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Cortando Distâncias

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“Ensino à distância”, um termo que já era familiar no léxico brasileira há uma década. Contudo, quando citada em uma esfera acadêmica, essa expressão era equivalente a outra coisa: risos e descrença. É irônico que, nos últimos meses, exatamente esse modelo desprezado e considerado incompleto tenha se tornado a única via de alívio para o ensino durante a pandemia.

Por fato, apesar da educação consistir de uma via de mão dupla, o professor, independentemente de suas dificuldades, está em sua sala de aula no papel de lecionador. No entanto, o resultado final da aula só pode ser medido pela perspectiva daquele que recebe suas lições e está lá para ser transformado, o estudante. Desse modo, como universitário e usuário do EAD nesses últimos meses, escrevo esse texto para contar minhas experiências com esse modelo e definir, no final das contas, se “rende” ou não.

Para esse fim, começarei sendo ríspido, porém franco: em alguma medida, o modelo EAD não é tão exótico ao estudante médio quanto está sendo ao professor de carreira. E não falo isso no sentido de um gap de aptidão tecnológica entre gerações, mas numa questão de experiência: na última década, muitos estudantes já têm recorrido a videoaulas e material na internet para complementar os tópicos perdidos de uma aula e estudarem para provas. Francamente, é mais conveniente ao aluno moderno digitar qualquer tema no Google do que abrir seu livro para procurar a página em que se fala do mesmo.

Concomitantemente, empreendedores pioneiros criaram toda uma indústria com base no ensino à distância. Qualquer candidato ao ENEM já ouviu falar do Descomplica, uma plataforma paga de videoaulas que tem como fim substituir os cursinhos presenciais, permitindo até que o aluno envie redações simuladas para serem avaliadas. Desafio o leitor a entrar em uma sala de calouros recém-aprovados em medicina e perguntar quais ali já assinaram o Descomplica: se menos da metade levantar a mão, você se confundiu de sala.

Por outro lado, já na minha primeira semana como universitário na UFRJ, veteranos me contaram de uma plataforma chamada RespondeAí, “Assinando isso aí, você aprende o dobro do que aprenderia em uma aula em metade do tempo”. Dividindo o conteúdo de disciplinas complexas como Cálculo em pequenos tópicos palatáveis, a plataforma dá aos assinantes a alternativa de assistir o conteúdo através de leitura ou de videoaulas.

O conteúdo do RespondeAí está tão bem estruturado em relação às aulas tradicionais que muitos estudantes pararam de frequentá-las, incluindo a grande maioria daqueles que conseguem a “nota 10 em Cálculo”. Aliás, se o leitor quiser reunir um grupo desses últimos e pergunte quais assinaram o RespondeAí, posso dizer com convicção que caso algum não levante a mão, ou esse indivíduo colou, ou deveria estar no MIT.

Piadas à parte, um detalhe precisa ser reforçado: por não fornecerem diploma e tampouco avaliação, a prova concreta da eficiência dessas plataformas é que um aluno necessariamente só as assina se de fato valorizar o conteúdo das aulas. E desse modo, o sucesso de assinaturas do Descomplica e do RespondeAí fala por si.

Sem escrever uma vírgula do que ocorreu nas aulas remotas durante a pandemia, já mostrei que esse sistema de ensino tem o potencial de ser eficaz. Mas assim como o aluno é a régua pela qual o sucesso de uma aula pode ser medido, é somente o professor que tem o poder de transformar uma aula “potencialmente” agregadora em uma aula “que foi” agregadora.

Sendo assim, de pouco adianta mostrar o sucesso de aulas pontuais repletas de discussão e interação entre as partes, como tive o prazer de assistir pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) nos últimos meses, se não formos analisar os problemas que encobrem as instituições que não deram nenhum treinamento aos seus professores, e simplesmente inventaram de fazerem videoaulas “para não ficar para trás”.

Por convites de amigos ou pela própria UFRJ, assisti muitas aulas pela internet que mais pareciam monólogos muito similares às mais entediantes aulas presenciais, com a distinção de que todos estão por default com a internet na mão, e que o “quadro” para o qual estão prestando atenção pode ser literalmente qualquer coisa. Negligência de um aluno individual? Talvez. Mas nunca vi a audiência ser criticada por estar com a cara colada no celular durante um filme ruim. Pessoalmente, eu nunca criticaria um aluno por navegar nas redes sociais durante uma aula insípida, seria hipocrisia de minha parte, já que escrevo esse artigo durante umas dessas.

Entretanto, é também nesse distanciamento resultante do ensino remoto que surge um segundo problema: a dificuldade de formar laços com seus colegas de turma. Um professor carismático irá, através de sua camaradagem, conquistar os corações de toda a turma (aliás, uma das estratégias que a FGV usou foi colocar esse professor participando nas primeiras aulas de professores menos experientes), contudo a interação entre os colegas de turma é quase nula.

Como não há necessidade para intervalos no corredor ou tempo livre na sala, a interação entre os alunos é mantida mínima, nada de grupinhos ou “parceiro de conversa”. Nesse sentido, muitos dos principais gatilhos emocionais que vinculam um aluno a uma turma, incluindo o sentimento de competição, se tornam basicamente nulos. Destarte, é fundamental ao sucesso de uma turma EAD que haja trabalhos em grupo e pretextos para estimular e fortalecer esses relacionamentos multilaterais. Para mim, a criação dessa “cultura intraclasse” é o principal desafio a ser ultrapassado para garantir o sucesso do ensino remoto no longo termo.

Todavia, tomando a perspectiva de um professor, é preciso reconhecer que há uma fragilidade colossal no EAD: a incapacidade de testar o aluno de maneira idônea com uma prova. Como alguém que entende de computadores, serei breve: seja fazendo uso de câmeras, ferramentas como o TeamViewer ou máquinas virtuais, é possível trapacear em literalmente qualquer prova que seja aplicada à distância.

No entanto, várias certificações internacionais sérias, como o TOEFL, tem um histórico de aceitar esse risco e aplicar provas online, tomando precauções básicas como o monitoramento da tela. Caso isso seja demais para uma instituição, só restam duas alternativas: ou se alteram os métodos de avaliação para um modelo oral, no formato de entrevistas ou maratonas de grupo, ou as provas estarão fadadas a continuarem sendo aplicadas em centros presenciais.

De todo o modo, o fato é que grande parte da geração atual de educadores rejeitou por tempo demais o uso das plataformas EAD. E agora que a modernização chegou, forçada pela pandemia, esses mesmos devem arregaçar as mangas, tirar seu manto de mestre e, uma vez mais se tornarem “alunos”. O ensino é uma via de mão dupla, e se o estudante precisa evoluir a cada dia, a mesma medida deve ser tida ao educador. No final das contas cabe ao leitor refletir se o problema real é o ensino à distância, ou a distância no ensino.

FRANCISCO VICTER é estudante de Engenharia de Produção na Escola Politécnica da UFRJ. [email protected]