O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Petrobras sobe diesel mas omite nível de aumento

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Publicado em 28/09/2021 às 17:12

Alterado em 28/09/2021 às 17:12

Gilberto Menezes Cortes CPDOC JB

Sob a gestão do general Joaquim Silva e Luna (no cargo desde fins de abril), a Petrobras resolveu inovar, recorrendo ao método do avestruz: esconde a cabeça na areia para não ser “avistado” pelos inimigos. Em vez de dizer quanto estará aumentando, a partir de amanhã, o óleo diesel, para não desagradar ao presidente Bolsonaro que comemora hoje 1.000 dias de governo e seus “apoiadores caminhoneiros”, omitiu em nota de 20 linhas, o essencial: de quanto será o reajuste médio nas refinarias: 8,89%, o que eleva a 47% o aumento de 2021.

Isto me lembra os “press releases” dos duros tempos da ditadura mais feroz nos governos Médici e Geisel, quando os redatores oficiais só “vendiam” pérolas cor de rosa. Nós jornalistas tínhamos que fazer contas e pesquisas para encontrar o “lead”, ou seja onde estava a verdadeira notícia (boa ou ruim). Vejam na nota oficial abaixo se não tenho razão:

“Após 85 dias com preços estáveis, Petrobras fará ajuste no preço do diesel

28 de setembro de 2021

Após 85 dias com preços estáveis, nos quais a empresa evitou o repasse imediato para os preços internos devido à volatilidade externa causada por eventos conjunturais, a Petrobras realizará ajuste no preço do diesel A para as distribuidoras.

Esse ajuste é importante para garantir que o mercado siga sendo suprido em bases econômicas e sem riscos de desabastecimento pelos diferentes atores responsáveis pelo atendimento às diversas regiões brasileiras: distribuidores, importadores e outros produtores, além da Petrobras. Reflete parte da elevação nos patamares internacionais de preços de petróleo e da taxa de câmbio.

Desta forma, a partir de quarta-feira (29/09), o preço médio de venda de diesel A da Petrobras, para as distribuidoras, passará de R$ 2,81 para R$ 3,06 por litro, refletindo reajuste médio de R$ 0,25 por litro.

Considerando a mistura obrigatória de 12% de biodiesel e 88% de diesel A para a composição do diesel comercializado nos postos, a parcela da Petrobras no preço do diesel na bomba passará a ser de R$ 2,70 por litro em média, uma variação de R$ 0,22.

De forma a contribuir para a transparência de preços e melhor compreensão da sociedade, a Petrobras publica em seu site informações referentes à formação e composição dos preços de combustíveis ao consumidor. Para mais informações, acesse: https://petrobras.com.br/pt/nossas-atividades/precos-de-venda-de-combustiveis/”, encerra a nota da assessoria de imprensa da estatal.

Transparência ou disfarce?

Com enorme trabalho para pesquisar os preços nas refinarias e plataformas de distribuição de diesel pelo país afora (a Petrobras não informa qual o preço médio de referência) usei os dados do diesel EXA vendido na Refinaria Duque de Caxias (RJ). O resultado desagradável foi esse: mais 8,89% de aumento agora, que acumulará 47% e uns quebrados no ano. É lenha na inflação.

Há muito tempo, precisamente no governo Bolsonaro (a gestão de Roberto Castello Branco fazia o mesmo), a Petrobras não explica qual o reajuste médio de cada alteração (para cima ou para baixo – sim, houve muitas reduções ao longo de 2020, quando o barril de petróleo andou em queda até o começo de reação em novembro e dezembro, quando o início da vacinação no mundo contra a Covid-19 mostrou um novo horizonte para a economia).

Era tão mais simples ser direto e transparente e não fazer tanta ginástica.

