O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

[email protected]

O OUTRO LADO DA MOEDA

Madoff se foi, mas as pirâmides resistem

.

Publicado em 14/04/2021 às 14:45

Gilberto Menezes Cortes CPDOC JB

Morreu hoje, nos Estados Unidos, às vésperas de completar 83 anos, em 29 de abril, Bernie Madoff. Para quem não está ligando o nome à pessoa, lembro que ele ganhou fama como megainvestidor e ascendeu ao respeitável posto de presidente da Nasdaq, a primeira bolsa de cotações eletrônicas nos Estados Unidos (já nos anos 70). Mas Madoff usou seu prestígio para obter ganhos fáceis com a montagem de pirâmides financeiras.

Foi bem-sucedido durante algum tempo. Até que em 2008, durante a crise do sub-prime de julho-agosto daquele ano, que gerou a maior crise financeira mundial, sua pirâmide financeira não resistiu e veio abaixo como um castelo de cartas. Condenado em dezembro de 2009 a 150 anos pela maior fraude na história de Wall Street, com prejuízos de US$ 65 bilhões para cerca de oito mil investidores, morreu no Federal Medical Center, em Butner, na Carolina do Norte.

A tentação que leva celebridades como jogadores de futebol e atores globais a perderem R$ 170 milhões na obscura J.J. Invest, do improvável gestor Jonas Jaimovick só tem explicação na ganância misturada com estupidez. É razoável, quando a Selic rende menos de 0,4% ao mês (está em 2,75% ao ano e deve ir a 3,50% ao ano em 6 de maio), alguém prometer retornos de 5% a 10% ao mês? (ao ano já seria bom!). Pois a CVM vira e mexe pune emissões não registradas por “analistas de investimentos” sem credencial para tal, como J.J.

Se você quase caiu numa pirâmide ou conhece quem caiu, saiba que Madoff engambelou peixes graúdos de Wall Street e do circuito financeiro mundial. O Fairfield Greenwich Advisors, tinha US$ 7,5 bilhões aplicados, o Tremont Capital Management, US$ 3,3 bilhões, o Banco Santander, US$ 2,87 bilhões, o Bank Medici, US$ 2,1 bilhões, a Ascot Partners, US$ 1,8 bilhão e o HSBC, US$ 1 bilhão, entre outros menos conhecidos.

Em boa parte, usava sua boa imagem de grande filantropo da colônia judaica para arrebanhar novos investidores e assim fazer a pirâmide funcionar. Dos bilhões investidos com Madoff, o administrador nomeado pelo tribunal recuperou mais de US$ 13 bilhões de cerca de US$ 17,5 bilhões que os investidores investiram nos negócios de Madoff.

A tentação das pirâmides

Em meus 49 anos de jornalismo econômico já escrevi sobre muitas pirâmides financeiras. No “boom” da Bolsa de Valores do começo dos anos 70, quando ainda não havia a Comissão de Valores Mobiliários (CVM, o xerife do mercado de capitais, que foi criado no fim de 1976, para fiscalizar a nova Lei das Sociedades Anônimas) e as ações não tinham registro eletrônico, era muito comum o roubo ou desvio de cautelas. Já reproduzi aqui no JB parte das memórias de Antônio Carlos de Almeida Braga (o Braguinha) na qual ele conta ter ganho dinheiro no começo da vida descontando os cupons de dividendos de ações que os clientes ricos deixavam para trás nos anos 50 e 60.

Sem controle eletrônico, ocorriam barbaridades nas corretoras. Muita gente ficou rica desviando cautelas. Mas como a mentira tem perna curta, cedo ou tarde a verdade vinha à tona e a pessoa se queimava no mercado. A ganância pelo dinheiro e as promessas de ganhos fáceis levam pessoas a acreditar em terreno na Lua (hoje, com “venda” de passagens ida e volta ao nosso satélite, o golpe já cabe em história de ficção científica e isso levou um famoso pastor a criar ‘plano habitacional’ para venda de casa própria no céu). Bingo. Nos anos 70, operadores da BVRJ chegaram a “fazer” o lançamento de ações da SA Merposa (basta ler as sílabas iniciais separadas para perceber que a coisa não cheiraria bem). Houve compradores e ‘notícia’ em jornais.

