O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Quando a má notícia vira boa

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Publicado em 14/10/2021 às 18:32

Alterado em 14/10/2021 às 18:32

Gilberto Menezes Cortes CPDOC JB

Na nossa infância,”tempo bom” era sinônimo de dia com sol, que tornava menos incômoda a ida à escola ou mais prazerosa a brincadeira. No fim de semana, então, era garantia de praia ou ida à serra com a família. Pois nos dias atuais, com tantas mudanças climáticas, até a previsão do tempo inverteu o sinal. Depois de mais de uma semana de chuva, que melhorou o estado crítico das usinas hidroelétricas do Sudeste e Centro-Oeste, o Climatempo anuncia que haverá chuvas e trovoadas nos principais estados do Brasil neste sábado e domingo. E que a temporada de chuva deve se estender até dia 22.

Os pais atuais, que já eram adultos ou viveram a aflição de seus pais no racionamento da crise energética de 2001, que elevou as tarifas para altíssima voltagem (no bolso) e derrubou a economia (facilitando a eleição de Lula em 2022), sabem muito do que estou falando. E os que são avós e estão na terceira idade e viveram, os prolongados racionamentos de 1962 e 1963 - quando a luz era desligada no Rio e em São Paulo das 19 às 21 horas – sabem muito bem os incômodos da época.

Usavam-se velas à vontade. Como o ar condicionado era luxo nos escritórios e os shoppings mal existiam (quando muito, ensaiavam-se centros comerciais que nunca chegavam ao fim), a falta de luz não era o incômodo de hoje, quando as famílias dependem de eletrodomésticos e da internet.

Na falta de correção monetária, empreendimentos imobiliários tinham os custos corroídos pela inflação: os fluxos de entrada nem sempre cobriam as despesas. O Centro Comercial de Copacabana, hoje shopping dos antiquários, construído por Arnon de Mello, o pai de Fernando Collor, entre a Figueiredo de Magalhães e a Siqueira Campos, é um produto desta época.

Mas a própria expansão da oferta de energia no país, embora houvesse, desde 1959 a correção do ativo imobilizado (coluna 12 de FGV, que deu origem, em meados de 1964 à correção monetária das ORTNs, do Sistema Financeiro Habitacional e da atualização das dívidas dos contribuintes ao Tesouro) ficou estagnada desde o pós-guerra, pois a Light não se aventurava a construir usinas (JK teve de intervir, criando Furnas e Três Marias para gerar energia para a implantação da indústria automobilística e a indústria de bens de consumo em São Paulo).

De certa forma, os problemas de oferta continuam, hoje cercados pelo esgotamento dos aproveitamentos no Sudeste e as restrições ambientais para fazer usinas na Amazônia, com alagamento das florestas, de terras indígenas e os altos custos das linhas de transmissão. A crise de 2001 foi contornada com a entrada em operação de usinas termoelétricas movidas a gás natural. Pena que o gás que sobra na no pré-sal das Bacias de Campos e Santos ainda não tem o aproveitamento suficiente. No Nordeste, a crise de 2001 gerou um achado: a energia eólica que aproveita os dois regimes de ventos na área do Rio Grande do Norte para produzir energia quase o ano inteiro (os meses de vento mais fraco são outubro, novembro e dezembro). Por isso, essa chuva é muito bem-vinda neste momento. Em vários cantos do país a energia eólica já produz quase um terço de Itaipu. E tende a crescer muito, com a implantação de torres de vento no mar, onde o deus Eolo é mais atuante.

O sol segue firme mesmo na chuva
A energia solar tem tudo para ganhar espaço equivalente à energia eólica. Oficialmente, ainda produz pouco mais de 2 GWH (é quase o dobro das suas usinas nucleares, que produzem 1,3 GWH). Mas há mega empreendimentos em curso. Distribuidoras e geradoras de energia elétrica estão entrando firme neste mercado. Painéis solares estão sendo instalados em áreas externas, em estacionamentos de fábricas (os pátios das indústrias automobilísticas poderiam “cobrir” os carros com painéis, com grande economia de energia). Mas os lagos de usinas hidroelétricas poderiam virar um “terreno” fértil: o painel reduziria a evaporação e a energia gerada teria um custo mínimo de interligação às linhas de transmissão da própria usina.

Mas mesmo sem muito apoio do Estado, os particulares estão investindo em sistemas de energia solar sobre os telhados de suas residências nas cidades, na orla marítima ou nas regiões serranas. Segundo a Absolar, essa turma está poupando 600 mil MWH do sistema Elétrico do país. Mesmo com o barateamento dos painéis solares, das baterias e do prazo de até 7 anos para a instalação ser paga, é preciso um consumo muito alto mensal para compensar mesmo sob a bandeira energética extrema.

