
Por Coisas da Política
WILSON CID - [email protected]
COISAS DA POLÍTICA
Química delicada
Publicado em 30/09/2025 às 07:08
Alterado em 30/09/2025 às 18:44

Assunto predominante, nestes últimos dias, foi que “pintou uma química”, mesmo que com a brevíssima duração de poucos segundos, entre os presidentes Trump e Lula, quando as delegações se cruzaram na sede das Nações Unidas. Sendo ou não um instante de artificialidade, obra de lobby do empresariado americano, interessado em remover embaraços tarifários entre os dois países, fato é que está sinalizada a abertura de um canal para que conversem, num próximo encontro, acima e afora das antipatias pessoais. Surgiu a “química”, expressão popular que ambos empregaram, coincidentemente, mesmo sabendo que são muito diferentes, imiscíveis, como água e óleo. Ou como hipoclorito e amônia, de acordo com nossas lições dos tempos colegiais. Muito diferentes, a começar pelo viés socializante de um, em contraste com as sólidas convicções capitalistas do outro. O bastante para suspeitar de bom entendimento.
Sabemos que qualquer conversa responsável, em nível presidencial, é fruto de uma pauta tratada com antecedência e fixados os pontos a serem abordados, para que se evitem dificuldades e constrangimentos. Um cuidado que se amplia, como no caso presente, em que vêm se repetindo estilhaços nas ofensas em mão dupla. Detalhe delicado, que, para Lula, seria garantia de não se tornar alvo de humilhação da parte de alguém que tem histórico de carregar certa intolerância com interlocutores. Trump é um homem de temperamento imprevisível. Na Casa Branca, os colegas sul-africano e ucraniano padeceram no colóquio. Melhor, portanto, seria que os dois se falassem pelo telefone, com tradução simultânea, evitando-se o risco de um mal-estar presencial. O brasileiro, se interessado em cercar-se de garantias, tem direito de evitar convite para uma reunião em solo norte-americano.
Há um detalhe que parece mais delicado entre os temas a serem discutidos. A Casa Branca jamais negou que as investidas contra Brasília inspiram-se em retaliação política, resultante da ditadura do Judiciário, perseguições aos contrários, em particular a Jair Bolsonaro, e limitações a empresas americanas. A negativa de visto a autoridades brasileiras desinteressantes deixou isso bem claro. Há ministros e familiares proibidos de desembarcar naquele país, o que Lula considera intolerável. Tem, portanto, obrigação de pedir reconsideração. Mas pediria, sabendo do risco de desconcertante negativa? Ou exigiria apenas a revogação do castigo imposto a Alexandre de Morais? Outra coisa: se pacificação é receita de concessões, o que temos para oferecer a Trump que nos seja exequível?
Ao governo brasileiro, como premissa de uma conversa que ainda não sabemos onde se dará, também tem direito de saber se eventual acordo entre os presidentes incluiria o silêncio obsequioso do secretário Marco Rubio, que não tolera os moradores de dois dos nossos palácios – Judiciário e Executivo. Algo a ser combinado.
A “química” não impede que ocorram imprevistos. Mas, em se tratando de pessoas civilizadas, afora a responsabilidade do cargo que ocupam, é de se esperar que Trump confira tratamento adequado ao interlocutor, da mesma forma que caberia a Lula não debochar com as jaboticabas, que gosta de distribuir generosamente..