado em 12 meses até novembro, os juros nominais alcançaram R$ 418,0 bilhões (4,86% do PIB), contra R$ 313,4 bilhões (4,23% do PIB) nos 12 meses terminados em novembro de 2020.

A conta de juros nos 11 primeiros meses de 2019 foi de R$ 342,3 bilhões (5,07% do PIB) e baixou para R$ 288,4 bilhões em igual período de 2020 (numa economia de R$ 53,9 bilhões). Mas este ano, até novembro, a conta saltou para R$ 394 bilhões, um gasto extra de R$ R$ 105,5 bilhões.

 

Ricos X pobres

As projeções para 2022, diante da escalada estimada da Selic para mais de 11%, são de que as despesas de juros vão crescer ainda mais (haveria redução nos gastos com títulos indexados às taxas de inflação, que devem cair à metade dos 10% da inflação oficial deste ano).

Mas o que ficará claro é que a transferência de renda que a sociedade brasileira fez aos mais pobres no ano passado, com Auxílio Emergencial, está sendo devolvida com juros e correção monetária (e bota juros e correção nisso) em 2021 e em 2022. Essa discussão ficou ao largo do debate do Orçamento Geral da União de 2022 no Congresso, que deixou de lado o aumento da tributação sobre os mais ricos (lucros e dividendos) e apenas houve acréscimo na tributação sobre juros de capital próprio pagos aos acionistas das empresas. O sistema bancário aumentou seus ganhos e lucros, mais uma vez.

 

Banco Central diz que celular virou banco

Um entretítulo num texto do Banco Central distribuído nesta 2ª feira, 27 de dezembro, com estatísticas atualizadas sobre uso de meios de pagamentos (cartões de crédito e de débito, Pix, pagamentos de conta em débito e por boletos, ao lado dos cheques, ainda usado em grandes quantias) deu a dimensão de como os bancos transferiram aos próprios clientes as operações bancárias que antes eram feitas presencialmente nas agências.

Após mostrar que, no 2º trimestre, aumentou 11% o uso dos instrumentos de pagamento eletrônicos e de 10% nos cheques, em termos de quantidade e de valor, frente ao 1º trimestre (os cartões, com crescimento de 16% no período, dominaram 53% das transações sem uso de dinheiro em espécie, com avanço de 57% no uso de cartões pré-pagos, enquanto o Pix concentrou 14% das operações, aumento de 53%), o Banco Central fez a provocação abaixo:

 

'Celular virou banco?'

“A utilização de dispositivos móveis (celular, tablets) para a realização de transações bancárias chegou a 70% no 2º trimestre, um aumento de 32% na comparação com o trimestre anterior. Somados ao uso da internet (os acessos feitos por internet banking, por meio de computadores, por exemplo), esses canais foram responsáveis por quase 90% das transações bancárias no segundo trimestre de 2021.

“Quando considerado apenas o pagamento de contas e transferências, três em cada quatro operações no 2º trimestre do ano foram realizadas por dispositivos móveis, um incremento de 184% em relação ao trimestre anterior”, disse o assessor sênior no Departamento de Competição e de Estrutura do Mercado Financeiro (Decem) do Banco Central, César Oliveira.

As transações bancárias feitas de forma presencial tiveram queda de cerca de 2%, respondendo por aproximadamente 12% do total das operações no período. Desde o início de 2019, o valor total das operações de saque foi reduzido em 25%, enquanto o valor das operações com instrumentos de pagamento aumentou em 50%.

Está explicado porque os bancos vêm fechando agências e dispensando pessoal. Só falta explicar por que, diante do quadro de automação reconhecido pelo Banco Central, não há uma intervenção da autoridade monetária pra reduzir os valores das cestas de tarifas de serviços bancários?

Por que as cestas de serviço continuam cobrando uma fortuna por fornecimento de talões de cheques se eles quase não são mais usados? E se tudo é feito no celular, na internet e nos caixas eletrônicos, não era o caso de baixar também as anuidades dos cartões de débito e crédito?

 

A concorrência engatinha

O Banco Central tem como missão “Garantir a estabilidade do poder de compra da moeda, zelar por um sistema financeiro sólido, eficiente e competitivo, e fomentar o bem-estar econômico da sociedade”. Roberto Campos Neto deveria ficar de olho nas tarifas em 2022.

Em parte, o BC está alargando a concorrência no Sistema Financeiro Nacional, em benefício do consumidor, ao ampliar o leque de agentes financeiros. Em pouco mais de três anos e meio foram autorizadas 74 “fintechs” para concorrer com os bancos. Foram autorizadas 64 Sociedades de Crédito Direto (SCD) e 10 Sociedades de Empréstimo entre Pessoas (SEP).

Mas ainda falta muito para reduzir o poder do oligopólio bancário. Os cinco maiores bancos (Banco do Brasil, Itaú, Bradesco, Caixa Econômica Federal e Santander) concentram mais de 75% das contas, depósitos e créditos.

Tags: