Por Coisas da Política
GILBERTO MENEZES CÔRTES - [email protected]
COISAS DA POLÍTICA
Os gigantes erros de cálculo do clã Bolsonaro
Publicado em 19/10/2025 às 08:06
Alterado em 19/10/2025 às 08:18
Um meme muito compartilhado nas redes sociais traz Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo, em foto feita por IA, do lado de fora da Casa Branca, no dia da reunião de Mauro Vieira com Marco Rúbio; ainda há outro, mais divertido, em que ambos aparecem vestidos de palhaço, no mesmo local Foto: reprodução
O chanceler brasileiro, Mauro Vieira, e o secretário de Estado americano, Marco Rubio, realizaram, quinta-feira, 16 de outubro, em Washigton, a primeira reunião após Rubio ter sido designado por Donald Trump para negociar com o Brasil durante a conversa telefônica com Lula em 6 de outubro. Segundo as notas oficiais conjuntas dos governos brasileiro e americano, as reuniões entre Vieira, Rubio e as respectivas equipes foram muito positivas. É que para além de retomar as negociações econômicas e comerciais entre os dois países, o colóquio de mais de uma hora serviu para preparar o cardápio do encontro presencial entre Lula e Trump, que deve ocorrer brevemente.
Entretanto, nas redes sociais, o filho 03, o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), e o economista Paulo Figueiredo, neto do último ditador, o general João Figueiredo, bem que tentaram até a última hora sabotar a reunião. Mas, desta vez, não conseguiram adiar o encontro, como ocorreu em 11 de agosto último, quando fizeram tantas intrigas no Departamento de Estado, que o encontro entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o secretário do Tesouro, Scott Bessent, foi suspenso horas antes. Ainda assim, a dupla contrariou a versão oficial do encontro.
Para eles, o fato de o governo americano não ter recuado das tarifas e das sanções às autoridades brasileiras provaria o fracasso do encontro e a disposição do governo americano em manter as exigências políticas para revogar as ações contra o Brasil. Ora, estava claro que uma reunião preparatória para definir o que poderia e o que não poderia ser negociado no encontro presidencial não bateria o martelo em questão tão complexa quanto o tarifaço. Só ingênuos poderiam esperar que essa primeira reunião resultasse em suspensão de tarifas por parte do governo Trump. E, segundo relatos da equipe brasileira, a situação de Jair Bolsonaro (usada pela dupla para justificar a chantagem do tarifaço e das sanções a ministros do Supremo Tribunal Federal e do ministério de Lula) não foi sequer citada nas conversas.
Na verdade, o tempo e o andamento dos fatos (como a continuidade do julgamento do ex-presidente e seus parceiros principais na trama golpista, sem grandes reações da opinião pública, como alertaram os dois mosqueteiros nos Estados Unidos – antes, ao contrário, as pesquisas de opinião pública e as manifestações de 21 de setembro foram majoritariamente favoráveis à condenação dos golpistas e contrárias à anistia ou redução de penas) foram ensinando ao presidente Donald Trump que a real situação do Brasil não correspondia à versão vendida pela dupla ao Departamento de Estado. Enquanto Trump ouvia o sereno, mas firme, discurso de Lula na ONU, a ficha caiu. O Brasil não é uma república bananeira, e muito menos Lula é o chefe de uma ditadura caricata como a Venezuela de Nicolas Maduro.
Sondagens anteriores entre Vieira e Marco Rubio, que se conheceram durante o governo Obama (democrata) quando o brasileiro foi embaixador em Washington e Marco Rubio era senador republicano pela Flórida, ajudaram a desarmar o espírito belicoso de Donald Trump e tornaram o que seria um encontro fortuito no corredor, entre a sala onde estava o presidente americano e o acesso ao plenário da ONU, numa “boa química” entre os dois presidentes, apesar de durar apenas 39 segundos, segundo Trump. A falha no “teleprompter” abriu espaço para Trump fugir do texto duro, elaborado pela assessoria, e quebrar o gelo, fazendo acenos simpáticos a Lula e ao Brasil.
