
Por Coisas da Política
WILSON CID - [email protected]
COISAS DA POLÍTICA
Palavras e intenções
Publicado em 23/09/2025 às 07:09
Alterado em 24/09/2025 às 09:33
Deputados houve que chegaram a pedir a jornalistas que não se referissem à suspeita PEC de Prerrogativas como desabonadora PEC da Blindagem, esse colossal monumento à impunidade, que a Câmara acaba de votar e empurrar para o Senado, com todos os maus odores de origem. Explica-se a preocupação, porque é na arte da semântica que as coisas tornam-se suaves ou menos amargas, como na semana passada desejaram os parlamentares, felizmente não levados em consideração pela imprensa. A proposta é blindagem mesmo, venha com que rótulo vier. Porque o real desejo da grande maioria do plenário, naquela noite fatídica, foi presentear-se com um peito de aço, capaz de amortecer investidas da moralidade e da transparência no trato da coisa pública.
Longe de ser novidade a substituição de expressões, para enganar verdadeiras intenções, como ocorreu, há anos, no caso de um deputado mineiro, vindo da zona rural, carregado de votos, que pretendeu entrar num debate sobre violência contra a mulher. Sugeria que estupro fosse substituído por “penetração imprópria”, mesmo que isso em nada pudesse minimizar a tragédia.
Mas é no jeito de dizer que está o peso da expressão, e a crônica política sabe disso. No velho Congresso, quando já vivia seus últimos dias no Rio, o deputado Bonaparte Pinheiro, sob suspeita de negócios ilícitos, sentiu-se ofendido, quando Carlos Lacerda denunciou sinais da quebra da moralidade parlamentar. Bonaparte quis saber se o colega se referia a deputado virando contrabandista, ao que Lacerda acudiu, dizendo, ao contrário, o que havia era contrabandista virando deputado…Dava no mesmo. Nem atenuava.
(Não é de nossas terras, mas do Oriente distante vem o caso contado por Mansour Chalita, do sultão que sonhara haver perdido todos os dentes, o que o adivinho da corte interpretou como sinal de que morreriam todos os parentes do soberano. Foi castigado por trazer notícia tão sinistra. Outro adivinho chegou para tranquilizar o consulente, com nova versão. Se os dentes caíram, sinal de que o sultão sobreviveria a todos os parentes. A mesma coisa dita de maneira diferente.)
Na arte política o rótulo pode suavizar, como agora se pretende com o poderoso escudo, que dá ao agente político todas as condições para driblar a lei nos crimes que lhe são imputados. Mas imaginemos o pior: se o Senado ceder, adotando a blindagem, abre-se ao crime organizado, já infiltrado na economia e no governo, uma larga e generosa porta para introduzir seus chefes e preservá-los. Denunciados na Justiça, garantidos três meses para a Câmara se pronunciar sobre a conveniência da denúncia, tudo acaba esquecido. Tornam-se intocáveis, inocentados de véspera. Preliminar de salvo-conduto.
Quando se crítica o Congresso, sobretudo ao escorregar em princípios de moral e ética, não falta quem advirta. Se tudo anda ruim, ainda pode piorar. A invenção dessa PEC da Blindagem veio mostrar que, se ontem a situação andava mal, hoje piorou.
2 – O lance mais recente, confiado à relatoria do deputado Paulinho da Força, é remover a ideia de anistia aos condenados pelos atos de janeiro de 2023 e pela suposta tentativa de golpe, porque essa palavra – anistia - fere os brios do Supremo Tribunal Federal, autor das pesadas penas aos condenados. Removida a proposta do perdão, o que se deseja é a adoção de penas mais suaves. Cabe aguardar como o relator vai explicar isso, considerando-se que dosimetria ainda é atribuição de julgador, não de legislador.
Mas não tenhamos dúvida. O que se objetiva para um futuro tão próximo quanto possível, é realmente anistiar. E o primeiro passo é reduzir as penas, para que as coisas se tornem mais fáceis. O Centrão sabe disso, passou por cima dos partidos, assumiu a paternidade desse plano, altamente favorável a seus candidatos em 2026.
(Não se considere Jair Bolsonaro totalmente distante dessa trama. Lembremo-nos que, reagindo a uma onda de anistia, a Constituição de 1891, como Carta maior, considerou que nada impedia que preso político disputasse eleição. No governo Artur Bernardes, Maurício Lacerda foi eleito deputado, imediatamente posto em liberdade para assumir).