O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

O brasileiro às voltas com os juros

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Publicado em 29/12/2021 às 18:39

Alterado em 30/12/2021 às 08:37

Gilberto Menezes Cortes CPDOC JB

Parece sina. Entra ano e sai ano, a maioria dos brasileiros não consegue se livrar do endividamento em cascata. Este ano, embora os juros dos empréstimos tenham caído no começo do ano, refletindo a abertura de torneiras que o Banco Central fez ao sistema financeiro em 2020, concedendo-lhe trilhões de reais a juros zero (por redução dos depósitos compulsórios e/ou das provisões para devedores duvidosos, visando ao socorro das famílias e empresas durante a pandemia da Covid-19), boa parte dos brasileiros não foi contemplada com renegociações em condições mais favoráveis. Cada banco refez sua liquidez, mas o sistema só emprestou 30% do que o BC liberou.

O pior é que, na ponta dos investidores, como os juros andaram baixos nas aplicações em papéis de renda fixa, acompanhando a queda da taxa Selic para 2% ao ano (de 6 de agosto de 2020 a 16 de março de 2021, quando o Comitê de Política Monetária do BC - Copom - iniciou alta para 2,75%), numa escalada que chegou a 9,25% ao ano em dezembro, muito investidor caiu no “canto da sereia” de altas rentabilidades oferecidas por espertalhões do mercado, sem estarem credenciados como “agentes de investimento” ou vinculados a qualquer instituição financeira, sujeita à fiscalização conjunta do Banco Central (que zela pelo Sistema Financeiro Nacional) e pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM, a xerife do mercado de capitais brasileiro).

 

Não foi por falta de aviso

Os investidores brasileiros continuam acreditando em conto da carochinha e fazem a festa de espertalhões sempre prontos a enganar ingênuos e otários (aqueles que se julgam espertos e caem mais fácil em golpes como pirâmides financeiras e retornos de 10% ao mês quando os juros máximos estavam nesta faixa anual).

Vejam só o balanço feito pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) no 3º trimestre deste ano (julho a setembro), período em que foi descoberta (em 25 de agosto) a pirâmide financeira do “faraó dos bitcoins” o ex-garçom Glaidson Acácio dos Santos, que operava em Cabo Frio (RJ) numa empresa não credenciada, mas os investidores nem verificavam, acreditando em miragens.

Só no 3º trimestre a CVM emitiu 165 ofícios de alerta (o recorde do ano de 2021) - falta apurar o 4º trimestre, que se encerra nesta 5ª feira. Sexta não há mercado financeiro, mas os golpistas continuam agindo, com auxílio do PIX.

Os golpes vieram num crescendo este ano, na razão inversa da queda dos juros (a Selic, piso do mercado caiu desde o ano passado para 2% em março, quando o Copom a elevou a 2,75% ao ano e iniciou a escalada que chegou a 9,25% ao ano em dezembro), e aproveitando o embalo da disparada da inflação, que comia os ganhos reais e tornava investidores presas fáceis de espertalhões, tanto na ofertas de novas ações quanto de papéis de renda fixa.

De janeiro a março, 99 comunicações foram realizadas. Já no 2º trimestre, de abril a junho,?elas saltaram para 149. E o resultado final de 2021 deve ser dramático para milhares de investidores que acabaram lesados ou iludidos com promessas de ganhos fáceis. Muitas vezes os tais agentes de investimento nem credenciados são. Não estão vinculados a instituições financeiras e não podem dar atentados de lisura às tais “aplicações financeiras”.

Existe uma regra clássica no mercado financeiro, que é regido pelo tripé - liquidez, segurança e rentabilidade.

Quem quer liquidez imediata e segurança, deve aplicar em cadernetas de poupança (de saque imediato) ou em depósitos interfinanceiros (DIs) de liquidez imediata. Há também fundos em CDBs que permitem resgate diário. Nos três casos o rendimento padrão é perder de pouco ou empatar com a inflação. Quem quiser auferir altos rendimentos (acima da inflação) terá de correr risco e abrir mão da segurança e da liquidez.

E aí veio o paradoxo de 2020 e, principalmente, 2021. Os juros ficaram baixos para os investidores, mas a inflação disparou no 2º semestre, na esteira da escalada do dólar (que o Copom nunca conseguiu derrubar com a resposta lenta e insuficiente de aumento da Selic a cada 45 dias). Entretanto, os juros dos empréstimos não baixaram tanto. Surgiram miragens para o investidor.

 

Um leque de tentações

Primeiro, veio a ilusão dos ganhos rápidos no mercado de ações. Desde o ano passado, o investidor brasileiro estava animado com o desempenho das ações na Bolsa. Mas a declaração universal de pandemia, pela OMS, em meados de março, fez os mercados acionários despencarem em todo o mundo.

Aí surgiram especulações com empresas farmacêuticas envolvidas em pesquisas de vacinas contra a Covid-19. Com reforço de bilhões de dólares de governos, as pesquisas correram contra o tempo mais do que o normal. Mas os tais ganhos bilionários não se sustentaram. Em seguida, com os rendimentos em renda fixa perdendo para o dólar e a inflação, vieram os saltos de valorizações de ações recém lançadas (IPOs, em inglês).

Mas tudo que se não é sólido se desmancha no ar e muitas cotações viraram éter. Ainda assim, muitos foram tentados com os piques (e quedas abruptas) das “bit coins”, as criptomoedas que ajudaram a turbinar a fortuna de Elon Musk.

