O Outro Lado da Moeda

Por Gilberto Menezes Côrtes

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O OUTRO LADO DA MOEDA

PIB per capita em dólar tomba 47,9% na década

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Publicado em 03/03/2021 às 16:21

Alterado em 04/03/2021 às 08:00

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O Produto Interno Bruto (PIB) avançou 3,2% no 4º trimestre de 2020, e fechou o ano com queda de 4,1%, somando R$ 7,4 trilhões. O recuo ainda perde para o tombo de 4,4 no Plano Collor em 1990, mas é pior que as recessões de 3,5% em 2015 e o de 3,3% em 2016. E quase anulou a recuperação acumulada de 4,6% entre 2017 e 2019. De 2011 até 2020, o avanço do PIB foi inferior a 1,5%. Descontando o crescimento da população (atualmente de 0,7% ao ano e que diminui com a mortalidade recorde da Covid-19) outras consequências da tragédia - o desemprego, não captado nos números do PIB divulgados hoje, 3 de março, pelo IBGE, se refletem no PIB per capita, que encolheu 4,8%, e na renda.

Medida em dólar, a tragédia fica mais dramática. Com as fortes desvalorizações do real ante o dólar em 2015, 2019 e 2020 (-22,4%), o PIB veio encolhendo de US$ 2,063 bilhões, em 2017, para US$ 1,420 bilhão em 2020 e o Brasil foi superado pelo Canadá, Coréia do Sul e Rússia, na lista dos 10 maiores PIBs do mundo (que integrava desde 2006) e ficou em 12º lugar.

Em termos per capita o impacto foi ainda maior, ao murchar para apenas US$ 6.900 em 2020. Em 2011, quanto o PIB per capita atingiu seu pico no Brasil, era de US$ 13.245. Desde então, desceu ladeira abaixo. O valor de US$ 6.900 no ano passado representa um tombo de 47,9% na década e ainda nos coloca à frente da Colômbia (US$ 5,7 mil), mas atrás da Argentina e do Chile na América do Sul.

A comparação em dólar com a Argentina é interessante. Só em 2011 o PIB per capita do Brasil (US$ 13.245) passou, pela primeira vez, o da Argentina (US$ 12.848 naquele ano). Mas desde 2017, quando a Argentina atingiu o pico de US$ 14.613, ambos desceram ladeira, arrastados por recessões e desvalorizações de suas moedas. Em 2029, segundo o Banco Mundial, o PIB per capita da Argentina caiu a US$ 9.912. Não se conhecem os dados de 2020.

Serviços financeiros lideram crescimento e são taxados

Nenhuma atividade sofreu mais com as restrições a aglomerações pelos riscos de contágio da Covid-19 do que a de serviços (que encolheu 4,5% em 2020). O setor de serviços, que representou 72,8% do PIB em 2020, tem muito a ver com a demanda das famílias, que encolheu 5,5% no ano passado, muito afetado pelo forte aumento do desemprego e da perda da renda no trabalho informal de membra do clã familiar.

O segmento de serviços que mais encolheu foi o de Outras atividades, que englobam serviços prestados às famílias (bares, restaurantes, hotéis, turismo e lazer, além de cabelereiro, beleza e bem-estar). A queda foi 12,1%. Superou a retração de 9,2% em Transporte e Armazenagens. Comércio caiu 3,1%.

Em serviços, a causa e efeito da Covid-19

Dois segmentos de serviços tiveram resultados positivos: Atividades Imobiliárias, que registraram expansão de 2,5%, e Atividades Financeiras, de seguros e atividades financeiras correlatas, que cresceram 4%, impulsionadas pela expansão de 11% nos créditos às famílias (temo pela inadimplência).

O melhor desempenho apresentado, em meio à crise de 2020, pelo segmento de serviços financeiros explica porque foi brindado com a elevação da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSSLL) de 20% para 25% de 1º de julho a 31 de dezembro, para compensar a perda de R$ 3,7 bilhões com a redução do PIS/Cofins sobre a gasolina e o diesel durante dois meses.

Entretanto, o maior movimento no segmento de serviços no 4º trimestre (black-friday de fins de outubro/começo de novembro e Natal) produziu o melhor desempenho do setor no ano (crescimento de 2,7% sobre o trimestre anterior, impulsionado pelo aumento de 3,4% no consumo das famílias).

Como dizia o Barão de Itararé, as consequências vêm depois: a maior circulação de pessoas, desde a campanha para as eleições municipais em fins de outubro e novembro, culminando com as confraternizações de fim de ano provocou o espalhamento de variantes do Covid-19, sobretudo na Amazônia, situação agravada quando pacientes sem oxigênio em Manaus foram transferidos para várias cidades do país. O gênio da logística que ocupa o Ministério da Saúde espalhou os vírus mutantes para todo o país. A farra irresponsável no Carnaval fez o resto.