Copom: vai piorar como disse Bolsonaro

O Comitê de Política Monetária do Banco Central, vulgo Copom, divulgou na manhã de hoje (28.09) a ata da reunião do último dia 22, quanto aumentou a taxa básica de juros do país (Taxa Selic) em um ponto percentual, de 5,25% para 6,25% ao ano. Num comunicado bem didático, em que sintetiza em 20 pontos o que se passa nos dois dias de reunião (na 3ª feira é feita a análise da conjuntura e na 4ª toma-se a decisão), a conclusão é a que foi antecipada ontem pelo presidente Jair Bolsonaro: “a situação, que está ruim, vai piorar”.

Em outras palavras: haverá mais inflação e aperto de juros, o que esfria a economia e atrapalha a recuperação do emprego. E o Copom já admitiu que só poderá trazer a inflação ao centro da meta em 2023 (3,25%); a de 2021 é de 3,75% e a de 2022 é de 3,50, mas o mercado projeta mais de 8,5% para este ano e mais de 4,2% para 2022.

Ou seja, o aperto monetário vai avançar pelo 1º trimestre do ano que vem e se manter até as eleições. Com grande ameaça de piora da situação econômica, se as chuvas não vierem forte na primavera e no verão para recompor os reservatórios das usinas hidroelétricas, podemos ter choque de oferta e preços.

Ajuste brusco ou demorado

Os departamentos econômicos dos bancos, como sempre, se debruçaram para esmiuçar as entrelinhas. O do Itaú resumiu a ópera com a sua interpretação dos próximos passado (as reuniões do Copom ocorrem a cada 45 dias desde o 2º semestre de 2005; antes, desde 1999, quando o BC adotou o sistema de metas de inflação, na gestão de Armínio Fraga, as reuniões eram mensais):

“A ata do Copom (...) sugere que as autoridades ainda estão focadas em garantir a convergência para a meta em 2022, mesmo que ao custo de um aperto monetário mais forte. O texto fornece argumentos para manter o ritmo de alta de 1,0 p.p., mas dá indicações de que o ciclo pode se estender adentro de 2022. Por enquanto, esperamos que o Copom mantenha o ritmo de 1,0 p.p. até o final do ano, mas esse ritmo pode ser mantido no primeiro trimestre do ano que vem. Projetamos que a taxa Selic terminará o ciclo em 9,0%, mas há viés para uma taxa de juros mais alta”, advertiu o Itaú.

O do Bradesco, que vai rever suas projeções no início de outubro, já que apostava que a Selic fecharia em 7,50% ao ano este ano e se manteria assim em 2022, explora a discussão apontada no item 14 da Ata: se o ritmo de aperto monetário deveria ser mais intenso (acima de 1 ponto percentual por reunião):

“Ata do Copom manifestou intenção de levar a Selic a nível significativamente contracionista para garantir a convergência da inflação para a meta. (...) O comitê avaliou que a evolução da atividade econômica tem se mostrado favorável e dentro do cenário, mantendo a visão de retomada robusta no segundo semestre e continuidade em 2022 – embora com hiato ainda remanescente no mercado de trabalho” (tema mais explorado pelo Itaú).

“Em relação à inflação, a avaliação é de que a alta dos preços de bens, sobretudo industriais, ainda não arrefeceu e tem se revelado persistente, além da dinâmica de aceleração (já esperada) dos preços de serviços e dos choques de alimentos, energia elétrica e combustíveis. O documento apresentou, ainda, uma discussão sobre a adequação do ritmo de ajuste da política monetária.

Diante do balanço de riscos, do ritmo da atividade econômica e das expectativas de inflação, o Copom concluiu que a manutenção do atual ritmo de ajuste (de 100 pontos-base), associado ao aumento do ciclo para um patamar significativamente contracionista, é apropriado para levar a inflação para as metas em 2022 e 2023. (...) e “reforçou a intenção de não acelerar o passo, neste momento, para “ganhar tempo” para adquirir mais informações sobre o estado da economia e os choques de inflação”, frisa o Bradesco.

