O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

Portugal dá lição com Censo quase todo via internet

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Publicado em 07/04/2021 às 18:31

Alterado em 07/04/2021 às 18:31

Gilberto Menezes Cortes CPDOC JB

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) suspendeu esta semana a seleção de mais de 204 mil pessoas (dos quais 181,9 mil recenseadores) que iriam trabalhar na coleta e processamento das informações do Censo de 2021 (adiado de 2020, devido à pandemia). Com corte de verbas, a presidente do IBGE, Suzana Cordeiro Guerra, a amiga da filha do ministro da Economia pensou ser possível fazer o censo pela internet. Ante o impossível, se demitiu (aguarda a substituição pelo "tiozão" Paulo Guedes no cargo) e cancelou o concurso.

O ex-presidente do IBGE (julho de 2016 e junho de 2017, quando assumiu o BNDES no governo Temer), Paulo Rabello de Castro relembra ter vivido penúria parecida em 2016, quando o Censo Agropecuário (realizado a cada 5 anos) adiado de 2015 foi protelado para 2017. Sem verbas, recorreu ao uso de tecnologias propiciadas pela internet (celular) e satélites (localização de propriedades e culturas via GPS). E o Censo foi realizado.

Mas, segundo o ex-diretor de informática José Bevilacqua, a cultura brasileira digital está muito atrasada. No Censo Agropecuário de 2017, já com uma base de 40 mil empresas com atividades agrícolas, apenas 1.600 responderam aos questionários enviados. No Censo de 2010 a tentativa ganhou prêmio da Unesco, mas foi mais frustrante: dos 70 milhões de questionários enviados pelo correio e internet só 0,2% (1,4 milhão) voltaram. Além do atraso na elaboração do censo, “devia ter início em 2019”, ele via duplo risco: novo fracasso no uso de tecnologia e o contágio (tipo leva e traz) da Covid-19 pelo exército de recenseadores que iria de casa em casa e estabelecimentos para o contato direto com os informantes.

Embora com área bem menor que a do Brasil (92,256 mil km2, contra 8,5 milhões de km2) e somente 10,5 milhões de habitantes contra nossos 212 milhões de brasileiros, Portugal, a pátria mãe do Brasil, viveu o mesmo drama do IBGE. Também adiou o Censo de 2020, mas o Instituto Nacional de Estatísticas (INE) está iniciando este mês o Censo Nacional de 2021, com 11 mil contratados para realizar a tarefa em somente seis semanas.

Na metade de maio a tarefa básica de levantamento de dados estará concluída. A partir daí serão feitas tabulações sócio-econômicas-ambientais. Isso será possível graças a um amplo planejamento prévio e o envio de questionários minuciosos para as residências e demais estabelecimentos comerciais, industriais de serviços e a zona rural. Cada recenseador cuida de 600 unidades. Se ficar constatado que faltam áreas, o recenseador vai verificar in loco com os moradores ou os responsáveis pela unidade.

José Bevilacqua reforçou minhas observações a amigos economistas que criticaram a acomodação do IBGE que não buscou inovar, como fez nas pesquisas mensais e semanais sobre inflação, emprego e produção industrial, comercial, agropecuária e de serviços – com intenso recurso à internet. É verdade que as coletas já tinham uma base amostral (foi só ajustar aos canais da internet). Mas não dá para comparar com o avanço digital de Portugal.

As ordens de grandeza do Brasil – a população de Portugal (menor que a do Grande Rio) ocupa área equivalente às dos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo, porém com menos da metade da população (17,3 milhões do RJ e 4,3 milhões do ES) – e a imensa disparidade de renda, escolaridade e de acesso à internet e a celulares (patente no prejuízo para os estudantes de baixa renda que não tiveram acesso a computador no ensino à distância) não permitem o uso completo dos meios lusos em “Terra Brasilis”.

A eficiência lusitana

Os brasileiros têm a velha (e idiota) mania de ridicularizar o português, mas andamos apanhando de goleada da pátria mãe. Desde que entrou para a União Europeia, em 1992 e decidiu priorizar o cidadão, Portugal dá banho em avanços de tecnologia. Em 1998 criou o Multibanco (um cartão que engloba acesso a quase 14 mil caixas eletrônicos, não importa a bandeira do banco). O passo seguinte foi o Cartão Cidadão. Implantado no ano 2000, juntou num único documento eletrônico a identidade, o CPF, o seguro social e o seguro saúde, e o CNPJ. Válido por 5 anos, tem custo de 30 euros. Aqui, o Documento Único vaga no Congresso desde 1995. Na democracia havia temor contra a intromissão do Estado na vida do cidadão. Imagina no governo Bolsonaro, com seu afã totalitário e controle sobre a Polícia Federal e a Receita Federal...