No auge do "open market", que era a negociação diária de títulos públicos (Letras do Tesouro Nacional de 91 a 365 dias e ORTNs de dois e cinco anos) para o Banco Central regular a liquidez do sistema financeiro, entrou no cardápio a utilização de Obrigações da Eletrobrás (empréstimos compulsórios cobrados de 1963 em diante de grandes consumidores industriais e comerciais) como lastro das operações do open Market.

As OEs eram títulos de uma estatal (que o governo Bolsonaro quer privatizar) com resgate em 20 anos. Tinham correção monetária e juros anuais de 8% como as ORTNs de cinco anos. O atrativo eram os sorteios de resgate periódicos. Mas até que esses papéis entrassem como lastro de operações "overnight" ou de uma semana de resgate, muita gente não ligava para as contas de luz. Se nos tempos atuais se ganha dinheiro com reciclagem, nos anos 50, 60 e 70 se ganhava dinheiro garimpando “oportunidades” no mercado de capitais.

A Resolução 366 e o caso Laureno

A Corretora Laureano se especializou em Obrigações da Eletrobrás. Tinha salas da sua sede, na Avenida Rio Branco 157, lotadas destes papéis, que eram comprados na bacia das almas por “garimpeiros” de grandes consumidores de energia (com direito ao resgate do empréstimo – por sinal, o valor atualizado dos empréstimos compulsórios é um dos obstáculos à privatização da Eletrobrás).

Usar OEs como lastro no “overnight” era um absurdo dos absurdos. Os papéis próprios para isso eram as LTNs, de liquidez imediata. Nem ORTNs deviam ser lastro para giro de curto prazo. Aí o ministro da Fazenda, Mário Henrique Simonsen, resolveu disciplinar as operações do “open market”, em maio de 1976, com a Resolução 366. Em decisão prudencial, determinou que bancos, corretoras e distribuidoras só poderiam carregar carteiras de títulos públicos e privados (CDBs, Letras de câmbio, letras imobiliárias e debêntures de empresas) até 30 vezes o valor de seus capitais e reservas.

Esses limites já eram generosos. Se os Estados Unidos tivessem feito algo parecido no começo deste século a crise do sub-prime não teria ganho tal dimensão. Aqui, se a 366 não tivesse desinflado a febre do "overnight" (quando a inflação ainda não tinha superado os 45% ao ano), os estouros no mercado financeiro teriam sido muito maiores e os prejuízos incalculáveis, com reflexos na economia.

Mas você, caro leitor, deve estar se perguntando por que essa ciranda da Laureano com as OEs só veio a estourar em 1983, quando do escândalo da Coroa-Brastel? É que o dono da Laureano, o corretor Roberto Laureano, era influente e esperto. Colocou como diretor da corretora um filho do general Golbery do Couto e Silva (que foi o criador do SNI no governo Castello Branco, em 1964) e depois de presidir a Dow Química no Brasil, durante o governo Médici, foi chefe da Casa Civil do governo Geisel (1974-79) e do governo Figueiredo, saindo em 1981, após o atentado de militares no 1º de maio no Riocentro. Laureano atuou na Coroa, financeira de Assis Paim Cunha.

Dono da Brastel (uma forte cadeia de lojas de eletrodomésticos e de material de construção) Paim Cunha virou parceiro de Laureano. A Coroa-Brastel tornou-se o grande financiador do giro diário, semanal ou mensal das carteiras de títulos da Laureano. Quando ficou insustentável a continuação da Laureano, a Coroa-Brastel assumiu a corretora e sua carteira problemática em 1980. E o Banco Central liberou a financeira Coroa dos limites rígidos para aumento da emissão de letras de câmbio e outros papéis (uma forma de permitir à financeira maiores lucros para absorver o ônus da compra da Laureano – escrevi em abril de 1981 no Relatório Reservado uma entrevista com o gestor da financeira da Brastel, na qual ele confessava a liberalidade).

Pois bem, sem a lupa do BC, a financeira passou a fazer emissões de papéis sem lastro. Nem assim, o rombo foi superado. Os ministros do Planejamento, Delfim Netto, e da Fazenda, Ernane Galvêas, foram acusados (não deu em nada para ambos) de favorecer o grupo, autorizando empréstimo elevado da Caixa Econômica Federal para a rede de material de construção. Não adiantou. O furúnculo estourou em 1983. Conheci algumas vítimas da Coroa-Brastel. Um era ex-colega do JB da Av. Brasil. Seduzido pelas altas taxas, investiu o dinheiro de férias e do FGTS (tinha rescindido o contrato) em letras de câmbio da Coroa. Quando ele me contou as taxas prometidas, era tarde para voltar atrás. Jamais recebeu o que investiu.