É que a luz que vem de fora embute mais de 64% de impostos em seus custos. Quem gera energia própria e fornece o excedente na rede que antes o supria, além de pagar taxa de pedágio da ligação, entrega a sua luz (FOB), sem imposto como os produtos exportados pelo Brasil (a gasolina excedente vendida pela Petrobras é um caso extremo, pois tem custos cruzados para subsidiar o diesel e o GLP).
Questão de prioridade

Hoje, quando modestas residências das favelas ou comunidades de baixa renda têm ar condicionado, percebe-se como a energia é um insumo importante. Pena que não se dê importância equivalente à água e principalmente ao esgoto. Numa comunidade carente sempre aparece o miliciano ou o traficante para suprir a ausência do Estado (ou da iniciativa privada, via grandes empresas de serviços de utilidade pública) para fornecer o gato da luz, da Net, o botijão de gás, a água em garrafão de 20 litros e “otras cositas más.

Por isso, pelo conjunto da obra de omissões, o Estado (aí entendido, a prefeitura, o governo estadual e o governo federal) está sempre devendo. Muitas iniciativas dos moradores e de ONGs com boa intenções ajudam a minorar os problemas. Mas a ausência do Estado abre caminho também para demagogos, políticos de ocasião e “pastores”que prometem o paraíso no céu em troca de dízimos e contribuições terrenas...

Presta atenção nos Serviços
Tem uma propaganda no SportTV na qual um locutor brinca com o outro gritando “Presta atenção no serviço”, um dos bordões que usa nas narrações do futebol de salão. Diria o mesmo para falar de Economia. Depois de o IBGE divulgar prévia de setembro com previsão de queda de 1,3% na safra de grãos em 2021-22, queda de 0,7% na indústria em agosto e queda de 3,1% nas vendas do Varejo no mesmo mês, veio uma notícia positiva do IBGE: graças à gradativa reabertura dos negócios, sobretudo em bares, restaurantes e hotelaria, o setor de serviços surpreendeu com avanço de 0,5% em agosto.

Nas Contas Nacionais que o IBGE divulga trimestralmente e formam o Produto Interno Bruto, o Setor de Serviços é o mais importante da economia: gera mais emprego e renda e responde por mais de 70% do PIB, seguindo a tendência da modernização da economia em todo o mundo urbanizado. Mas na decomposição mensal acompanhada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o Setor de Serviços observado já representa uma subdivisão da conta trimestral: o comércio (varejo) representa de 13% a 14% do PIB total e o Serviços visto pelo IBGE mensalmente representa não mais de 60% de todo o segmento (completado por serviços financeiros e de seguros e atividades imobiliárias – serviços de utilidade pública, como luz, água e gás integram a indústria). Em serviços mensais entram transportes, telecomunicações, informática e imprensa e serviços prestados às famílias (os que mais cresceram). Os 0,50% positivos em serviços, se repetidos em setembro, sem que os outros indicadores tenham queda tão acentuada, podem salvar o PIB do terceiro trimestre. Ou não.

O 13º de Hércules
As previsões para a economia mundial são de crescimento menor em 2022: 6,3% este ano, recuperando a queda de 4,2% em 2020, e 4,3% no ano que vem. Mas, apesar disso as previsões são de alta nos preços das commodities agrícolas e energéticas. Como exportador de petróleo e alimentos, as informações são boas do ponto de vista do exportador e produtor brasileiro. Mas nada confortáveis para o consumidor e os responsáveis pelo controle da inflação no país.

Vejam o que aconteceu este ano: o barril do petróleo avançou 60,50%, a soja caiu 9,12% (mas pode recuperar preços em 2022), o milho ficou 5,89% mais caro, em dólar também, mas o dólar perdeu 6.5% este ano. As projeções do Bradesco são de que o dólar, depois de fechar em R$ 5,15 este ano (está acima de R$ 5,50) salte para R$ 5,60 em dezembro de 2022 (alta de 8,7%).

Dentro deste quadro e tendo em vista a péssima retrospectiva de 2020 e 2021, tenho pena do Diretor de Política Econômica do Banco Central, Fábio Kanczuk, que prevê ajuste na taxa de inflação para abaixo do centro da meta (3% só em 2023). No ano que vem a meta é de 3,50%, mas o Bradesco (dos mais otimistas) prevê inflação de 3,8% pelo IPCA. No ano eleitoral de 2022, com o governo Bolsonaro disposto a gastar para tentar se reeleger, vai ser difícil não estourar a meta, como este ano. É preciso chamar Hércules para um 13 trabalho tido como impossível. A LCA Consultores acredita que o Banco Central vai elevar a Selic para 9% ao ano em março. Isso trava a economia.

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