É sintomático que Santa Catarina (onde o presidente Bolsonaro passeou de lancha e jet-sky no fim do ano e Carnaval, no litoral norte, incluindo o agitado Balneário Camboriú, onde atraiu admiradores sem máscaras) tenha tido dramática explosão de casos em fevereiro e março.

CVM troca diretor em pleno caso Petrobras

Não podia ser pior a hora do diretor Gustavo Gonzalez pedir demissão do Colegiado da Comissão de Valores Mobiliários. Nomeado para a Autarquia em 13 de julho de 2017, ao apresentar sua renúncia em 1º de março de 2021, alegando “motivos pessoais”, Gonzalez escapa de se envolver nas investigações sobre “insider trader” com opções da Petrobras nas vésperas do vencimento de 22 de fevereiro, na B3 (que englobou a Bovespa).

O caso é complexo porque também estava à véspera da divulgação (dia 24) do balanço da Petrobras no 4º trimestre (lucro gigantesco de R$ 59,8 bilhões). As sociedades anônimas são obrigadas a manter um período de silêncio (pelo menos suas semanas antes da divulgação dos resultados, os integrantes da diretoria não podem falar sobre o desempenho ou fatos que afetem as ações). Na 2ª feira, 22 de fevereiro seria o dia de encerramento das posições na B3.

Por isso, a primeira providência da CVM foi cobrar explicações da diretoria da Petrobras por não ter havido Fato Relevante indicando a mudança na 6ª feira, 19 de fevereiro (só comunicada a Roberto Castello Branco pelo Conselho de Administração na 2ª feira, 22). Bolsonaro, como responsável pela União, o acionista controlador da estatal, deveria ter sido alertado para os impactos. Mas quem iria “botar o gizo no gato”?

Na tarde do dia 18 (uma 5ª feira), paralelo a reunião do presidente Jair Bolsonaro com os ministros das Minas e Energia, Bento Albuquerque, e da Economia, Paulo Guedes, quando foi selada a não recondução do atual presidente para um mandato de dois anos, que vence dia 20 de março, e sua substituição pelo general Joaquim Luna e Silva, que comandava a Itaipu Binacional, ainda no “after market”, após o fechamento do pregão às 16: foram feitas apostas pesadas de venda em dois contratos de opção: Petrn 265 e Petrn 271.

Essas operações de opções (não seriam Petrn171?) só teriam sentido (dado o elevado risco) a dois dias do vencimento, se o investidor (ou investidores) tivessem uma informação privilegiada (a queda de Castello Branco). Mas só foi insinuada pelo presidente Bolsonaro em sua “live” semanal das quintas às 19 horas, quando disse “alguma mudança vai haver na Petrobras”.

Se fosse apenas na periocidade ou forma de cálculo dos reajustes, o tombo não se justificaria – as ações caíram 8% na 6ª feira (e a nota oficial do MME anunciando a indicação de Luna e Silva só ocorreu após o encerramento do pregão formal, às 17 horas) e mais 21% na 2ª, quando do encerramento de posições. Detalhe: até 15 horas de 5ª feira, 18, os papéis da estatal subiam, mesmo com críticas de Bolsonaro a sucessivos reajustes de combustíveis.

A saída de Gonzales (o substituto será indicado pelo presidente da República, com o nome aprovado pelo Senado, irá cumprir o mandato do diretor, que expira em dezembro de 2021) deixa mais desfalcado o Colegiado da CVM, a agência reguladora do mercado de capitais do país.

A CVM é presidida por Marcelo Barbosa, e conta com quatro diretores. Mas, além de Gustavo Gonzalez, só estavam em atividade os diretores Flávia Perlingeiro e Alexandre Rangel. Isso porque o mandato de Henrique Machado expirou em 31 de dezembro e não foi ainda preenchido. Machado, ex-advogado do Banco Central, foi relator em casos emblemáticos, como a condenação de Eike Batista por operações com papéis da OGX.

Pelo envolvimento do presidente e ministros (mesmo sem relação direta com as ordens de compra e venda de opções), o caso Petrobras, tem potencial tão explosivo quando o caso Vale, em 1980. Na ocasião, para salvar a Corretora Ney Carvalho, do então presidente da BVRJ, Fernando Carvalho, que estava em “corner”, o ministro da Fazenda, Ernane Galvêas, instruiu ao presidente do Banco Central, Carlos Langoni, a vender ações da Vale pela mesa de operações do BC. E a ordem de venda (em vez de ser apregoada em leilão, dado o volume elevado de papéis) foi numa operação direta: coincidentemente o vendedor era o operador de pregão da Ney Carvalho. Jorge Salgado. E o comprador para a corretora, o mesmo Salgado, atual presidente do Clube de Regatas Vasco da Gama e dono da Ativa Corretora.