 

Indícios de pirâmides lideram comunicação ao MP

No 3º trimestre deste ano, foram encaminhados 32 ofícios aos Ministérios Públicos nos Estados (MPE) e 21 ofícios ao Ministério Público Federal (MPF). Casos envolvendo indícios de pirâmides financeiras se destacam entre os eventuais crimes mais comunicados. Dos 53 registros no período, 31 estiveram relacionados a pirâmides. Nos nove primeiros meses de 2021, 158 indícios de crime, em geral, foram comunicados ao MP.

Os ofícios de alerta da CVM ao mercado têm por objetivo comunicar irregularidades que não justificam a instauração de inquérito administrativo ou o oferecimento de termo de acusação. O instrumento tem cunho, preponderantemente, educativo e visa a se notificar sobre desvio observado e, se for o caso, determinar prazo para a correção do problema sem a abertura de procedimento sancionador. Que se impõe quando os casos são de alta monta.

 

Multas chegam a R$ 3,9 milhões

Entre julho e setembro de 2021, o Colegiado da CVM julgou 13 Processos Administrativos Sancionadores. O valor total das multas aplicadas como resultado desses julgamentos ultrapassou R$ 3,9 milhões.

 

Novas resoluções

A CVM também publicou 10 novas resoluções neste período e que possuem ligação direta com a atividade sancionadora da autarquia.

 

A sina dos devedores

No caso dos empréstimos de bancos e financeiras, cumpriu-se a máxima de que os juros sobem pelo elevador, mas, quando há baixa, eles descem pela escada, fazendo paradas em cada andar. O pior é que os créditos mais à mão são com a taxas mais elevadas.

Vejam o caso da Crefisa, financeira da presidente do Palmeira e patrocinadora do clube. No crédito pessoal não consignado (a maior taxa do mercado; a menor é dos empréstimos com desconto em folha dos pensionistas do INSS), segundo levantamento do BC entre 9 e 15 de dezembro, a Crefisa cobrava 20% ao mês (o dobro da inflação anual de 2021, ou 791,69% ao ano). Na mesma tabela, a Caixa Econômica Federal cobrava 3,60% ao mês e 36,01% ao ano.

O Banco Central divulgou esta semana o nível das taxas de juros em novembro. A taxa média de juros das novas concessões às famílias registrou novo avanço neste mês, o 4º seguido, atingindo o maior valor desde mar/20, com 28,2% a.a. ante 27,2% de outubro. As taxas de novos empréstimos para os dois tipos de crédito (taxas livres e crédito direcionado) tiveram alta no período, sendo mais intenso no crédito livre (de 43,8% a.a. para 45,2% a.a., a maior desde mar/20).

O crédito direcionado registrou taxas de 7,9% a.a. contra 7,7% a.a. em outubro. Já a taxa de juros média das novas concessões às empresas avançou pelo 6º mês seguido, para 17,8% ante 16,7% de outubro. Ambos os tipos de crédito registraram o mesmo movimento e atingiram patamares elevados no histórico recente. O crédito direcionado, ao passar de 10,8% a.a. para 11,6% a.a., atingiu o maior valor desde fevereiro de 2018, enquanto o crédito livre, com taxa de 20,3% a.a. ante 19,1% a.a. de outubro, registrou maior valor desde janeiro de 2019.

A questão é mal explicada pelo Banco Central. Vejamos a trajetória da Selic, das taxas médias de captação junto às pessoas físicas e das taxas livres de empréstimos às pessoas físicas de dezembro de 2019 a novembro de 2021.

A Selic, que funciona como piso de captação do mercado, estava em 4,50% em dezembro de 2019, desceu a 2% em dezembro de 2020 e fechará em 9,25% em 2021. Ela mais que dobrou entre 2019 e 2021.

No mesmo período, a taxa média de captação dos recursos livres dos bancos junto às pessoas físicas evoluiu de 6,3% ao ano, em dezembro de 2019, para 5,3% em dezembro de 2020 e voltou a subir para 6,6% em novembro. Ou seja, aumentou 4,7% sobre o nível de captação em 2019.

Quando se examina a taxa média cobrada nos empréstimos com recursos livres às pessoas físicas no mesmo período, ela estava em 40,5% ao ano em dezembro de 2019, desce a 33,5% em dezembro de 2020 e volta a subir para 35,6% em novembro de 2021. Houve queda de 12% no custo perante 2019, com todas as facilidades concedidas pelo Banco Central. Mas desde dezembro de 2020, as taxas médias dos empréstimos com recursos livre já subiram 6,27%.

A Febraban, a Federação Brasileira dos Bancos, tem estranha contabilidade. Ela compara as quedas e altas em pontos de percentagem na taxa Selic com as de aplicação pagas aos clientes e nos empréstimos. Como as taxas dos empréstimos são três a quatro vezes superiores às da Selic e da captação, a Febraban quer provar que a queda dos juros dos empréstimos foi maior...

 

Itaú vê cenário desafiador em 2022

O Departamento de Estudos Econômicos do Itaú, o maior banco privado do país, dono da maior carteira de pessoas físicas e de cartões de crédito considera que “o cenário do mercado de crédito (em 2022) será bem desafiador quando comparado aos dois últimos anos”.

E o Depec explica os motivos:

A expectativa para inflação ao fim do ano que vem está acima do teto da meta, o que deve levar a taxa Selic a permanecer num patamar elevado durante todo o ano (projetamos elevação da taxa para 11,75% a.a. em março, patamar em que deve permanecer no restante do ano), retraindo a demanda por novos empréstimos.

Este cenário ainda é agravado com a fraca recuperação da renda e um nível de endividamento familiar no maior nível histórico.

Estes fatores deverão levar a uma forte desaceleração do crédito em 2022.

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