Trump não quer que a aura de “pacificador” auferida com o cessar-fogo (ainda claudicante) entre Israel e o Hamas seja tisnada por picuinhas menores. Assim como enquadrou o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, depois da tentativa de Israel de assassinar os líderes do Hamas no Catar – que quase pôs a perder as costuras do Acordo de Abraão, mas abriu o caminho para selar um pequeno passo para a Paz, a partir das várias etapas do cessar-fogo entre os dois lados beligerantes sob o compromisso dos países árabes, muçulmanos e europeus -, Trump quer esfriar a temperatura na guerra tarifária com a China (que ameaçara chegar a 100 graus, ou a 100%) que sabe insustentável, e busca uma nova cartada no cessar-fogo entre a Rússia e a Ucrânia. Se perdeu o Nobel da Paz de 2025, já se habilita como franco candidato ao de 2026.
Neste sentido, Trump precisa de trunfos para aumentar seu cacife na negociação com a China em torno das terras raras, vitais para a IA, a corrida espacial e as novas tecnologias. As alternativas ao fornecimento da China, que apertou terceiros países para não fornecer “chips” ou tecnologia oriunda de metais críticos aos Estados Unidos, são a Argentina e o Brasil. As dificuldades da Argentina de Javier Milei, sob socorro americano de US$ 20 bilhões, indicam que um país bem mais pujante, como o Brasil, pode oferecer parcerias de interesse recíproco em projetos de exploração e transformação de terras raras em bens de alta tecnologia (como já fez no petróleo, com a parceria de 20% da Exxon com a Petrobras na exploração de dois poços na Margem Equatorial na costa do Amapá), ou mesmo fomentar a instalação de “datacenters” em áreas de sobra de energia. O Nordeste, por exemplo, tem sobras de energias baratas de fontes eólicas e solares. Faltam apenas o desenvolvimento de grandes baterias para o armazenamento da energia. Assim, mesmo com a sabotagem da dupla “lesa pátria”, tudo indica que a aproximação entre o governo brasileiro e o americano continua mesmo a evoluir positivamente, o que não é garantia quanto ao resultado do processo.
As furadas do 'bananinha'
Os fatos recentes estão a dizer que o discurso de Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo está desconectado da realidade reportada e sinalizada inclusive pelo governo americano. Mas isso não é novidade em relação às manifestações de Jair Bolsonaro, chefe do clã, e em especial do filho 03, chamado de “bananinha” pelo ex-vice-presidente e atual senador, general Hamilton Mourão (Republicanos-RS). Na campanha eleitoral em 2018, em palestra numa faculdade de Direito, o já deputado disse que “para fechar o Supremo basta um jipe e um cabo”. O tempo ensinou, inclusive a seu pai, em setembro de 2021, quando foi pedir socorro ao ex-presidente Michel Temer para escrever uma carta a quatro mãos pedindo desculpas ao ministro Alexandre de Moraes, a quem dissera nas comemorações da Independência, na Avenida Paulista, que “não aceitaria ordens ou decisões”, que o Supremo Tribunal Federal é muito mais “resiliente” como defensor da Constituição e do Estado Democrático de Direito.
Antes de escolher Alexandre de Moraes como alvo máximo de suas tratativas contra sanções americanas ao Brasil, o filho 03 teve de assistir pela TV, nos Estados Unidos, onde está desde fevereiro estourando o limite de faltas na Câmara dos Deputados, o próprio pai pedir desculpas a Moraes durante o julgamento da trama golpista. Por sinal, as chantagens das sanções contra o Brasil e a Suprema Corte não surtiram o efeito desejado. O pai foi condenado a 27 anos e três meses de prisão. Por enquanto, a defesa do ex-presidente, que está em prisão domiciliar, pela interferência conjunta de pai e filho no processo de julgamento da trama golpista, está contando o prazo do recurso.
A presunção de Eduardo Bolsonaro, cujo ego subiu à cabeça quando saiu das urnas em 2018 como o deputado federal mais votado de SP, pelo PSL, com 1,8 milhão de votos, o que o levou à presidência da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, ato contínuo, foi pleitear a indicação para comandar a Embaixada do Brasil, em Washington. O pai tomou a sério a pretensão e bradava aos quatro ventos as “credenciais” do filho 03: “ele fala inglês e sabe fritar (sic) hamburguer”. Vozes sensatas demoveram o então presidente de passar vexame com a provável rejeição à indicação do filho no Senado. Precisaria da aprovação prévia do nome na Comissão de Constituição e Justiça e posterior vitória em Plenário com um mínimo de 41 votos dos 81 senadores.
