O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Besteiras do ministro dão ganhos a Paulo Guedes

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Publicado em 07/10/2021 às 16:56

Alterado em 07/10/2021 às 16:58

Gilberto Menezes Cortes CPDOC JB

Paulo Roberto Nunes Guedes sempre foi um economista atilado. Era ágil em arbitragem de taxas de juros – estimar o presente transplantado para o futuro e seus impactos em diversos ativos. Essa “expertise” ele desenvolveu com mais acuidade quando saiu da assessoria do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec, que depois comprou em sociedade com Cláudio Haddad, que transformou a parte paulista no Insper, enquanto Guedes vendeu a filial carioca) fundou, em 1983, a Pactual Distribuidora (futuro Banco Pactual), em sociedade com Luiz Cezar Fernandes e André Jakurski, donos das maiores cotas.

Vejam o caso mais recente e polêmico, que envolve a revelação, pela “Pandora Papers” de que Paulo Guedes abriu, em 24 de setembro de 2014 (a dez dias do 1º turno da eleição daquele ano, que garantiu a reeleição de Dilma Roussef, do PT, contra Aécio Neves, do PSDB), uma conta “off-shore” no valor de US$ 9,54 milhões no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas, no Caribe, bem próximo a Miami. Ao longo de setembro de 2014 o dólar subiu 9,14%.

Mesmo garantindo que se desvinculou da conta ao ingressar no governo (na conta da Dreadnoughts International, na filial local do Crédit Suisse, que antes dividia com a filha Paula, foi substituído pela mulher, Cristina), o ministro não informou qual era o seu valor atualizado em 31 de dezembro de 2018. É difícil acreditar que não fez movimentações entre setembro de 2014 e dezembro de 2018. É muito provável que tenha feito operações estruturadas e incursões em ativos de renda variável (ações e commodities), além de papéis de dívida.

Conta de Guedes em dólar valoriza 115,7%

Apenas como exercício, em 24 de setembro de 2014, o dólar valia R$ 2,55. Assim, o total remetido valeria R$ 24,327 milhões. Pela cotação de ontem (R$ 5,50), o valor atualizado seria de R$ 52,47 milhões. Uma valorização de 115,7%. No período, já considerando uma taxa mensal esperada de 1,27% a 1,30% para o IPCA de setembro, que o IBGE divulga nesta 6ª feira, 8 de outubro, a inflação acumularia 50,2%. A conta em dólar mais que dobrou. Entretanto podem ter havido saques e conversões nos picos quando o dólar rondou os R$ 5,90 (ver abaixo).

A título de comparação. O Ibovespa tinha atingido o pico de 2014 em agosto (61.288 pontos, quando cresceram as chances de vitória de Aécio Neves, mas ao final de setembro, o mercado desabou para 52,4 mil pontos e fechou o ano em 50 mil pontos. De lá para cá, o Ibovespa tem andado como uma montanha russa. Fechou 2020 a 119 mil pontos. Foi a 125 mil pontos em meados de janeiro, caiu em fevereiro, ensaiou alta em março, chegando a 130 mil pontos em junho e estava hoje às 13 horas em 111,4 mil pontos.

O problema é que os eventuais lucros da família Guedes derivam de erros e “besteiras” da equipe econômica chefiada pelo ministro da Economia, Paulo Roberto Nunes Guedes, como veremos adiante. Para uns poucos deu lucro. Para a maioria deu inflação e carestia dos alimentos (que subiram mais de 15%), para a energia elétrica (+ de 20%) e os combustíveis (+35%), devido à forte desvalorização do real.

A teoria na prática

Em sua carreira de economista, desde os tempos do velho Ibmec para onde foi após voltar de pós-graduação em Chicago, com escala em Santiago, onde foi aplicar no Chile da Ditadura Pinochet as teorias de Milton Friedman, Guedes era ousado em fazer previsões catastróficas. [ Vale lembrar que o Ibmec funcionava na época num anexo do MAM, construído para abrigar a 22ª reunião anual do Fundo Monetário Internacional, em setembro de 1967, que abriu as portas do mercado financeiro internacional - eram tempos dos eurodólares - ao Brasil, alavancando o “milagre brasileiro”. O Ibmec era mantido pelas entidades do setor financeiro, à frente a velha Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, com apoio do Ministério do Planejamento. Foi abaixo para a construção do Vivo-Rio].

Quando a inflação roçava a casa dos 100% ao ano, Guedes previa que ia dobrar no ano seguinte. Nem sempre acertava. Entretanto, como no mercado financeiro profecias costumam ser muitas vezes autorrealizáveis, acertava parcialmente. Se não era preciso na previsão, como bom apostador, jogando com as probabilidades, suas margens de acerto eram bem maiores, pois podia ajustar as posições ao longo do tempo, tanto nos mercados à vista como de futuros.

Seus embates com economistas que estavam no governo ficaram famosos. Enquanto aqueles eram “vidraças”, atirava muitas pedras. Luiz Gonzaga Belluzzo, que fez parte da equipe do ministro da Fazenda, Dilson Funaro, que pariu o Plano Cruzado, em 28 de fevereiro de 1986, o batizou de “Beato Salu”, personagem de Osmar Prado na novela “Roque Santeiro”. Luiz Carlos Mendonça de Barros, que era diretor de Mercado de Capitais do Banco Central, só se referia a Paulo Guedes como “Beato Salu”, em conversas com jornalistas (era de sub-editor de Economia de O Globo, na época e fazia a coluna “Panorama Econômico”, no espaço que depois foi ocupado por Miriam Leitão.