Contra a inflação só há perda de tempo

[Discordo da expressão “ganhar tempo”. Contra a inflação não se brinca. Comparo o combate à inflação ao combate a um incêndio florestal ou aos que estão ocorrendo no Pantanal. Não dá para relaxar diante de pequeno foco. A hesitação é uma perda de tempo que faz o trabalho ficar mais árduo e demorado].

Recordo aqui que a coluna e o JB defenderam em março deste ano, antes do Copom surpreender o mercado com alta de 0,75 p.p. na Selic em 17 de março (com artigos do economista Manuel Jeremias Leite Caldas e meus na coluna), um choque mais visceral dos juros para trazer o dólar abaixo de R$ 5 (ou os R4 4,50 sonhados por Bolsonaro). Como o Copom optou por três choques de 0,75%, não recuperou o real ante o dólar e teve que passar para uma temporada de 1 p.p. (que deve se estender até dezembro, vê-se quem errou...

O Itaú acredita que o rimo de 1 ponto percentual (já anunciado pelo BC para a reunião de 27 de outubro) se repetirá em 8 de dezembro e 2 de fevereiro de 2022, com o ajuste final se completando em 16 de março do ano que vem. Quanto de inflação e de ajuste poderiam ter sido poupados por mais ousadia? O próprio Copom dá uma pista no item 8: “(...) uma possível reversão, ainda que parcial, do aumento recente nos preços das commodities internacionais em moeda local produziria trajetória de inflação abaixo do cenário básico”. Perdeu-se uma janela de oportunidade.

O termômetro do mercado de trabalho

Uma discussão interessante foi travada no item 12, sobre a evolução do emprego. Há dois indicadores:

1 - O Caged (Cadastro Geral de Empregados e e Desempregados) registra, com um mês de defasagem admissões e demissões do pessoal com carteira assinada – esse comportamento vem sendo positivo desde agosto do ano passado. E deve ter sido também em agosto de 2021 (os dados serão divulgados hoje ou amanhã): a LCA Consultores estima a criação de 350 mil vagas, acima das 316 mil de julho;

2- O outro é da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNAD Contínua) feita pelo IBGE. Com retardo de um mês em relação ao Caged, apresenta o panorama mais amplo do mercado de trabalho, com registro das pessoas que estão procurando emprego, da evolução dos empregos/ocupações no mercado formal (carteira assinada) e informal (por conta própria), o total de pessoas que sequer estão procurando empregos, por não estarem qualificadas para as vagas oferecidas no mercado, a evolução dos salários e uma série de indicadores mais completos. Os dois se completam.

Conforme a Ata: “Os membros do Copom discutiram a respeito da evolução do emprego. O recuo da taxa de desocupação com crescimento da força de trabalho e da população ocupada indica que o mercado de trabalho segue em recuperação. Todavia, os níveis das duas últimas variáveis ainda consideravelmente abaixo dos observados antes da pandemia sugerem hiato remanescente no mercado de trabalho. Diante da diferença entre os principais indicadores do emprego no segmento formal – PNAD Contínua e Novo Caged, sendo que o último mostra recuperação mais robusta do que o primeiro – permanece a dificuldade de avaliação do efetivo estado do mercado de trabalho”.

Na visão do Itaú, “o comitê avalia que ainda há ociosidade remanescente, com base nos níveis de desocupação e de emprego, que ainda seguem em patamares piores que os observados antes da pandemia, ainda que em trajetória de recuperação. No entanto, as autoridades acrescentam que é difícil avaliar o estado efetivo do mercado de trabalho, haja vista as diferenças entre os principais indicadores PNAD Contínua e Novo Caged, que apresentam divergências significativas sobre as tendências do emprego formal”.

Para melhor entendimento, o Itaú construiu um indicador próprio. O IDAT, que mistura, ou melhor, cruza, dados de emprego com as das atividades setoriais. Mesmo que o IBGE aperfeiçoe a pesquisa, como quer o ministro da Economia, Paulo Guedes, seguirá havendo um mês de defasagem. Uma completará a outra.

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