Pois o que vem fazendo hoje contra o Brasil, depois de sua votação em 2022, agora pelo PL-SP, encolher em 1,1 milhão de votos - o “podium” ficou com Guilherme Boulos (PSol), com pouco mais de 1 milhão de eleitores, seguido da condenada e foragida na Itália Carla Zambelli (PL-SP), com 945 mil votos - serve para calcular o grau de entreguismo e subserviência que adotaria ao optar entre defender os interesses nacionais ou ceder às pressões imperialistas americanas. É curioso notar que uma das áreas mais atingidas pelo tarifaço geral de 10% às exportações brasileiras, acrescidas da tarifação extra de 40%, atingiu com 50% as exportações de café e a de carne para hamburguer nos EUA. Segundo o “Wall Street Journal”, os americanos “estão sentindo os efeitos colaterais do tarifaço na inflação do café da manhã. Os preços recordes da carne bovina e do café, que custa US$ 1 a mais por libra desde maio, estão fazendo com que os consumidores reduzam o consumo de alguns alimentos e estoquem outros”. Os dados da inflação e de outros indicadores desfavoráveis pelos efeitos colaterais do tarifaço não estão sendo visíveis porque o “shutdown” fechou vários órgãos do governo americano, devido à escassez orçamentária. Pesquisa citada pelo WSJ mostra que os impactos não devem agradar a Trump. Baixar as tarifas contra o Brasil e aliviar o bolso da classe média seria de grande valia para Trump, que tem eleições legislativas em 2026.
O tiro em Alexandre de Moraes, que respingou na esposa advogada e na família, não afastou o ministro-relator do cumprimento de seus deveres constitucionais. Um efeito colateral foi apressar, em oito anos, o pedido de aposentadoria do ministro Luís Roberto Barroso, uma semana após transferir a presidência da Corte ao ministro Edson Fachin. Mas, ao mesmo tempo em que criou um problema para Lula (que só esperava, se reeleito, se debruçar sobre um nome para o STF em 2028, quando Luiz Fux atingisse os 75 anos), Barroso decidiu que cumpriria suas obrigações concluindo votações importantes, como a descriminalização da gestante nos casos de aborto já autorizados no SUS até 12 semanas de gestação. Por isso, depois que a Comissão de Direitos Humanos da Câmara aprovou esta semana Projeto que proíbe o aborto tardio (até 22 semanas, 10 a mais que o autorizado), em menos de quatro minutos, sem a inscrição de oradores contrários, Barroso solicitou, quinta-feira, 16 de outubro, votação extraordinária do STF para descriminalizar o aborto a partir de 12 semanas. Como a ex-presidente Rosa Weber já votara a favor, antes de se aposentar, em 2023, o placar está em 2 X 0 pela descriminalização. Sem definição clara do Supremo, médicos e enfermeiros correm risco de prisão.
Tiro pela culatra em 2026
Escrivão da Polícia Federal, Eduardo Bolsonaro, como os filhos do ex-presidente, gosta de praticar tiro ao alvo e era um dos entusiastas das medidas de liberalização de porte de armas e munições para os CACs. As investigações da Polícia Federal mostraram que, além dos escandalosos desvios das armas e munições autorizadas, o “exército” dos CACs era uma milícia auxiliar que estaria a postos para atuar na defesa da posição dos golpistas, em caso de resistência popular. Ou seja, estavam prontos para uma “guerra civil”.
