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Gauche na vida

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Cada macaco no seu galho. Há na imprensa gente de direita e de esquerda. Eu sou daqueles ao qual, como disse o grande poeta das Gerais, foi determinado a ser gauche na vida. E não me arrependo de meu destino. Se vivo estivesse na Revolução Francesa, certamente ficaria honrado em me sentar à esquerda da mesa da Assembleia, ao lado de Saint-Just, Camille Desmoulins, Robespierre e Danton. Na Revolução Russa, que pôs fim ao absolutismo do czar Nicolau II, não tenho dúvida alguma: marcharia ao lado dos bolcheviques em São Petersburgo, na tomada do Palácio de Inverno (hoje o maravilhoso Museu Hermitage). Muitos dão destaque aos erros de Robespierre e Danton, e também aos de Trotski e Lenin. Certamente, eles os cometeram. Mas imaginem o que era fazer uma revolução enfrentando todos os poderosos da Europa!

Para resumir, a esquerda a que pertenço vem da Era das Revoluções, segundo o título cunhado por Eric Hobsbawn. E no Brasil, essa vertente ideológica chegou lá pelo final do século 19, nas cabeças e mentes dos anarquistas e socialistas espanhóis e italianos. Aqui, na verdade, havia uns poucos intelectuais influenciados por Marx. O escritor Lima Barreto era um deles. Mas os primeiros movimentos de operários foram liderados pelos trabalhadores que emigraram do Velho Continente. Com luta e sacrifício, mostraram aos brasileiros que os direitos sociais não cairiam do céu. Era preciso se unir e se organizar. Dizem que, na virada do século 20, um desses militantes anarquistas, o italiano Luigi Damiani, fez cerca de 20 comícios em pontos diferentes do Rio, num mesmo 1º de Maio. Este fato e outros estão bem narrados no livro ‘O Ano Vermelho, a Revolução Russa e seus reflexos no Brasil”, de Aristélio Andrade e Moniz Bandeira.

Como acontece hoje, os pioneiros da esquerda no Brasil incomodaram os poderosos com seus protestos e greves. Tanto fizeram, que o governo editou a lei Adolfo Gordo, que autorizou a expulsão de todos os operários estrangeiros que participavam das lutas sindicais: 132 militantes foram expulsos do país numa canetada só. Ao contrário do que pensa o presidente Jair Bolsonaro, a esquerda não nasceu em 1922, com a fundação, em Niterói, do Partido Comunista do Brasil. Ela vem de mais longe e tem raízes em eventos que marcaram a Humanidade. Se a classe operária pelo mundo afora conquistou direitos e se não se veem mais mulheres e crianças nas minas de carvão, foi graças às conquistas dos movimentos de esquerda.

Assim foi e assim será. A esquerda é o sal da terra. Enquanto houver injustiça social e desrespeito aos direitos humanos, haverá sempre um grito de revolta. Infelizmente, porém, existirá outro fenômeno: a eterna divisão das correntes de esquerda. Aí está, por exemplo, a polêmica entrevista que o ex-governador Ciro Gomes, agora vice-presidente do PDT, deu ao JORNAL DO BRASIL na edição de ontem. Ciro, era de se esperar, bateu forte no governo Bolsonaro. Segundo ele, Bolsonaro “cercou-se de uma equipe de medíocre a deplorável, onde avultam grupos absolutamente inconciliáveis, se digladiando precocemente no poder”. Ele repete seu diagnóstico sobre a economia, diz que Paulo Guedes parou de ler nos anos 80, e adverte que o país pode mergulhar em caos profundo dentro de seis meses.

Contudo, a carga mais devastadora da metralhadora giratória de Ciro não foi dirigida a Bolsonaro, e, sim, ao PT e ao ex-presidente Lula. Eis um dos petardos: ‘O PT está que nem cachorro em mudança de pobre. Caiu do caminhão e ficou perdidaço. Todos envelhecemos e o PT apodreceu”. Ele prossegue: ‘É lamentável dizer isso, mas tem que ser dito porque senão o rei vai passar nu e vamos continuar alimentando a ilusão de que temos um líder preso injustamente e que toda a agenda do país é o Lula Livre, mas a agenda do país não pode ser essa”. Especificamente sobre Lula, o ex-governador também foi ácido. Afirmou que a ingerência do ex-presidente no processo eleitoral “foi um desastre para o país”. E concluiu: “O Lula é uma figura extraordinária, mas na cadeia perdeu a noção da realidade”.

Com suas investidas contra Lula e o PT, Ciro Gomes provou, mais uma vez, que a esquerda não precisa de inimigos. É desgastada e consumida por suas divisões internas. Até quando? Importante, porém é não perder o foco. A luta continua. E o sonho de um país mais justo e igualitário também. Não morrerá jamais.