Índia volta a bater recorde de novos casos

Com 185.190 novos casos de COVID-19 notificados na noite de ontem, a Índia registrou o maior pico em um único dia desde o início da pandemia. Segundo o “Hindu Times”, também houve o recorde de 1.026 mortes, o maior em quase seis meses. Há focos em três estados: Maharashtra (60.212 infecções, 32% dos novos casos), Uttar Pradesh (18.021 casos) e Delhi com 13.468 novas infecções. Para conter a expansão do vírus, o ministro-chefe do Maharashtra, Uddhav Thackeray, anunciou ontem um “mini bloqueio” no estado por 15 dias a partir das 20h desta 4ª feira (hora local).

Ao citar um total de 13.852.599 casos e 171.929 mortes, o jornal frisa que “em 11 de abril a Índia ultrapassou o Brasil no número acumulado de casos confirmados de Covid-19. O Brasil, com 13,52 milhões de casos cumulativos, registra mais de 72.000 infecções diárias em média. Além disso, o Brasil está registrando mais de 3.100 mortes por dia, em média. Até 11 de abril, o Brasil registrou 354.617 mortes cumulativamente, o dobro da Índia”.

Vacinação 4 vezes a do Brasil

A tradução disso será mais dificuldade para a Índia liberar Insumos Farmacêuticos Ativos (IFAs) ao Brasil. Mesmo sendo o maior produtor do mundo, a nação de 1,38 bilhão de habitantes foi buscar a vacina russa Sputnik V (cobiçada pelo Brasil) para vacinar sua gente.

Em se tratando do 2º país mais populoso do mundo, as cifras de vacinação são monumentais, mas ainda insuficientes em termos relativos. Até ontem foram administradas 108,533 milhões de doses, de acordo com o Ministério da Saúde da União. Só no dia 12 de abril, 87º dia da campanha de vacinação, foram aplicadas 4 milhões de doses. Uma média de 3,309 milhões de doses foram administradas diariamente entre 1º de abril e 12 de abril.

Aqui, mal estamos conseguindo manter uma média acima de 1 milhão de doses diárias. E nada menos de 1,5 milhão das 27,5 milhões de doses aplicadas podem perder a eficácia. Por falta de orientação, esse número de pessoas que tomou a 1ª dose não compareceu para a 2ª dose (na CoronaVac o intervalo é de 28 dias; na AztraZeneca, é de 90).

Quem já se vacinou (receberia a 2ª dose dia 26 de abril), já percebeu que ninguém registra em tempo real (para criar um cadastro com nome, telefone ou e-mail do vacinado (a). Assim, não vejo como as secretarias municipais, estaduais e o Ministério da Saúde possam fazer o acompanhamento preciso. O atendente anotou minha data a lápis. Tive até dificuldade de decifrar que era dia 25.04. Imagine mais idosos, com problemas de vista ou menos letrados...

O inexplicável atraso do RJ

Apesar dos percalços, a vacinação avança no Brasil. Ainda bem, porque é o único antídoto – até aqui – contra a Covid-19, que não eximirá nenhum vacinado com as duas doses de continuar a adotar medidas de asseio e o uso de máscaras em ambientes mais fechados.

Hoje o governo de São Paulo, anunciou o calendário para vacinar cidadãos com 64 até 60 anos. No Rio de Janeiro estamos atrasados. Embora o estado do RJ seja o 3º do país em população (17,4 milhões), está em 5º lugar no total de vacinados com a 1ª dose, mas com baixo índice de imunização, que só se dá pelo menos 21 dias após a aplicação da 2ª dose.

São Paulo, com 46,5 milhões de habitantes, já aplicou, ao menos, uma dose em 13% da população. Minas Gerais, com 21,3 milhões, teve 11,5% vacinados com a 1ª dose. No Rio Grande do Sul (11,4 milhões), 15,5% receberam a 1ª dose. A melhor cobertura do país pode ser comparada aos 11,6% do Paraná, com 120 mil habitantes a mais que o estado gaúcho.

A Bahia, que tem a 4ª população do país, com 14,9 milhões de habitantes já aplicou uma dose em pelo menos 13,5% dos baianos. No RJ, o percentual da 1ª dose é de 9,9%, atrás ainda do Piauí, Paraíba, Pará, Alagoas, Amazonas, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Santa Catarina.