O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Apesar da crise e desemprego recorde, lucros de Bradesco e Itaú crescem até 73,6%

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Publicado em 04/05/2021 às 20:31

Alterado em 05/05/2021 às 19:46

Gilberto Menezes Cortes CPDOC JB

A crise da pandemia da Covid-19 levou ao fechamento de milhares de empresas, sobretudo no comércio e setor de serviços e a níveis recordes na taxa de desemprego, com mais de 30 milhões de pessoas desalentadas, sem vaga no mercado de trabalho formal e informal. Mas em meio a esse triste cenário, o lucro dos dois maiores bancos privados brasileiros teve crescimento indecente, graças às facilidades do Banco Central que reduziu em mais de R$ 700 bilhões os recolhimentos compulsórios dos bancos sobre depósitos à vista e a prazo, sem que isso atendesse o setor produtivo, que continua sem capital de giro.

No lucro recorrente contábil, o Bradesco, que divulgou na noite desta 3ª feira lucro líquido de R$ 6,515 bilhões, teve um aumento de 73,6% sobre o 1º trimestre de 2020. O banco da Cidade de Deus voltou a ganhar do Itaú Unibanco, cujo lucro do 1º trimestre, divulgado 2ª feira à noite, incluindo as filiais da América Latina, foi de R$ 6,398 bilhões, com aumento de 63,6% sobre igual período de 2020, graças à redução de R$ 747 milhões em provisões de crédito frente ao 4º trimestre (o banco manteve provisões elevadas para os próximos meses) e ganhos acima de 223,8%% (em 12 meses) nas margens financeiras com o mercado (arbitragem de taxas de juros com outros agentes) a partir da forte redução dos depósitos compulsórios liberados pelo Banco Central.

O retorno sobre o patrimônio líquido médio dos dois bancos foi o mesmo: 18,5%. No Itaú superou os 12,8% de 2020, mas ficou aquém dos 23,6% de 2019, quando o lucro líquido recorrente foi de R$ 6,877 bilhões.

Sem eventos recorrentes extraordinários, que foram maiores no Itaú, o Bradesco venceu ainda com maior margem no lucro líquido contábil, que foi de R$ 6,153 bilhões, um aumento de 81,9% sobre o 1º trimestre de 2020. Sem eventos recorrentes, o lucro líquido contábil do Itaú ficou em R$ 5,405 bilhões segundo o próprio banco. Ou seja, uma diferença a mais de R$ 743 milhões para o Bradesco.

No Bradesco, como no Itaú, houve redução de 41,8% nas provisões para devedores duvidosos frente a igual período de 2020 e de 14,5% em relação ao 4ª trimestre do ano passado. O retorno sobre o patrimônio líquido foi de 18,5% no Bradesco. A inadimplência ficou em 2,5% no Bradesco, subindo de 2,2% em dezembro. Nas Pessoas Físicas o índice subiu de 3,1% em dezembro para 3,5%. Para as micros, pequenas e médias empresas, variou de 1,9% (em setembro e dezembro) para 2,6%, indicando a falta de programas oficiais de suporte ao segmento. Já nas grandes empresas, o índice declinou de 0,7% (em setembro e dezembro) para 0,4% em março de 2021.

De onde vem o lucro do Itaú

O Itaú divide as operações no Brasil em três frentes: varejo, atacado, e Atividades Corporativas e Tesouraria. O banco de Varejo lucrou R$ 2,210 bilhões no 1º trimestre, com aumento de 25,6% sobre igual período de 2020. O melhor resultado foi do Atacado, com lucro líquido de R$ 2,453 bilhões, um aumento de 237,8% sobre 2020. Nas operações corporativas e de Tesouraria o lucro aumentou 21,7% para R$ 1,734 bilhão.

Vou usar comentários do próprio banco, que destaca “um crescimento de 223,8%” no período na “margem com mercado, que foi marcado pelo início da pandemia de Covid-19 e foi afetado por inesperada volatilidade”. No 1º trimestre deste ano a margem financeira bruta foi de R$ 18,636 bilhões, voltando acima dos níveis de janeiro março de 2020 (R$ 17,805 bilhões) e de 2019 (R$ 17,668 bilhões).