Quem melhor definiu os erros de mira de Eduardo Bolsonaro foi o presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PP-PI). Um dos líderes do Centrão, o último chefe da Casa Civil de Jair Bolsonaro acusou Eduardo de ter causado [com o tarifaço e as medidas de retaliação dos Estados Unidos ao Brasil] um enorme prejuízo para 2026, quando a “eleição estava quase resolvida para a direita e o centrão”, ao dar a Lula o discurso da defesa da soberania. Mas, não foi só o filho 03 quem pisou na bola com seu parceiro Paulo Figueiredo. Quando Trump anunciou o tarifaço, em agosto, foi saudado, com boné do MAGA e tudo o mais pelo governador de São Paulo. Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) não percebeu que a economia paulista era a mais afetada pelo tarifaço e as chantagens americanas. Diante da reação do empresariado, Tarcísio voltou atrás em dois dias, mas o estrago estava feito. Pior foram os bolsonaristas comemorarem um esvaziado 7 de setembro sob uma gigantesca bandeira americana na avenida Paulista. O recibo de “lesa pátria” foi muito bem explorado pela centro-esquerda nas manifestações de 21 de setembro, em todo o país, contra a anistia e o projeto da blindagem aos crimes dos congressistas, quando assumiu a bandeira brasileira que, desde 2018, tinha sido apropriada pelos bolsonaristas.
O efeito principal do “strike” do clã Bolsonaro, por ora, como revelaram as pesquisas de opinião pública em outubro, foi a rejeição de mais de 60% aos três nomes da família que almejam uma candidatura em 2026: a ex-primeira-dama, Michelle (61%), o ex-presidente tem 63% de rejeição e o filho 03 recebeu 68% de menções contrárias. Lula, que estava com rejeição acima de 58%, antes do 03 entrar em campo, registrou 51% de respostas contrárias à reeleição. Mesmo assim, lidera todas as pesquisas eleitorais para 2026. Imagina se as negociações Brasil-EUA baixarem as tarifas.
A eleição de 2026 foi antecipada em todos os cenários e por parte dos partidos e eventuais postulantes. O ex-ministro e ex-governador do Ceará Ciro Gomes, cujo nome é bem citado nas pesquisas, superando até alguns atuais governadores, anunciou a desfiliação do PDT, com possível migração para o PSDB ou o União Brasil (hoje aliado ao PP no Centrão). Ciro já foi do PSD (no regime militar) e depois migrou para o PSDB a convite do ex-governador Tasso Jereissati, a quem sucedeu. Adiante concorreu três vezes à Presidência pelo PDT. De novo, pretende enfrentar o PT – ao governo do Ceará ou a presidente.
No tabuleiro do xadrez
A disputa antecipada fez Lula redobrar seus cuidados, embora tenha abusado da soberba com a retomada da maré de popularidade. A indicação do substituto de Barroso no STF virou um ponto de inflexão. Lula está pensando adiante. Precisa, de um lado, reforçar o perfil de apoio às linhas de ação de seu governo na Suprema Corte. O nome preferido é o do advogado geral da União, Jorge Messias. Além de ser homem de confiança, evitando eventual redução nas votações favoráveis ao governo (no momento há três votos mais ou menos contrários: os de Fux, de Kassio Nunes Marques e de André Mendonça, o “terrivelmente evangélico”. Messias é batista e tem bom trânsito na Assembleia de Deus Ministério de Madureira, com mais filiados que a Assembleia de Deus Vitória em Cristo, de Silas Malafaia, que apoia o clã Bolsonaro. Messias seria uma cunha de penetração no eleitorado evangélico (cerca de 27% do total).
De outra parte, Lula não pode melindrar o Senado (que aprova o indicado ao STF) e muito menos desagradar ao presidente do Senado (e do Congresso), senador Davi Alcolumbre, que prefere o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Mas Lula quer tirar a meia sem descalçar o sapato. Deseja manter a maioria no STF, sem desagradar a Alcolumbre (o Senado sob a batuta de Alcolumbre tem sido um importante aliado para frear os ímpetos bolsonaristas da Câmara). E ainda pretende convencer Pacheco a fazer parte do seu palanque presidencial nas eleições de 2026 no segundo maior colégio eleitoral do país, liderando a chapa para governador. {o maior colégio é SP, com votos superiores a MG e ao RJ, terceiro colocado; a Bahia é o quarto colégio e o Paraná, o quinto, à frente do RS). Seria um ganho extra se Lula conseguisse os votos do PSD em Minas ou, mais ainda, se conseguisse que o presidente do PSD, Gilberto Kassab, secretário de governo de Tarcísio de Freitas, que o apoia à presidência, não fechasse questão contra alianças avulsas nos estados. Até aqui, é impossível.