Foi Mendonça de Barros, a propósito que me confirmou – furo que dei com exclusividade - a aplicação de tablita (desconto nas aplicações financeiras), em fórmula construída pelo saudoso Eduardo Modiano, então mais um dos jovens economistas da PUC-Rio que colaboraram com o Plano Cruzado (concebido, a partir do Plano Larida, “paper” de 1984 da dupla André Lara Resende e Pérsio Arida, visando o fim da inflação inercial, gerada pela correção monetária, o que nunca foi concretizado, nem no Cruzado I e II nem no Plano Collor I e II nem no Plano Real). Ambos também tomaram assento no BC a partir da troca de Francisco Dornelles por Funaro, em agosto de 1985 - André Lara como diretor de Política Monetária e Pérsio Arida, como diretor da Área Bancária.

Uma vidraça delicada

Desde janeiro de 2019, Paulo Roberto Nunes Guedes, passou a ser a vidraça, como ministro da Economia e a concentração inédita de poderes, mediante a fusão das pastas da Fazenda; Planejamento e Gestão; Indústria, Comércio e Comércio Exterior; Trabalho e Previdência Social (este ano a pasta de Trabalho e Previdência foi recriada e entregue ao ex-ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni). Não perdeu o ar agressivo e polêmico. Até mesmo para fazer previsões que poderiam voltar-se contra si mesmo.

No ano passado, quando antes mesmo da decretação da pandemia da Covid-19 (em 18 de março pela Organização Mundial de Saúde) e a cotação do dólar começava a subir – na verdade era o real que estava se desvalorizando – o ministro da Economia em evento na Fiesp, em 5 de março de 2020, ao ser questionado sobre a tendência do câmbio, quando o dólar que, fechara 2019 em R$ 4,013, chegara a R$ 4,48 em 28 de fevereiro e ameaçava saltar do patamar de R$ 4,50 para acima da casa dos R$ 4,60, afirmou: “se fizermos tudo direitinho (já se sabia das mortes causadas pelo vírus na Europa) o dólar vai deslizar de R$ 4,60 a R$ 4,80, mas se fizermos muita besteira vai a R$ 5”.

As cotações do dólar confirmam as besteiras (o governo demorou a dar o Auxílio Emergencial, não sabia se preservava a saúde da população ou mantinha a economia funcionando plenamente - o que nem a China fez 100% - demorou a buscar vacinas (que agora reduziram as internações e mortes, mas chegaram tarde para evitar o novo esfriamento da economia, porque o governo demorou a recriar o AE em 2021 e errou no manejo dos juros e do câmbio e a inflação disparou). O dólar fechou em dezembro de 2020 a R$ 5,1967 (alta de 29,33%, que chegara a 41% no fim de outubro, quando bateu em R$ 5,75).

Este ano, as cotações voltaram a subir até R$ 5,87 em 6 de março, mas cederam um pouco a partir do aumento da taxa Selic de 2% para 2,75% ao ano na reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central, em 17 de março (mais dois movimentos de 0,75% aconteceram em maio e junho). A Selic está agora em 6,25%, sem conseguir frear o dólar, porque as “besteiras” não param de acontecer e os indicadores desmentem a versão do ministro de que “a economia está ‘bombando’, com o PIB crescendo 5,5%”.

Maré ruim: até a safra deve cair em 2022

Depois da queda de 0,7% na indústria em agosto (a terceira redução mensal seguida) e do tombo de 3,1% nas vendas reais do varejo em agosto, a última ducha de água fria do IBGE no fogo baixo do PIB esperado para 2022 veio das projeções para a safra de grãos 2021/2022: no levantamento terminado em setembro a safra esperada para o ano que vem é de 250,9 milhões de toneladas. Isto representa uma queda de 1,3% frente aos 254,1 milhões de toneladas colhidas este ano. A boa notícia é de que a soja, carro-chefe da lavoura, pode crescer 10,3% e a safra de arroz (produto que faltou em 2020 e segue caro este ano) deve aumentar 4,4%.

O IBGE, assim como a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) vão ajustando as previsões de safra a cada mês, conforme as condições de climas e desenvolvimento das lavouras. Este ano, a estiagem prejudicou a safra de milho (a soja foi colhida no 1º trimestre e o milho é plantado em seguida à colheita no Centro-Oeste e no Paraná). Algodão e milho devem cair novamente em 2022, respectivamente, 17,5% e 16,4%, estima o IBGE.

Mas se a agricultura, que sustentou a economia no 1º trimestre deste ano, pode não ir tão bem no ano que vem, um dado animou os analistas: a chegada das chuvas pode atenuar os problemas das hidroelétricas do Sudeste e Centro Oeste. As previsões são de muita chuva no feriadão. Se isso ocorrer, diminuem as chances de corte no suprimento de energia que derrubaria as atividades econômicas em 2022. Antes das chuvas, o Itaú via risco de corte de até 10% na energia fazer o PIB encolher 0,5% ano que vem. Agora, com os novos dados, as projeções estão sendo revistas. Mas não há nada animador pela frente.

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