Em Portugal, o Cartão Cidadão foi fantástico no monitoramento da Covid-19, incluindo o acompanhamento dos portugueses pelo mundo e dos cerca de 500 mil estrangeiros com cartão de residentes no país. Em grande parte, ele é o facilitador do acesso aos 10,3 milhões de portugueses pelo INE no Censo. Que, a propósito, tem questionários em português (por suposto) e mais 11 línguas, para alcançar todos os cidadãos do mundo radicados no país.

A colônia brasileira é das maiores, mas o avanço tecnológico de Portugal transformou o país num paraíso para atrair para Lisboa, Porto, Cascais ou qualquer outra cidade interligada ao mundo dos chamados “nômades digitais”, os especialistas em tecnologia que instalaram empresas em Portugal para dar consultoria digital nos quatro cantos do mundo. Amigo que montou uma empresa assim diz que a clientela dos nômades vai até Moscou.

Alemães também vão a Putin pela Sputnik V

A troca de Ernesto Araújo por Carlos França no Itamaraty pode ser um alento para o Brasil perder a condição de pária no mundo. A ligação do presidente Bolsonaro ao presidente russo, Vladimir Putin, para pedir aceleração nas providências internas para o laboratório Gamaleya atender às exigências da Anvisa pode ser empurrão que faltava. O Ministério da Saúde já contratou 38 milhões de doses da Sputnik V ao laboratório Neo Química, que vai produzir a vacina em Goiás e São Paulo, mas a Anvisa ainda não aprovou o imunizante.

Com o fiasco da vacina da AztraZeneca (a grande aposta do governo brasileiro e também dos principais países da União Europeia, que encomendaram a vacina e mais as da Pfizer-Biontech e da Moderna, que só entrega as primeiras doses em 19 de abril) os países do bloco apelaram para Putin. O governador da Baviera, maior estado alemão, encomendou 3,8 milhões de doses.

E aqui entram as dificuldades para o Brasil. Se Jair Bolsonaro não tivesse perdido dois anos e três meses com os devaneios idiotas de Araújo, o Brasil não teria ficado para escanteio na geopolítica mundial da globalização.

A Rússia de Putin tem grande interesse em agradar as nações europeias, grandes consumidores (a começar pela Alemanha) do gás natural e do petróleo russo. O cardápio de trocas comerciais entre Brasil e Rússia é bem restrito. O que nos torna mais dependentes da China, nosso maior comprador de produtos (alimentos, minerais e petróleo).

Os Insumos Farmacêuticos Ativos (IFAs) que o Serum Institute da Índia iria fornecer à Fiocruz estão rateando e o socorro veio da China. Mas China e Índia (às voltas com explosão de casos da Covid-19) estão intensificando a vacinação (2,7 bilhões de habitantes) e terão mais dificuldade de entrega.

Todos ligam para Putin. Se Bolsonaro se limitou a pedir ajuda e não esticou a conversa para saber a mágica do moderno Czar russo que conseguiu o direito a mais candidaturas à reeleição para dois mandatos de 6 anos cada, podendo ficar até 2036 (com 83 anos), veremos se o Brasil voltou a ter peso no mundo.

Não é um Mero atraso

A Petrobras informou hoje que, devido à pandemia da Covid-19 está atrasada nos estaleiros da China e conversão do FPSO Guanabara. Em função disso, a estatal adiou do 4º trimestre de 2021 para o 1º trimestre de 2022 a entrada em operação do Mero 1, o primeiro campo de operação de Mero, na área de Libra, na Bacia de Santos.

Não se trata de um mero atraso. O FPSO seria o pioneiro dos três FPSO com capacidade de processamento de 180 mil barris/dia cada (540 mil barris/dia no total) e 12 milhões de m3 de gás por dia a operar no Campo de Mero até 2024 (o último foi contratado na China em agosto do ano passado).

Localizado a cerca de 180 quilômetros da costa do Rio de Janeiro, em águas ultraprofundas, o Campo de Mero é o 3º maior do pré-sal, atrás de Tupi e Búzios, com reservas da ordem de 3,3 bilhões de barris. A Petrobras lidera o consórcio de Libra, com participação de 40%, em parceria com a holandesa Shell (20%), a francesa Total (20%) e as chinesas CNODC Brasil Petróleo e Gás Ltda. (10%), CNOOC Petroleum Brasil Ltda. (10%) e Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA), que exerce papel de gestora desse contrato.

Não pode dar certo

Levantamento da consultoria IDados, feito em cima de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), do IBGE, com coleta do primeiro trimestre de 2012 até o último trimestre de 2020, encontrou a seguinte discrepância: a renda média dos funcionários públicos no Brasil subiu 20,4% do início de 2012 ao fim de 2020; já a dos profissionais com carteira assinada do setor privado, aumentou apenas 7,1%.

A diferença no avanço dos rendimentos é ainda maior ao comparar os salários médios do quatro trimestre de 2020. Os servidores ganharam, em média, 76% mais do que os trabalhadores do setor privado. Os militares e estatuários (servidores por concurso público) também tiveram alta de 13,1% em seus salários no período. Esse é o peso maior do Estado que esmaga a iniciativa privada e o contribuinte.