O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Mercado reduz PIB até 2023

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Publicado em 27/09/2021 às 18:15

Alterado em 27/09/2021 às 18:15

Gilberto Menezes Cortes CPDOC JB

Antes de o presidente Jair Bolsonaro, num ataque de “sincericídio”, às vésperas de completar 1.000 dias de governo, dizer - ao comentar as altas do dólar, alimentos, combustíveis e energia, que levaram a inflação a dois dígitos: “Não é maldade da nossa parte, é uma realidade. (...) "Nada está tão ruim que não possa piorar", o mercado financeiro já tinha “dito” isso na pesquisa Focus.

A previsão de inflação subiu a 8,45% este ano (8,52% na média dos últimos cinco dias úteis) e 4,12% em 2022; o PIB, mantido em +5,04% em 2021 e 5,02% nas previsões em 5 dias úteis), caiu para 1,57% em 2022 (1,50 em 5 dias úteis) e as previsões de redução se estenderam a 2023 para 2,20% (há um mês era 2,50% e já tinha sido reduzida para 2,30% na semana anterior.

Dois fatores estão jogando as previsões de crescimento para baixo: 1- a alta dos juros (8,25% este ano e 8,50% no ano que vem, na média do mercado). Algumas instituições apostam em 8,75% a 9%, mas há risco de taxa acima de 9% e 10% se a crise energética resultar em racionamento de energia e elevar os preços ainda mais em 2022, forçando nível maior dos juros.

O Itaú, maior banco privado brasileiro, trabalha com a hipótese básica de a economia crescer 4,8% este ano e apenas 0,5% em 2022, com redução de apenas 5% no consumo de energia (há três meses previa PIB de +1,8%). Agora, se ocorrer racionamento de 10%, vê possibilidade de queda de 1,5% em 2022. Que geraria queda de 3,5% no PIB com um improvável corte forçado de 20% no consumo de energia. O Santander, 3º maior banco privado espera crescimento de 5,1% este ano e 1,7% no ano que vem. Mas prevê apenas 1% em 2023 e média de 1,50% nos anos seguintes até 2028.

O 2º fator que está jogando para baixo as projeções da economia mundial é a crise da EverGrande, “holding” chinesa com forte atuação no mercado imobiliário. Uma crise mais forte em toda a economia chinesa poderia reduzir a taxa esperada de 8%-8,2% este ano para menos que os 5%-5,2% esperados para 2022. Uma desaceleração mais intensa da economia chinesa tenderia a ter efeito benéfico na redução das pressões inflacionárias mundiais sobre minérios, petróleo e alimentos. Mas teria impacto negativo na balança comercial brasileira, que destina mais de 60% destes itens para a China, o principal responsável pelos altos saldos na balança.

 

Macaque in the trees
. (Foto: .)

 

Maldade ou incompetência

Ao comentar os problemas do brasileiro, sobretudo na economia, Bolsonaro, mais uma vez, disse meias verdades: “Mas nós temos o percurso, temos muitos obstáculos. São intransponíveis? Não, mas depende do entendimento de cada um. Alguém acha que eu não queria a gasolina a R$ 4 ou menos? O dólar a R$ 4,50 ou menos? Não é maldade da nossa parte, é uma realidade. E tem um ditado que diz: "Nada está tão ruim que não possa piorar". Não queremos isso porque temos o coração aberto, e tem uma passagem bíblica que diz: "Nada temeis, nem mesmo a morte, a não ser a morte eterna" — disse o presidente.

A meia verdade é que a escalada do dólar – que chegou a R$ 5,87 em março deste ano, antes do Banco Central começar a elevar em 0,75 pontos percentuais a taxa Selic na reunião do Comitê de Política Monetária em 17 de março (o mercado só esperava 0,50 p.p.), mas caiu à mínima de R$ 4,93 em 26 de junho, e voltou a escalar com os ataques de Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal e ameaças de golpe, estando hoje, 27.09 em R$ 5,38 – não decorre de eventual maldade, mas da incompetência da equipe econômica em administrar o câmbio. Como não fez o trabalho certo, houve com notórios impactos na cadeia de preços, a começar pelos alimentos, minérios e combustíveis, que tendem a ter preços alinhados ao mercado internacional.

É verdade que houve alta quase geral dos três itens no mundo. Mas a alta de preços em dólar gerou mais desequilíbrios internos porque o Banco Central e o Ministério da Economia não foram ágeis para impedir o repique nos preços devido à alta da taxa do dólar ante ao real (que na verdade se desvaloriza ante as moedas fortes). Se o Banco Central tivesse sido mais ágil e enérgico na alta da Selic (elevada para 6,25% ao ano em 22 de setembro, quando a inflação já corre na faixa de 10% ao ano) e mais expedito em fazer opções de "swap" de cambial para impedir a especulação, talvez a curva da inflação tivesse se atenuada em julho.

Em palestra há duas semanas, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto apresentou a elevação dos índices de preços ao consumidor de algumas economias emergentes. O Brasil figurava com um vergonhoso 2º lugar, com alta de 10% (empatado com a Índia, ambos com 110), entre os países com os maiores índices de inflação desde janeiro de 2020 (base 100) até agosto de 2021. A lista era liderada pela Turquia, com IPC acumulado de 26%. Depois Brasil e Índia vinha a Rússia, com 109 (9% de IPC).

A liderança da Turquia se justifica pelo fato de que tanto o país quando a Índia são importadores do trio de insumos que subiram muito. Já a Rússia, grande produtora de gás e petróleo (que mantém a preços internos baixos), depende de alimentos importados. Mas países de perfil semelhante ao Brasil, como a Colômbia e o Peru tiveram metade da inflação brasileira. De que vale ser o "celeiro do mundo" se a alimentação não está alcance de milhões. Ou ser auto-suficiente em petróleo e gás e o consumidor pagar uma fortuna pelos derivados?

O presidente da República pode tergiversar perante seus seguidores. Mas, nem o presidente do BC nem o ministro Paulo Guedes podem fugir à responsabilidade e assumir erros não perante o presidente Jair Bolsonaro (que complica o quadro quando cria fatos fantasiosos como um Dom Quixote do mal), mas perante a sociedade brasileira. É ela que está pagando, na carestia que agrava o empobrecimento de boa parte da população que viu seus rendimentos encolherem na pandemia da Covid-19, os erros gritantes da política econômica.

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