O grande avanço veio “da redução de 59,2% do custo de crédito frente a igual período de 2020”. A redução dos compulsórios deu folga de liquidez aos bancos em geral e o Itaú aproveitou para registrar ganhos de R$ 2,446 bilhões nas operações com o mercado (no 1º trimestre de 2020, quando a liberação não chegou a fazer efeito, pois ocorreu a partir de fins de março, o ganho foi de apenas R$ 760 milhões). Até mesmo sobre os R$ 1,244 bilhão de 2019 houve aumento 97,8%.

Repique na Inadimplência

O Itaú aumentou em 9,8% os empréstimos a pessoas físicas, para R$ 261,2 bilhões. A inadimplência caiu para 3,9%, graças a muita renegociação. Acontece que os atrasos de pagamento entre 15 e 90 dias voltaram a subir de 2,4% em dezembro para 2,8% em março de 2021.

O crescimento das carteiras com micro, pequenas e médias empresas no Brasil foi de 22,7%, para R$ 128,2 bilhões. A inadimplência acima de 90 dias, que tinha caído à mínima de 1,4% em setembro, graças aos programas oficiais de renegociação, subiu para 1,7% em dezembro e chegou a 2,5% em março de 2021. Nas operações entre 15 e 90 dias a tendência é semelhante: 1,1% em setembro; 1,8% em dezembro e 1,6% em março, com pequeno alívio.

Para as grandes empresas, o crescimento nos empréstimos foi de 11,5%, chegando a R$ 237,7 bilhões. O nível baixo dos juros em mercado permitiu que muitas empresas fizessem captações diretas em papéis de dívida ou ações, e a inadimplência se manteve baixa em 0,4%, mesmo nível de dezembro. Nas operações em atraso entre 15 e 90 dias o índice é de 0,5% (contra 0,7% em setembro e 0,6% em dezembro).

Menos agências, mais pessoal

Um dado interessante no balanço do Itaú Unibanco é que apesar do fechamento de 166 agências, que encolheram de 4.500 em março de 2020 para 4.334 no fim do 1º trimestre deste ano, com o mesmo número de 195 agências digitais, o banco aumentou em 2.308 pessoas o seu quadro de funcionários no Brasil, que fechou março com 84.415 trabalhadores.

O banco diz que além da redução dos custos de crédito, houve redução de 0,8% nos custos do Brasil graças ao “contínuo investimento em tecnologia e nos negócios” (...). “O uso de canais digitais segue avançando de maneira relevante. No mês de março de 2021, 52% das contas correntes abertas ocorreram através de canais digitais, crescimento de 64% frente ao mesmo período ano anterior. Além disso, 54% das contratações de produtos por pessoas físicas foram realizados digitalmente, o que representa incremento de 70% frente a março de 2020”

Falta de vacina é exemplo da falta de Censo

Se alguém ainda duvida da importância do Censo Demográfico, com suas dezenas de perguntas para oferecer uma radiografia precisa do ponto de vista demográfico e socioeconômico da população, o descompasso na distribuição da 2ª dose da CoronaVac, que levou à suspensão da vacinação em diversas cidades brasileiras é um pequeno exemplo de como faz falta uma radiografia precisa da demanda para o estabelecimento de cronogramas diários, vinculados às faixas etárias.

A mobilidade das pessoas entre os municípios do Grande Rio tanto pode ter levado moradores de grandes cidades como São Gonçalo, Duque de Caxias, Nova Iguaçu, Belford Roxo. Niterói e São João de Meriti a virem se vacinar na capital, esgotando os estoques da cidade do Rio de Janeiro e vice-versa. Mas se houvessem dados mais confiáveis, as planilhas seriam mais exatas no dimensionamento da demanda (qualquer desvio, já deveria ter sido percebido).

Agora imagina quantos erros podem ser cometidos na educação, no saneamento básico, na saúde (numa campanha de vacinação para criança ou idosos, quando não se sabe o contingente após o impacto da Covid), nos transportes públicos, em transferências de cotas-partes dos impostos federais (para estados e municípios) e dos estados para os municípios.